Ministério Público investiga 'prefeito milionário' por uso político da saúde
Depois do “milagre financeiro” revelado pela Gazeta do Paraná, o prefeito Marcel Micheletto volta ao centro das atenções - agora sob suspeita de transformar a fila do SUS em balcão eleitoral
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Depois de ver exposta, na edição de ontem (12) da Gazeta do Paraná, a evolução meteórica de seu patrimônio - um salto de R$ 1,3 milhão para R$ 18,2 milhões em doze anos, ritmo digno de corretor da Bolsa e não de servidor público - o prefeito de Assis Chateaubriand, Marcel Henrique Micheletto (PL), volta às manchetes. Só que desta vez, o assunto não é o tamanho da fortuna, e sim o uso que se faz da máquina pública.
O Ministério Público do Paraná (MP-PR) instaurou investigação para apurar supostas irregularidades na Secretaria Municipal de Saúde, que indicam favorecimento político em atendimentos do SUS durante o período eleitoral de 2024. Em outras palavras: enquanto parte da população esperava meses por uma consulta, os amigos do rei passavam na frente.
A denúncia, apresentada por três moradores do município, narra um cenário em que o sistema público de saúde teria sido operado como ferramenta de campanha. Micheletto - então deputado estadual e candidato à prefeitura - aparece em áudios e mensagens de WhatsApp orientando, direta ou indiretamente, o atendimento prioritário de eleitores e aliados.
Uma das denunciantes, funcionária do setor de agendamentos, relatou ter sido pressionada por lideranças políticas para liberar consultas fora da ordem do SUS. Nas conversas anexadas ao processo, aparecem nomes de pessoas próximas à administração municipal, incluindo a esposa do prefeito, Franciane Micheletto, que à época presidia a Câmara Municipal e hoje ocupa a vice-prefeitura.
Segundo o Ministério Público, há indícios de interferências diretas em agendamentos e manipulação da fila única, tudo “sob pressão de candidatos aos cargos de prefeito, vice-prefeito e vereador”. O documento cita nominalmente o casal Micheletto, descrevendo uma estrutura de influência e coação sobre servidores.
Em um dos trechos mais comprometedores, um áudio atribuído ao próprio prefeito revela um pedido explícito de atendimento prioritário para um conhecido - o tipo de “favorzinho” que, em época de campanha, costuma valer mais que qualquer promessa de palanque.
A portaria do MP é categórica: “Há indícios de uso indevido da estrutura da saúde municipal para favorecer aliados políticos, o que afronta os princípios constitucionais e pode caracterizar abuso de poder”. O texto menciona, entre as possíveis tipificações, crimes eleitorais, corrupção e abuso de poder político, além da violação aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade - palavras que, convenhamos, há tempos parecem ter desaparecido do vocabulário administrativo de certas prefeituras.
Diante da gravidade das acusações e do foro privilegiado do prefeito, o caso foi remetido à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ), responsável por apurar condutas de autoridades com prerrogativa de função. O procedimento corre sob sigilo de justiça, para proteger denunciantes e preservar o andamento da investigação.
A portaria também determina o envio à Procuradoria Regional Eleitoral do Paraná e à Promotoria Eleitoral da 113ª Zona Eleitoral, com sede em Assis Chateaubriand, para acompanhamento dos possíveis reflexos eleitorais. O Ministério Público observa que os elementos colhidos “sugerem uso do sistema público de saúde como instrumento de troca de favores políticos”, especialmente durante o período de campanha.
Os denunciantes foram oficialmente notificados sobre as medidas adotadas e sobre a transferência da investigação para instâncias superiores, conforme determinação da 2ª Promotoria de Justiça de Assis Chateaubriand. O despacho também comunica formalmente à Procuradoria Regional Eleitoral e à Promotoria da 113ª Zona Eleitoral sobre o prosseguimento das apurações.
Em nota enviada à Gazeta do Paraná, o Ministério Público do Paraná confirmou as informações e reproduziu o teor da portaria: “O procedimento em questão foi instaurado pela 2ª Promotoria de Justiça de Assis Chateaubriand no dia 4 de setembro deste ano, com decreto de sigilo, e, na sequência, remetido à Procuradoria Regional Eleitoral do Estado do Paraná, órgão do Ministério Público Federal com competência/atribuição na matéria sobre a qual trata o referido procedimento.”
O documento do MP, porém, faz uma ressalva técnica: com a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92, alterada pela Lei nº 14.230/2021), nem toda conduta eticamente duvidosa é juridicamente punível. Isso significa que, embora o favorecimento indevido seja evidente, o enquadramento como improbidade pode ser limitado. Ainda assim, as condutas permanecem sob análise criminal e eleitoral - e podem render consequências sérias.
A Promotoria de Justiça de Assis Chateaubriand reforçou, ao fundamentar o envio do caso, que as evidências reunidas até agora apontam o uso indevido de recursos e estruturas públicas em benefício de interesses eleitorais. Ou seja, o que deveria ser política pública virou política pessoal - e com direito a senha preferencial.
Procurado pela Gazeta do Paraná, Marcel Micheletto afirmou que aguardará o andamento da denúncia antes de se manifestar. O Ministério Público do Paraná, por sua vez, reiterou que o caso tramita sob segredo de justiça para garantir a integridade dos denunciantes e a eficácia das investigações.
A coincidência entre o enriquecimento vertiginoso revelado na véspera e a nova investigação sobre o uso político da saúde pública não passou despercebida entre moradores da cidade. Em Assis Chateaubriand, o prefeito que enriqueceu em ritmo de multinacional agora precisa explicar como o milagre da prosperidade convive com a miséria da gestão pública.
