Denúncias de professores levam MP a apurar possível fraude em indicadores educacionais do Paraná
Denúncia protocolada no MPPR por deputada federal aponta suspeitas de manipulação de notas, lançamento indevido de presenças e pressão institucional por aprovação automática na rede estadual do Paraná
Por Gazeta do Paraná
Créditos: Gabriel Rosa/AEN
A deputada federal Carol Dartora encaminhou ao Ministério Público do Paraná (MPPR) uma denúncia formal relatando suspeitas de fraude educacional, assédio institucional e manipulação de dados escolares na rede estadual de ensino. A representação se baseia em uma série de relatos feitos por professores da rede pública, que afirmam estar sendo pressionados a aprovar estudantes independentemente da aprendizagem, com alterações indevidas de notas e registros de frequência.
Segundo a parlamentar, as denúncias recebidas pelo mandato “não podem ser tratadas como casos isolados” e indicam um padrão de gestão orientado por metas e indicadores, em detrimento da autonomia pedagógica e da legalidade administrativa. O pedido ao MPPR inclui a apuração rigorosa dos fatos, a proteção dos professores denunciantes e a responsabilização de eventuais envolvidos.
Em publicação nas redes sociais, Dartora afirmou haver “indícios de lançamento de presença de alunos que não frequentaram aulas e alteração de notas para inflar índices de aprovação”, classificando a prática como “maquiagem de dados”, e não como recuperação pedagógica.
Os relatos que fundamentam a denúncia circularam principalmente em grupos fechados de professores nas redes sociais e revelam um cenário recorrente no encerramento do ano letivo. Segundo os docentes, conselhos de classe — instâncias que deveriam ser espaços de debate pedagógico — passaram a funcionar como mera formalidade.
“A gente se reúne fingindo que decide, quando na verdade só confirma o que já foi decidido por números e planilhas”, escreveu uma professora. Outro docente reforça: “Não é conselho, é homologação. Reprovar virou problema administrativo, não pedagógico”.
Há também menções diretas à pressão por metas de aprovação. “Estão cobrando 99% ou 100%. Aluno que nunca apareceu está sendo aprovado porque reprovar ‘fica feio’ em ano de avaliação”, relata um comentário.
Aprovação sem aprendizagem mínima
Diversos professores afirmam que alunos sem frequência, sem participação em recuperação e sem entrega de atividades estão sendo aprovados. “Aluno que não frequentou, não entregou nada e não demonstrou aprendizagem mínima está sendo aprovado por conselho. Não por mérito, mas por conveniência”, escreveu um docente.
Outro relato sintetiza a crítica: “Chamam isso de inclusão. Mas quem está em sala sabe: isso é maquiagem estatística”.
A crítica recorrente é que a política de aprovação irrestrita estaria ligada à necessidade de manter indicadores educacionais elevados, especialmente em anos de avaliações externas, como o Ideb.
Alterações de notas e registros oficiais
Entre os pontos mais graves relatados estão denúncias de alteração de notas e faltas sem autorização do professor responsável pela turma. “Mexeram nas minhas notas sem me avisar. Colocaram nota para aluno que nunca entrou na sala”, escreveu uma professora. Outro comentário aponta que o próprio sistema registra a autoria da alteração: “Vou tirar print porque aparece o nome de quem mexeu. Isso é muito grave”.
Há também relatos de criação de barreiras administrativas para reprovação. “Disponibilizaram uma ficha de reprovação cheia de cláusulas, inclusive questionando se o professor faltou e se repôs conteúdo. Além disso, exigem registrar no e-protocolo”, relatou uma docente.
Para os professores, o procedimento funciona como intimidação e desestímulo à decisão pedagógica.
Professores PSS relatam vulnerabilidade e medo
Os relatos indicam que a situação é ainda mais crítica entre professores contratados por Processo Seletivo Simplificado (PSS). Há denúncias de retirada de aulas do sistema sem aviso prévio, perda de acesso às turmas e insegurança financeira.
“Minhas aulas simplesmente sumiram do sistema. Não consigo fazer chamada, lançar notas nem saber quem passou ou reprovou”, escreveu uma professora contratada. Apesar disso, segundo ela, as cobranças continuam: “Mesmo sem acesso, continuam me cobrando o preenchimento do sistema”.
Outro relato resume o clima: “A precarização virou método de gestão. O medo de perder o contrato cala muita gente”.
Adoecimento docente e perda de autoridade em sala
Os depoimentos também revelam forte impacto emocional. “Hoje eu chorei na escola. Não pela carga de trabalho, mas pela mensagem que estamos passando sobre o que é educação pública”, escreveu uma professora. Outro desabafo afirma: “Arrumar nota é fácil. Difícil é lidar com o que isso faz com o sentido do nosso trabalho”.
Há ainda a percepção de perda de autoridade pedagógica. “Os alunos já perceberam que não acontece nada. Eles sabem que vão passar, fazendo ou não fazendo”, relatou um docente. Outro completa: “Depois disso, não respeitam mais o professor. Não é culpa nossa, é do sistema”.
Sindicato fala em suspeita de fraude e manipulação de dados
As denúncias também foram repercutidas por entidades sindicais, que apontam suspeitas de fraude e manipulação de dados educacionais, com possível adulteração de registros oficiais para inflar índices de aprovação. Segundo a APP sindicato, caso confirmadas, as práticas podem configurar irregularidades administrativas graves e ilícitos, por envolverem registros públicos.
A entidade afirma que a pressão por resultados estaria sendo institucionalizada como política de gestão educacional.
Apoio parlamentar e questionamentos ao governo
Além de Carol Dartora, outros parlamentares manifestaram preocupação. A deputada estadual Ana Júlia tem se posicionado publicamente em defesa dos professores e do respeito à autonomia pedagógica, criticando políticas que reduzem a educação a indicadores numéricos e ignoram a realidade das salas de aula.
Já o deputado estadual Requião Filho também tem feito críticas à condução da política educacional no Paraná, especialmente à lógica de metas e resultados que, segundo ele, fragiliza o trabalho docente e compromete a qualidade do ensino público.
As denúncias recaem sobre a política educacional adotada durante o governo de Ratinho Júnior, marcada, segundo os professores, pela centralidade dos indicadores como sinônimo de sucesso educacional.
Pedido por transparência e apuração
Entre os docentes, há um apelo recorrente por transparência. “Se existe uma normativa mandando aprovar todos, que publiquem. Alterar nota ou falta é crime”, escreveu um professor. Outro reforça: “Sem documento, o que existe é pressão informal e medo”.
Enquanto o Ministério Público analisa a denúncia apresentada pela deputada Carol Dartora, os relatos seguem se acumulando. Para os professores, o problema é estrutural e antigo, mas teria se agravado nos últimos anos.
“A escola pública não está falhando por causa dos professores”, resume um dos comentários que circulam entre os docentes. “Ela está sendo sabotada por um sistema que prefere números bonitos à aprendizagem real”.
Créditos: Redação
