Governo chama de “caso antigo”, mas Operação Ductos segue em julgamento e áudios revelam fatos fora do processo
Áudios que a Sanepar e o Governo dizem serem “antigos” e ligados à Ductos falam em caixa dois e aval político, mas esse conteúdo simplesmente não existe no processo que segue aberto na Justiça. Por quê?
Por Gazeta do Paraná
Créditos: Geraldo Bubniak/AEN
Apresentada pelo Governo do Paraná como um assunto “antigo” e já esclarecido, a Operação Ductos está longe de ser um caso encerrado. Quase quatro anos após o recebimento da denúncia, a ação penal que apura fraudes em contratos da Sanepar segue em andamento na Justiça, sem sentença de mérito, com audiências de instrução ainda previstas para 2026.
O tema voltou ao centro do debate político após a divulgação de áudios que apontam um esquema de arrecadação dentro da Sanepar, com menções diretas a dívidas de campanha, pressões internas e à atuação de personagens centrais do governo estadual. Diante da repercussão, a Sanepar afirmou que os áudios se referem a uma denúncia antiga, já investigada pelo Ministério Público na época em que a Operação Ductos estava em curso - o que, segundo a própria companhia, explicaria a coincidência de nomes.
Os documentos oficiais, no entanto, mostram que a Ductoscontinua sendo julgada e levantam uma pergunta que permanece sem resposta: se os áudios estão vinculados ao mesmo contexto investigativo, por que parte do conteúdo revelado nunca se transformou em denúncia ou em um novo processo?
O que é (e o que não é) a Operação Ductos
A Operação Ductos resultou na ação penal nº 0015442-93.2021.8.16.0019, em trâmite na 1ª Vara Criminal de Ponta Grossa, com denúncia recebida em julho de 2021. O processo envolve dezenas de réus, pessoas físicas e jurídicas, e apura crimes como corrupção ativa e passiva, falsificação de documentos, inserção de dados falsos em sistemas públicos, crimes licitatórios e associação criminosa.
O núcleo da acusação está ligado a pagamentos por serviços não prestados, medições falsas, assinaturas de laudos com datas retroativas e atestações indevidas de inexistência de pendências de materiais em contratos da Sanepar firmados entre 2010 e 2018. A investigação aponta omissões reiteradas de gestores e fiscais, além de condutas ativas na validação de documentos considerados fraudulentos.
Entre os réus que aparecem tanto na ação penal quanto em decisões do Tribunal de Contas do Paraná estão, entre outros: Wellington Bedeu; Bráulio Lozano Leonel; Freddy Alberto Valdívia; José Elias Alves; Juarez Antonio Wollz; Edson Roberto Michaloski; Paulo Roberto Taques; Siliomar Silas Cavaline.
Esses nomes são recorrentes nos autos e também aparecem nos julgamentos administrativos do TCE-PR, que reconheceu irregularidades na gestão dos contratos.
Óbito, acordos e o que não encerra o processo
Ao longo da tramitação, a Operação Ductos teve desfechos individuais, mas nenhum deles encerrou o caso como um todo. O processo registra a extinção da punibilidade por óbito de Leônidas Rodrigues de Oliveira Filho, um dos réus denunciados. Em outro caso, ClenilsonMessias firmou Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) e, após o cumprimento das condições, teve a punibilidade extinta.
Essas decisões atingem apenas os acusados individualmente e não significam absolvição coletiva nem arquivamento da ação, que segue ativa contra os demais réus.
Nos documentos judiciais analisados, não há registro de prisões decretadas no curso da ação penal em andamento. A investigação que antecedeu o processo envolveu medidas cautelares e apensamento de procedimentos, mas as decisões atuais tratam da fase judicial, não da fase policial inicial.
O caso que ninguém queria julgar
A tramitação da Operação Ductos foi atravessada por uma sequência incomum e documentada de declarações de suspeição e impedimento de magistrados, que contribuiu decisivamente para o arrastamento do processo ao longo dos anos. Em 3 de fevereiro de 2025, o juiz Thiago Bertuol de Oliveira declarou suspeição para atuar na ação penal, após reconhecer a existência de vínculos que poderiam comprometer sua imparcialidade.
No dia seguinte, 4 de fevereiro de 2025, foi a vez da juíza substituta Heloísa da Silva Krol Milak declarar impedimento, afastando-se formalmente do feito. A sequência de recusas prosseguiu em 12 de fevereiro de 2025, quando a juíza Débora Carla Portela comunicou sua suspeição por motivo de foro íntimo, determinando nova redistribuição do processo.
Poucas semanas depois, em 10 de março de 2025, o juiz Rafael Kramer Braga também declarou suspeição para processar e julgar a Operação Ductos. A sucessão de afastamentos deixou o processo, na prática, sem um magistrado apto a conduzi-lo de forma continuada, exigindo sucessivas redistribuições e a reorganização constante do calendário de audiências.
O resultado foi um processo que passou por diferentes mãos, sem que nenhum juiz permanecesse tempo suficiente para levá-lo à sentença. Mais do que um caso complexo, a Operação Ductos se consolidou como um processo sensível e institucionalmente incômodo, marcado não apenas pelas acusações de corrupção envolvendo contratos da Sanepar, mas também pela dificuldade do próprio Judiciário em manter um magistrado à frente do julgamento.
O julgamento do TCE
Enquanto a Justiça Criminal ainda não chegou a uma sentença, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná já concluiu sua análise administrativa. No Acórdão nº 4235/24, o TCE julgou irregulares as contas da Sanepar no âmbito da Operação Ductos, aplicando multas administrativas individuais a ex-dirigentes, gerentes e fiscais de contrato.
Tentativas de reverter essa decisão — inclusive pela própria Sanepar — foram rejeitadas em 2025, no Acórdão nº 253/25, que manteve integralmente as conclusões anteriores. O Tribunal foi explícito ao afirmar que a responsabilização administrativa independe da comprovação de dano ao erário e não depende do resultado da ação penal.
Os áudios
Com a divulgação recente de áudios, o debate mudou de patamar. Nas gravações, interlocutores falam abertamente sobre: arrecadação dentro da Sanepar; destinação de valores para pagamento de dívidas de campanha do governador Ratinho Júnior; e a atuação de personagens centrais do governo, como Guto Silva, além de nomes como Ortega e Arruda.
Esses elementos não aparecem em nenhum momento na denúncia da Operação Ductos, nas decisões judiciais ou nos acórdãos do TCE-PR. Não há, nos autos analisados, nem imputação de que recursos desviados tenham sido usados para pagar campanha eleitoral; nem menção formal a Ratinho Júnior; tampouco denúncia ou responsabilização de Guto Silva, Ortega ou Arruda.
A própria Sanepar sustenta que os áudios dizem respeito a uma denúncia antiga, investigada pelo Ministério Público no mesmo período da Ductos, e que os nomes em comum indicariam tratar-se do mesmo contexto. Ainda assim, permanece a contradição central: se os fatos narrados nos áudios estavam sob investigação à época, por que não integraram a denúncia da Ductos nem deram origem a um novo processo?
Acesso limitado aos autos
Importante destacar que apesar de se tratar de um processo formalmente público, a equipe de reportagem não teve acesso à íntegra da denúncia apresentada pelo Ministério Público do Paraná (MPPR) no âmbito da Operação Ductos. No sistema Projudi, a peça aparece apenas como “denúncia recebida”, sem disponibilização do conteúdo integral para consulta externa.
Da mesma forma, não foi possível acessar detalhes relevantes da instrução, como o teor do depoimento do réu que firmou Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), tampouco as circunstâncias específicas que embasaram o acordo. Esses elementos constam como movimentações processuais, mas não estão disponíveis para visualização pública, o que limita a compreensão integral dos fatos apurados e das versões apresentadas pelos envolvidos.
Processo segue aberto
Em nota, o Governo do Estado tratou os áudios como referência a uma situação pretérita, tentando reduzir a gravidade das revelações. O argumento, porém, esbarra na realidade processual: a Operação Ductos ainda está sendo julgada, sem sentença final, e foi considerada grave o suficiente para gerar condenações administrativas no Tribunal de Contas.
Chamar o episódio de “antigo” não altera o fato de que a ação penal segue ativa; de que o TCE confirmou irregularidades; e que novas informações vieram a público sem que tenham, até agora, sido incorporadas formalmente a qualquer investigação judicial conhecida.
A Operação Ductos, do ponto de vista documental, não acabou. O que ela apurou está delimitado nos autos: fraudes contratuais, omissões administrativas e irregularidades na execução de contratos da Sanepar. O que os áudios revelam vai além disso - e exatamente por isso levanta questionamentos ainda sem resposta.
Se os fatos narrados nas gravações fazem parte do mesmo contexto investigado, por que não foram denunciados? Senão fazem, por que ainda não deram origem a um novo inquérito ou ação penal? Ou estes áudios não eram, de fato, conhecidos?
Entre o que já foi formalmente julgado e o que agora emerge no debate público, a Operação Ductos permanece como um processo inacabado - e como um retrato de um caso que, ao que tudo indica, ainda não contou toda a sua história.
Créditos: Redação
