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Proposta para mudar regras da CNH é alvo de criticas em Cascavel; entenda

Proposta do governo prevê criação da Licença de Aprendizagem Veicular e aulas com instrutores autônomos; setor teme perda de qualidade e aumento nos acidentes

Proposta para mudar regras da CNH é alvo de criticas em Cascavel; entenda Créditos: Autoescola Senna/Reprodução

A discussão sobre mudar as regras para tirar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) chegou às ruas de Cascavel. O Ministério dos Transportes abriu uma consulta pública que propõe tornar facultativas as aulas em autoescolas e permitir que instrutores autônomos treinem candidatos fora dos Centros de Formação de Condutores (CFCs). A ideia é criar a chamada Licença de Aprendizagem Veicular (LAV), que autorizaria o aluno a praticar em veículo comum antes mesmo de obter a habilitação.

O governo argumenta que a medida pode reduzir em até 80% o custo do processo, hoje em torno de R$ 2.500, e ampliar o acesso à CNH, especialmente para trabalhadores de baixa renda. Apesar da promessa de democratização, o tema divide opiniões e preocupa profissionais da área, que veem riscos à segurança e à qualidade da formação.

O chefe do Detran de Cascavel, José Ivanir, afirmou à reportagem da Gazeta do Paraná que até o momento, não há nenhuma normativa oficial do governo federal sobre o fim da obrigatoriedade das autoescolas. Segundo ele, qualquer mudança precisa ser amplamente debatida e analisada sob o ponto de vista da segurança no trânsito.

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“Precisamos entender se o nosso trânsito está bom ou ruim. O governo fala em reduzir custos, mas talvez o caminho fosse diminuir impostos, e não retirar etapas de formação”.

Para Ivanir, o custo atual da CNH é compatível com a estrutura exigida pelo processo. “São 20 horas de aulas com instrutor, combustível, carros com duplo comando e inspeções obrigatórias. O trabalho das autoescolas é bom e o custo não está exagerado”, afirma.

Ele alerta que o debate sobre a redução de custos não pode comprometer a qualidade da formação. “Se queremos um trânsito melhor, precisamos formar bons motoristas. Não podemos colocar nas ruas qualquer pessoa que queira uma carteira”, reforça.

Um dos principais pontos de preocupação, segundo o chefe do Detran, é a segurança durante as aulas práticas. Ele questiona se instrutores autônomos teriam as mesmas condições estruturais e técnicas das autoescolas. “Toda semana temos pequenos acidentes em treinos, e o instrutor só evita algo mais grave porque tem o controle do carro. Quem vai fiscalizar os instrutores particulares e responder por eventuais acidentes?”, questiona.

Oportunidade e insegurança

Entre os instrutores, a proposta desperta sentimentos mistos. A reportagem da Gazeta do Paraná ouviu um profissional do ramo, que preferiu não se identificar, mas que atua em uma autoescola. Ele reconhece que a mudança poderia aumentar a renda da categoria, mas teme a falta de garantias.

“Hoje recebo cerca de R$ 25 por hora-aula e termino o mês com R$ 2.000 a R$ 2.500. Se eu pudesse trabalhar de forma autônoma, poderia ampliar a carga horária e aumentar o rendimento. Mas quem garante que o veículo usado estará em boas condições ou terá pedais de segurança?”, questiona.

Segundo dados de plataformas de emprego, o salário médio de um instrutor de autoescola no Brasil varia entre R$ 2 mil e R$ 3 mil, podendo ultrapassar R$ 4 mil em jornadas ampliadas. A profissão exige curso específico credenciado e habilitação há pelo menos dois anos na categoria B ou superior.

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Setor reage com protestos

A repercussão da proposta gerou mobilização em Cascavel. Na quinta-feira (23), proprietários e funcionários de autoescolas realizaram uma carreata pela Avenida Brasil, protestando contra a possível criação da figura do instrutor autônomo. Com faixas e buzinaço, os manifestantes alertaram para o risco de fechamento de empresas e demissões no setor.

Barato

A possível mudança nas regras para obtenção da CNH também repercute entre quem está no processo de tirar a carteira, pois pode ser uma oportunidade de reduzir custos 

Um desses casos é o de Rodrigo Delfino, de 23 anos, morador do bairro Santa Cruz, que frequenta a autoescola Líder.  Atualmente ele está em fase de aulas práticas. A opinião de Rodrigo é de que ideia de permitir instrutores autônomos e baratear o processo pode ser positiva.

“Eu acho que seria uma boa mudança, sim. Hoje considero caro tirar a carteira, eu ganha relaltivamente pouco e isso pesa no bolso. Se tivesse a opção de aprender com um instrutor particular, que cobrasse mais barato, já ajudaria bastante [...] ele seguindo as regras e ensinando, tá valendo". 

Retrocesso

Para o especialista em Gestão e Educação para o Trânsito Jair Vanderlei Mallmann Eede, a proposta é “um equívoco perigoso” que desconsidera a realidade das ruas brasileiras.

“Se com toda a formação obrigatória já temos índices altos de acidentes, imagine a carnificina que será com condutores despreparados”, afirma.

Segundo o Conselho Federal de Medicina, uma pessoa morre a cada 12 minutos vítima de sinistros de trânsito no país.

O advogado Emerson Klayton Ferreira, especialista em Direito de Trânsito, vai na mesma linha. “Um motorista experiente não é, necessariamente, um bom instrutor. A instrução informal tende a perpetuar maus hábitos e comprometer a segurança viária”, avalia.

Ele também aponta um vácuo jurídico em caso de acidentes durante aulas com instrutores independentes. “Hoje, as autoescolas oferecem veículos com duplo comando e seguro. Fora desse ambiente, quem responde pelos danos?”, questiona.

José Ivanir relatou que, após o anúncio do estudo do governo, algumas pessoas procuraram o Detran acreditando que poderiam tirar a CNH sem aulas. “Já vieram aqui pessoas achando que bastava colocar o nome num papel para sair habilitado. Isso mostra o risco da desinformação. A CNH exige aulas, provas teóricas e práticas. Sem isso, colocaremos nas ruas pessoas despreparadas”, advertiu.

Ele destacou que a falta de preparo pode agravar o cenário de violência no trânsito. “Um condutor mal preparado causa acidentes, brigas e mortes. Muitas tragédias começam por falta de atenção, imprudência e desconhecimento das regras. Se facilitarmos a formação, vamos aumentar o caos que já existe no trânsito”, avaliou.

Impactos sociais e econômicos

Além da segurança, especialistas apontam impactos diretos sobre o emprego e a economia. Mallmann prevê demissões em massa e fechamento de CFCs. “Muitas empresas não terão condições de manter seus funcionários se perderem os alunos”, observa.

Ferreira acrescenta que o setor movimenta milhares de empregos diretos e indiretos em todo o país. Ambos defendem que o governo busque alternativas mais seguras para reduzir custos, como a ampliação do programa CNH Social ou a isenção de taxas do Detran e de clínicas médicas.

“Democratizar o acesso é importante, mas sem abrir mão da segurança. O barato pode sair caro, com mais acidentes e impacto no SUS, na Previdência e no Judiciário”, conclui Ferreira.

Participação popular

A consulta pública sobre o tema segue aberta até 2 de novembro no site gov.br/participamaisbrasil. Para o chefe do Detran, a participação popular é essencial. “É importante que a população se manifeste, porque o tema impacta diretamente a segurança de todos”, reforça José Ivanir.

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