STJ veta uso de cartas psicografadas como prova legal
Tribunal decidiu que mensagens mediúnicas não possuem confiabilidade científica e não podem ser usadas para embasar condenações criminais

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que cartas psicografadas não podem ser admitidas como meio de prova em processos criminais. A 6ª Turma do Tribunal, por unanimidade, concluiu que esse tipo de documento “é desprovido de mínima idoneidade epistêmica”, ou seja, não tem confiabilidade racional ou científica suficiente para embasar decisões judiciais.
O entendimento foi firmado em julgamento de um recurso em Habeas Corpus apresentado pela defesa de um homem acusado de homicídio, no qual a acusação havia utilizado uma carta psicografada, supostamente escrita pela vítima por meio de um médium, como elemento de prova.
A carta teria sido obtida por uma testemunha que se declarou médium e afirmou ter recebido mensagens da vítima após sua morte. O material foi anexado ao processo junto com o depoimento da mãe da testemunha e cópias dos manuscritos psicografados.
Para o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, a utilização desse tipo de conteúdo viola os princípios da racionalidade e da legalidade no processo penal:
“A carta psicografada não pode ser admitida como prova no processo judicial, por se tratar de meio desprovido de mínima idoneidade epistêmica para corroboração racional de enunciados fáticos”, afirmou.
O ministro explicou que uma prova só é válida se for legal e epistemicamente confiável, isto é, se possuir potencial concreto para demonstrar um fato. “Apesar dos esforços destinados ao tema, não há evidência científica sólida que comprove a vida após a morte ou a comunicação com pessoas falecidas”, ressaltou Schietti.
A decisão marca a primeira vez que o STJ analisa formalmente a admissibilidade de cartas psicografadas como prova. Documentos desse tipo já haviam sido usados em casos anteriores, como no processo da Boate Kiss, mas sem posicionamento definitivo da Corte Superior.
Durante o julgamento, os ministros Og Fernandes, Antonio Saldanha Palheiro, Carlos Brandão e Sebastião Reis Júnior acompanharam o voto do relator. Os dois últimos chegaram a defender que a decisão de pronúncia — que encaminharia o caso ao júri, fosse anulada, determinando novo julgamento sem qualquer menção ao conteúdo mediúnico.
Schietti também alertou para o risco de subjetividade e irracionalidade que provas desse tipo podem introduzir, especialmente em crimes dolosos contra a vida, julgados por júris populares. “Ficaríamos discutindo coisas do além que, em princípio, teriam sido comunicadas ao nosso mundo terreno. É algo que escapa da racionalidade”, disse.
O ministro Antonio Saldanha Palheiro reforçou o argumento com ironia. “Eu poderia contrapor com uma previsão do tarot? Ou com qualquer desses mecanismos usados desde a Antiguidade para identificar fatos não palpáveis?”, questionou.
A Turma destacou que, diferentemente de juízes togados, os jurados não precisam justificar suas decisões, o que torna ainda mais necessário o controle rigoroso sobre as provas apresentadas. Segundo Schietti, “o presidente da sessão deve filtrar cuidadosamente as provas, evitando que elementos logicamente irrelevantes induzam o júri a conclusões irracionais”.
Com a decisão, o STJ determinou que o juiz de primeira instância retire a carta psicografada dos autos e risque dos depoimentos quaisquer referências ao conteúdo mediúnico. O caso reforça a posição do tribunal de que a fé não pode substituir a razão no julgamento judicial, e que o sistema de Justiça deve permanecer ancorado em provas concretas, verificáveis e submetidas ao contraditório.
A decisão é considerada um marco jurídico, delimitando a fronteira entre crença pessoal e prova judicial válida no âmbito do Direito Penal brasileiro. (Com informações do Conjur)
