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Impostor? Juiz aposentado é acusado de viver com identidade falsa por 40 anos

Após 40 anos usando identidade falsa, juiz aposentado é denunciado por falsidade ideológica e uso de documentos falsos em esquema que enganou o Judiciário brasileiro

Por Gabriel Porta Martins

Impostor? Juiz aposentado é acusado de viver com identidade falsa por 40 anos Créditos: Antonio Carreta/TJSP

O Ministério Público de São Paulo formalizou denúncia contra um magistrado aposentado pelos crimes de uso de documento falso e falsidade ideológica. De acordo com a acusação, o juiz teria mantido uma identidade fictícia por 40 anos, enganando "quase a totalidade das instituições públicas" enquanto ocultava seu verdadeiro nome.  
As motivações para essa suposta vida dupla permanecem indeterminadas, conforme destacou a Promotoria.  
De acordo com apurações do G1, o caso veio à tona em outubro do ano passado, quando o juiz tentou emitir uma segunda via do Registro Geral (RG) com o nome falso em uma unidade do Poupatempo na capital paulista. A Polícia Civil conduziu as investigações, e o processo segue sob segredo de Justiça.  
A denúncia foi protocolada na 29ª Vara Criminal de São Paulo no último dia 27 de fevereiro. Na segunda-feira (31), a Justiça aceitou a peça acusatória e oficializou a condição de réu do magistrado.  

A dupla identidade
O juiz aposentado, que atuou sob o nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, de 67 anos, foi identificado como José Eduardo Franco dos Reis.  
De acordo com as investigações, Reis utilizou o nome falso durante toda a carreira no Judiciário paulista, ocupando cargos de destaque no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Formou-se em Direito pela USP na década de 1980, prestou concurso público e ingressou na magistratura nos anos seguintes.  
Atuou em varas cíveis, proferindo milhares de decisões assinadas como "Edward Albert Lancelot D C Caterham Wickfield". Também exerceu a função de coordenador do Núcleo Regional da Escola Paulista da Magistratura em Serra Negra (SP) antes de se aposentar em 2018.  

A construção da identidade falsa 
Segundo a denúncia, Reis criou a personalidade fictícia em 19 de setembro de 1980, quando obteve um RG em nome de Wickfield. No documento, declarou ser filho de Richard Lancelot Canterbury Caterham Wickfield e Anna Marie Dubois Vincent Wickfield – nomes que não foram confirmados como reais.  
Para conseguir o registro falso, apresentou um certificado de dispensa do Exército, uma carteira funcional do Ministério Público do Trabalho, uma Carteira de Trabalho e um título de eleitor. "Tais documentos, à época, não contavam com dispositivos de segurança, sendo facilmente falsificáveis", destacou o promotor Maurício Salvadori, ao G1.
Com a nova identidade, Reis ingressou na Faculdade de Direito da USP, formou-se em 1992 e, em 1995, foi aprovado no concurso para juiz.  
Em dezembro de 1995, uma reportagem da Folha de S.Paulo sobre aprovados no concurso da magistratura destacava: "Outro filho de imigrantes é Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, 37, descendente de nobres britânicos e futuro juiz em Limeira".  
Na matéria, Wickfield afirmou ter vivido na Inglaterra até os 25 anos e ser neto de um magistrado inglês. "Embora meu avô tenha sido juiz no Reino Unido, isso não me ajudou no concurso. Conheço pessoas com um passado tradicional que não passaram", declarou à época.  
Por trás da persona aristocrática, o registro de nascimento revela uma história completamente diferente. José Eduardo Franco dos Reis nasceu em 17 de março de 1958 em Águas da Prata (SP), filho de Vitalina e José - nomes que desmentem a suposta origem nobre.  

MP detalha acusações 
Em sua denúncia, a Promotoria apontou três ocorrências específicas dos crimes de falsidade ideológica e uso de documento falso cometidos pelo magistrado: Agosto de 2021: emissão de documento junto ao Departamento Estadual de Trânsito (Detran); setembro de 2020: registro no sistema do Registro Nacional de Veículos Automotores (Renavam); outubro de 2024: tentativa de obter segunda via de identidade na capital paulista  
O esquema foi desmontado quando peritos confrontaram as impressões digitais de José Eduardo Franco dos Reis com as registradas sob o nome de "Edward Wickfield", utilizando modernos sistemas de identificação biométrica.  

Pedidos do MP
Além da ação penal, o Ministério Público requereu: o cancelamento de todos os documentos emitidos sob a identidade falsa, incluindo CPF; medidas cautelares como: entrega do passaporte e proibição de se ausentar da cidade de residência  
A decisão sobre esses pleitos caberá agora ao juízo competente.  

 

Créditos: Da redação