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Estudo indica que a linguagem humana surgiu há pelo menos 135 mil anos

Pesquisadores da USP e de universidades internacionais revisaram dados genéticos e arqueológicos

Estudo indica que a linguagem humana surgiu há pelo menos 135 mil anos Créditos: Divulgação

A origem da linguagem humana segue como um dos temas mais complexos e debatidos nas ciências. Sem registros diretos, antropólogos, biólogos, psicólogos e linguistas tentam decifrar quando e como surgiu a capacidade de estruturar pensamentos e significados — uma habilidade que distingue o ser humano de outras espécies. Um novo estudo publicado na revista Frontiers in Psychology propõe que essa característica surgiu há pelo menos 135 mil anos, antecipando em 10 mil anos as estimativas anteriores.

A pesquisa, que teve participação de cientistas da Universidade de São Paulo (USP), baseia-se na hipótese de que a linguagem é uma adaptação biológica universal, comum a todas as populações humanas conhecidas. Isso implica que ela já existia antes da primeira migração do Homo sapiens para fora da África, ocorrida há cerca de 120 mil anos.

Para chegar ao novo marco temporal, os pesquisadores analisaram 15 estudos genéticos realizados nos últimos 18 anos, reunindo dados sobre cromossomos, DNA mitocondrial e genoma completo. “O objetivo foi refinar a estimativa da primeira divisão populacional humana com base em evidências genéticas mais recentes”, explica a bióloga Mercedes Okumura, do Instituto de Biociências da USP.

Os autores do estudo diferenciam linguagem de língua falada: enquanto a segunda é aprendida culturalmente, a primeira é uma capacidade cognitiva inata, relacionada à estruturação mental e simbólica de informações. “Todo indivíduo nasce com uma base linguística, uma espécie de ferramenta genética para organizar o pensamento”, afirma o linguista Vitor Nóbrega, da USP, também coautor da pesquisa.

Evidências arqueológicas indicam que, há cerca de 100 mil anos, os humanos já expressavam pensamento simbólico, com registros de arte rupestre, adornos e rituais funerários. Para os cientistas, esses indícios sugerem que a linguagem, inicialmente uma adaptação cognitiva, evoluiu até se tornar um sistema de comunicação social.

Outros pesquisadores, como a filósofa Nathalie Gontier, da Universidade do Porto, destacam que a questão central ainda é definir o que exatamente se entende por linguagem. Ela aponta que neandertais e denisovanos também apresentavam comportamento simbólico e uso de ferramentas, o que pode indicar formas primitivas de linguagem.

Estudos recentes com bonobos, publicados na revista Science, reforçam a hipótese de que a composição de sons e gestos com significado — algo próximo de uma “protolinguagem” — pode ter raízes ainda mais antigas, compartilhadas com ancestrais comuns há cerca de 7 milhões de anos.

Apesar das divergências, há consenso entre os especialistas de que a linguagem humana é resultado de uma estrutura cognitiva única, moldada biologicamente ao longo da evolução. “É um traço que nos torna humanos, mesmo que ainda não saibamos exatamente quando começou a ser exercido”, conclui Okumura.

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