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Do “fantasma” ao PCC: o Paraná como território estratégico do crime organizado

Investigações atuais expõem vulnerabilidades do Paraná e revelam como a infraestrutura do estado segue atraindo o crime organizado

Por Gazeta do Paraná

Do “fantasma” ao PCC: o Paraná como território estratégico do crime organizado Créditos: Divulgação/PF

O recente escândalo envolvendo o PCC e o Porto de Paranaguá — revelado pela Operação Carbono Oculto, que desmantelou um esquema bilionário de importação irregular de metanol para adulteração de combustíveis — reacendeu o debate sobre o papel do Paraná no mapa do crime organizado. A descoberta de que a facção paulista usava um terminal do porto como parte de sua logística expõe a fragilidade de estruturas estratégicas e mostra que o estado continua sendo um ponto vital para organizações criminosas.

A história, no entanto, não começa agora. Muito antes de o PCC se consolidar, o Paraná já havia abrigado a ascensão de Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca, considerado em 2017 o maior traficante de drogas do Brasil. Seu nome constava na lista de difusão vermelha da Interpol, e ele chegou a movimentar de cinco a dez toneladas de cocaína por mês, acumulando patrimônio estimado em R$ 1 bilhão.

 

Um império discreto

Cabeça Branca nasceu em Uraí, no norte do Paraná, em 1959, e cresceu em Londrina, para onde a família se mudou em 1966. O pai, Paulo Bernardo da Rocha, começou no comércio de café, mas logo descobriu que o contrabando para o Paraguai era mais lucrativo do que a exportação formal. Foi nesse ambiente, em que negócios legais e ilegais se misturavam, que o futuro traficante deu os primeiros passos.

Na adolescência, ajudava no escritório de corretagem do pai. Em 1980, abriu seu próprio negócio em Londrina, mas não demorou a mergulhar nas rotas clandestinas. Em 1987, foi indiciado por contrabandear 220 sacas de café, escapando da condenação. Pouco tempo depois, o contrabando de café e uísque deu lugar a algo muito maior: a cocaína.

 

Fachada e logística

Ao longo dos anos 1990, o Paraná se transformou em uma das principais bases de operações de Cabeça Branca. Ele abriu empresas de fachada em cidades como Apucarana, onde fundou uma importadora e exportadora de rolamentos em sociedade com familiares, e comprou fazendas no norte do estado por meio de laranjas.

Essas propriedades serviam de entrepostos para a cocaína trazida da Bolívia e do Paraguai, que seguia por terra até o Rio de Janeiro e São Paulo, de onde era exportada principalmente pelo Porto de Santos. Em 1996, a PF em Londrina investigou toneladas de droga enviadas para o Rio, mas, novamente, o traficante não foi preso.

 

 O “fantasma”

Um dos episódios mais emblemáticos da relação de Cabeça Branca com o Paraná ocorreu em 2004. Informada de que ele participaria do aniversário da mãe em uma pizzaria de Londrina, a Polícia Federal montou uma operação cinematográfica: agentes disfarçados de garçons e clientes cercaram o local.

Dona Teresinha, irmãos e parentes compareceram. O único ausente foi o próprio Cabeça Branca. Meses depois, surgiram indícios de que ele havia sido avisado por contatos dentro da própria PF. O caso reforçou a imagem de “fantasma”, um homem que escapava das investidas policiais sempre no último minuto.

Foram necessárias três décadas de investigações para que, em 1º de julho de 2017, a Polícia Federal deflagrasse a Operação Spectrum e finalmente prendesse Cabeça Branca em Sorriso (MT). A captura ocorreu quando ele saia de chinelos para comprar pão, como se fosse apenas mais um cidadão comum.

Naquele momento, era visto nacional e internacionalmente como o maior traficante de drogas do Brasil, alvo da Interpol. O caso chamou atenção pela frieza com que se entregou e pela revelação de que havia passado por cirurgias plásticas e usava identidades falsas para despistar os investigadores.

 

Do passado ao presente

Se Cabeça Branca construiu seu império a partir da discrição e da fachada de empresário agropecuarista, o PCC representa outro modelo: o de uma facção com hierarquia rígida, presença nos presídios e capacidade de infiltração em setores da economia formal.

A atuação do PCC no Porto de Paranaguá expõe um novo estágio dessa presença. Diferente do passado, em que rotas rurais e fazendas funcionavam como entrepostos da cocaína, hoje a estrutura criminosa se vale de terminais portuários e importações industriais. O esquema desmontado pela PF envolvia documentação fraudada e movimentação de toneladas de metanol, com lucros bilionários e impacto direto no mercado de combustíveis.

Apesar das diferenças, há um elo entre as duas histórias: o Paraná como território estratégico. No passado, serviu de berço e cobertura para Cabeça Branca, que a partir de Londrina e Apucarana construiu rotas internacionais. No presente, funciona como plataforma logística para facções como o PCC, que enxergam no Porto de Paranaguá a oportunidade de expandir negócios ilícitos em escala industrial.

E tem mais…

Ao longo de sua trajetória, Cabeça Branca construiu a imagem de produtor rural e empresário respeitável, circulando como um homem de bem enquanto, nos bastidores, organizava um dos maiores esquemas de tráfico de drogas do continente. O paralelo com o presente não é mero acaso: nas denúncias que cercam a atuação do PCC no Porto de Paranaguá, também surgem personagens de fachada, empresários e figuras que se apresentam como cidadãos exemplares. A Gazeta tem se debruçado sobre uma série de apurações que envolvem nomes conhecidos e respeitados — embora alguns, nem tanto — e que ajudam a explicar como estruturas legais podem ser instrumentalizadas por organizações criminosas.

O caso de Cabeça Branca mostrou como o Paraná foi capaz de abrigar, durante décadas, um império do narcotráfico que se escondia sob a fachada da legalidade. Agora, o desafio é conter a sofisticação de facções como o PCC, que ampliaram suas operações para além do tráfico de drogas e se inseriram em setores estratégicos da economia.

 

O histórico da atuação do crime organizado no Paraná

O Paraná tem sido, historicamente, um território estratégico para o crime organizado no Brasil. Além de casos emblemáticos como o de Luiz Carlos da Rocha, o Cabeça Branca, e as recentes operações contra o PCC no Porto de Paranaguá, o estado acumula registros de presença de facções e redes criminosas que se infiltraram tanto no sistema prisional quanto na economia formal.

 

A força do PCC nos presídios

O Primeiro Comando da Capital (PCC) consolidou sua presença no Paraná a partir dos anos 2000, especialmente dentro do sistema penitenciário. Em 2014, a apreensão de manuscritos em unidades de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba, revelou a disseminação dos estatutos da facção, incluindo instruções para “batismos” de novos integrantes. Esses documentos mostravam que a organização paulista havia se estruturado no estado, recrutando presos e expandindo sua rede de influência.

 

Disputa de facções

Apesar da hegemonia do PCC, o Paraná já foi palco de uma multiplicidade de facções. Relatórios apontam que, ao longo da última década, pelo menos cinco grupos disputaram espaço nas cadeias paranaenses: o próprio PCC, o Primeiro Grupo Catarinense (PGC), o Primeiro Grupo do Paraná (PCP), além de organizações menores e dissidências locais. A disputa pelo controle de galerias em presídios e pelo tráfico em comunidades reflete a fragmentação típica do crime organizado no Sul do Brasil.

 

Rotas e atividades criminosas

A localização geográfica do estado torna o Paraná um elo estratégico nas rotas de tráfico e contrabando. A proximidade com o Paraguai e o acesso a portos, como o de Paranaguá, permitem que drogas, armas e mercadorias ilegais transitem com facilidade. Nos anos 1990, essas rotas já eram utilizadas por traficantes independentes, como Cabeça Branca, que movimentava toneladas de cocaína. Hoje, o esquema é mais pulverizado, com facções que exploram tanto o tráfico internacional quanto atividades como roubo de cargas, assaltos a bancos e adulteração de combustíveis.

 

A resposta institucional

Para enfrentar essa realidade, o Paraná consolidou a atuação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), do Ministério Público, em parceria com a Polícia Federal e as polícias estaduais. O Gaeco tem desempenhado papel central no desmantelamento de quadrilhas, muitas vezes revelando conexões entre facções locais, o PCC e redes internacionais.

 

 

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