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Transporte sem contrato, edital suspenso e ônibus anônimos: MP abre investigação sobre caos no serviço de Morretes

Investigação mira a continuidade ilegal do serviço, ônibus sem identificação, falhas graves no pregão e a atuação da Viação Pilar, empresa já marcada por crises e denúncias em cidades vizinhas

Por Redação/Gazeta do Paraná

Transporte sem contrato, edital suspenso e ônibus anônimos: MP abre investigação sobre caos no serviço de Morretes Créditos: Divulgação

O transporte coletivo de Morretes entrou no radar do Ministério Público do Paraná. O motivo? Um acúmulo de falhas que foi se tornando impossível de ignorar. De um lado, uma prefeitura que permitiu a continuidade de um serviço essencial sem contrato válido, lançou uma licitação sem estudos técnicos e ainda precisou suspender o próprio pregão por erro básico. Do outro, uma empresa de pequeno porte, a Viação Pilar Ltda., que já havia protagonizado crises públicas em Antonina, acumulava denúncias trabalhistas e era apontada por operar durante anos sem concessão formal. O encontro entre essas duas fragilidades produziu um cenário de descontrole que agora é alvo do Inquérito Civil nº 0092.25.000504-5.

Para entender o tamanho da crise, é preciso voltar ao processo judicial nº 0001194-19.2021.8.16.0118. Nele, a prefeitura firmou um acordo temporário com a Viação Pilar para evitar a interrupção do transporte enquanto preparava uma licitação definitiva. O acordo tinha prazo certo e foi homologado pelo Judiciário. Quando expirou, deveria ser substituído por um contrato regular. Não foi. O município não concluiu a licitação e, mesmo assim, manteve a Viação Pilar operando como se nada tivesse mudado. A empresa recebeu pagamentos, circulou normalmente e prestou serviço público sem qualquer instrumento contratual vigente. Esse é o ponto central do inquérito: o MP considera a continuidade irregular do serviço como possível violação à Lei de Improbidade, não apenas por descumprir prazos e formalidades, mas porque coloca o município em posição de vulnerabilidade jurídica e financeira.

O Ministério Público também foi provocado por imagens enviadas por moradores. As fotos mostram ônibus da Viação Pilar circulando sem qualquer identificação: veículos brancos, lisos, sem logomarca, sem número de frota, sem indicação visível de que se tratam de transporte coletivo municipal. Para a promotoria, isso configura irregularidade operacional séria, pois compromete a fiscalização, impede o reconhecimento público e rompe com a transparência mínima exigida em serviços delegados. A identificação dos veículos não é mero detalhe: é parte essencial da prestação, já que permite ao usuário denunciar falhas, ao fiscal acompanhar a frota e ao município verificar o cumprimento de rotas e horários.

A situação se complica ainda mais quando se observa como o município tentou formalizar a contratação. O Pregão Eletrônico nº 022/2024 nasceu com problemas estruturais. O próprio Estudo Técnico Preliminar admite que Morretes não possui Plano de Mobilidade Urbana nem Plano de Transporte Coletivo - documentos que definem linhas, itinerários, quilometragem, perfil dos usuários, custos operacionais e necessidades de oferta. Mesmo reconhecendo essa lacuna, a prefeitura decidiu abrir a licitação. Em seguida, com o processo em fase de disputas, teve de suspendê-lo. Faltava um anexo elementar: a planilha de custos. Sem ela, nenhuma empresa consegue formular proposta tecnicamente consistente. O agente de contratação registrou a suspensão em documento oficial, reconhecendo que o erro comprometia a continuidade do procedimento. Para o MP, essa sucessão de falhas indica ausência de planejamento e fragilidade administrativa - justamente os elementos que deveriam ter sido sanados antes do edital.

 

Histórico questionável

Ao mesmo tempo, a única empresa “habilitada” a operar o serviço carregava um histórico problemático. A Viação Pilar, de acordo com dados da Receita Federal anexados aos autos, é uma microempresa administrada por um único sócio, Waldir Gmach dos Prazeres, e possui capital social de R$ 700 mil. Mas a sua trajetória recente no litoral revela uma empresa exposta a crises severas. Em Antonina, ela chegou a suspender integralmente o transporte coletivo por falta de recursos, deixando a cidade sem ônibus. Motoristas denunciaram atraso de salários e paralisaram serviços. A empresa, por sua vez, alegou que a prefeitura devia mais de R$ 600 mil. Além disso, um vereador de Antonina chegou a denunciar em 2014 que a Viação Pilar teria operado por catorze anos sem contrato ou concessão formal no município. São fatos que não dizem respeito diretamente à atuação em Morretes, mas formam um retrato consistente de instabilidade operacional, financeira e jurídica.

Esse histórico não passou despercebido pelo Ministério Público. Embora o inquérito se limite a Morretes, o contexto importa, especialmente quando o município decide manter uma empresa que já demonstrou dificuldades graves para sustentar o serviço em outras cidades. A soma disso com a falta de contratos, a ausência de identificação nos veículos e a licitação mal estruturada cria o cenário que hoje está sendo investigado.

A prefeitura reconhece, nos documentos que produziu, que enfrentou limitações internas. O Formulário de Identificação de Demanda menciona urgência. O Estudo Técnico Preliminar fala em falta de pessoal e de informações consolidadas. A justificativa para suspender o pregão confirma a desorganização do processo. Essas confissões administrativas reforçam a percepção do MP de que o transporte coletivo de Morretes vinha sendo conduzido com improviso e remendos, sem o planejamento necessário para um serviço público dessa natureza.

Diante desse quadro, o Ministério Público instaurou o inquérito para apurar responsabilidades e determinar se houve dano ao erário ou violação aos princípios da administração pública. O órgão quer saber por quanto tempo a empresa operou sem contrato, quais pagamentos foram feitos nesse período, por que os ônibus circulavam sem identificação e como a prefeitura justificou tecnicamente a abertura de um pregão sem plano de mobilidade e sem planilha de custos. A investigação ainda terá desdobramentos, mas já deixa evidente que as irregularidades formam um conjunto que vai do erro formal ao descontrole operacional, passando por decisões políticas e administrativas que se acumularam até resultar na intervenção do MP.

O transporte coletivo continua funcionando em Morretes, mas o inquérito civil revela que o sistema, por dentro, está longe de funcionar como deveria. O que era para ser um serviço público planejado, fiscalizado e transparente acabou se transformando em uma cadeia de improvisos. Agora, cabe ao Ministério Público reconstruir essa história, identificar onde estiveram as falhas e determinar quem deve responder por elas. A pergunta que a investigação tenta responder - e que a população já faz há meses - é simples e direta: como o transporte coletivo de um município inteiro chegou a operar sem contrato, sem identificação e sem planejamento, e por que ninguém interrompeu esse processo antes?

 

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Vantagens em Antonina

Em maio de 2025, o nome de José Luiz Gonçalves Velloso, condenado definitivamente por enriquecimento ilícito em Antonina, voltou ao centro da discussão pública após ser exonerado do cargo de presidente do Instituto Municipal de Turismo de Curitiba pelo prefeito Eduardo Pimentel (PSD). A exoneração ocorreu por conta de um compromisso assinado pelo prefeito de não nomear pessoas investigadas ou condenadas por corrupção. Em 2019 a Justiça reconheceu que Zé Luiz recebeu R$ 29.300,00 em depósitos pessoais feitos por Waldir Gmach dos Prazeres, proprietário da Viação Pilar Ltda., empresa contratada pela Prefeitura de Antonina à época. A sentença concluiu que os valores haviam sido repassados “em troca de favorecimentos fiscais”, caracterizando acréscimo ilícito ao patrimônio do agente público. Para Morretes, o caso chama atenção por outro motivo: embora Waldir não tenha sido réu na ação, seu nome aparece na sentença como o responsável direto pelos depósitos que resultaram na condenação. O fato de a condenação ter voltado ao noticiário estadual em 2025 reforça a relevância pública do histórico envolvendo o proprietário da empresa que hoje opera - e é investigada - no transporte coletivo morretense.

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