Tragédia em Rio Bonito do Iguaçu é reflexo do desmatamento, diz ONG
Levantamento da SOS Mata Atlântica reforça alerta: entre 1985 e 2015, Rio Bonito do Iguaçu foi o município brasileiro que mais desmatou a Mata Atlântica
Por Da Redação
Créditos: Roberto Dziura Jr/AEN
O tornado que destruiu parte de Rio Bonito do Iguaçu, no Centro-Sul do Paraná, deixando sete mortos, mais de 800 feridos e milhares de desabrigados, é mais do que uma tragédia natural. Para especialistas, o desastre é também um alerta sobre os impactos acumulados de décadas de desmatamento e desequilíbrio ambiental em uma das regiões que mais perderam cobertura florestal no país.
De acordo com a plataforma MapBiomas, o município perdeu cerca de 60% da sua vegetação nativa nos últimos 30 anos. Em 1985, mais da metade do território, 56,8%, era coberta por floresta; hoje, apenas 24% mantêm cobertura vegetal. No mesmo período, a área destinada à agropecuária saltou de 35,5% para quase 68%. O levantamento da SOS Mata Atlântica reforça o alerta: entre 1985 e 2015, Rio Bonito do Iguaçu foi o município brasileiro que mais desmatou a Mata Atlântica, com 24,9 mil hectares de floresta destruídos, o equivalente à área de uma cidade como Fortaleza.
Imagens de satélite do programa Landsat/Copernicus mostram que, até os anos 1980, uma densa floresta ainda cobria a margem direita do rio Iguaçu. Hoje, restam apenas fragmentos isolados de mata, em topos de morros e ao longo de cursos d’água. O cenário é resultado de um processo histórico de ocupação e exploração madeireira que marcou o interior do Paraná.
A devastação começou no início do século 20, impulsionada pela extração de araucárias, os “pinheiros-do-paraná”, e se intensificou nas décadas seguintes com a expansão agrícola e pecuária. Segundo estudo da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em 2001 restava apenas 0,8% da área original das matas de araucária no Estado. “Salvo o Parque Nacional do Iguaçu e a região costeira, o Paraná é um Estado devastado”, resume Clóvis Borges, diretor da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
Natureza em fúria?
Entre os moradores atingidos pelo tornado, a sensação é de que a tragédia tem relação direta com a forma como o ser humano vem tratando o meio ambiente. A técnica de enfermagem aposentada Glaci Tereza Merlak, de 63 anos, perdeu parte da casa e da plantação. Em meio aos destroços, ela faz uma reflexão dura:
“Hoje a natureza está devolvendo para nós o que já fizemos com ela. Destruímos a mata, os rios, tudo. Todos só pensam em plantar e colher, e agora esse é o troco que ela está dando. É nossa culpa. Temos que pôr a mão na consciência e pensar no que estamos fazendo com o nosso mundo. Estamos acabando com ele.”
A fala de Glaci ecoa entre os que viveram o pânico do último dia 7. Ventos que ultrapassaram 300 km/h arrasaram bairros inteiros, derrubando casas, árvores e redes elétricas. Em poucas horas, o município ficou irreconhecível, e a tragédia reacendeu o debate sobre como o desmatamento aumenta a vulnerabilidade das cidades diante de fenômenos extremos.
Clima mais quente, eventos mais intensos
A professora e pesquisadora Leila Limberger, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), explica que o aquecimento global tem relação direta com o aumento da força e da frequência de tornados, tempestades e enchentes.
“A nossa atmosfera está cerca de 1,5°C mais quente do que há algumas décadas. Isso é suficiente para alterar completamente o equilíbrio energético do planeta”, observa.
Leila compara o sistema climático a uma panela de pressão: “Se você aumenta o fogo, tudo dentro trabalha com mais intensidade. É o que estamos fazendo com a Terra. Todos os fenômenos que já existiam, tornados, tempestades, secas e enchentes, agora acontecem com mais força e mais frequência.”
Para a pesquisadora, a sociedade precisa aprender a conviver com um clima mais extremo, mas também agir para reduzir os danos.
“Precisamos aprender a conviver com o novo clima. Ele alterna chuvas muito fortes com períodos de seca intensa. É fundamental que a população entenda os riscos e saiba como agir durante eventos severos”, defende.
Além da adaptação, Leila destaca a importância de medidas de mitigação, que possam diminuir os impactos das mudanças climáticas. “O reflorestamento é a forma mais eficiente de melhorar a qualidade do clima. As árvores capturam gás carbônico, reduzem a temperatura do ambiente e ajudam a restabelecer o equilíbrio natural.”
