MPF questiona multas do free flow e amplia debate sobre modelo de pedágio
Segundo o MPF, o free flow “não tem natureza jurídica de pedágio”, já que não visa à manutenção da rodovia
Por Da Redação

O modelo de cobrança automática de pedágio conhecido como free flow, que dispensa cancelas e permite o pagamento por meio eletrônico após a passagem em pórticos, se tornou alvo de questionamentos jurídicos, políticos e técnicos. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública para proibir a aplicação de multas por falta de pagamento na Via Dutra, trecho administrado pela concessionária Motiva entre São Paulo, Guarulhos e Arujá. O órgão defende que a inadimplência não pode ser tratada como infração de trânsito, mas como uma relação de consumo.
Segundo o MPF, o free flow “não tem natureza jurídica de pedágio”, já que não visa à manutenção da rodovia, mas funciona como alternativa de tráfego para evitar congestionamentos. Por isso, multas aplicadas aos inadimplentes seriam ilegais. O órgão estima que a prática pode gerar “milhões de multas indevidas” e levar motoristas ao superendividamento. No trecho da Rio-Santos (BR-101), também sob gestão da Motiva (Ex-CCR), o modelo resultou em mais de 1 milhão de multas em 15 meses, totalizando R$ 268 milhões.
A ação pede que a proibição seja estendida a todas as rodovias do país, ressaltando que, na Grande São Paulo, cerca de 350 mil veículos circulam diariamente entre municípios interligados por esse sistema. Para o MPF, punir motoristas por deslocamentos cotidianos “fere direitos básicos decorrentes da proporcionalidade, da razoabilidade e da dignidade humana”.
A Motiva informou que ainda não foi notificada e só irá se manifestar após comunicação oficial. Já a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) destacou que o free flow passou por fase experimental de dois anos antes da adoção em concessões federais e que o sistema amplia segurança, fluidez e conforto aos usuários.
Testes no Paraná
Em março, o Paraná iniciou testes do modelo no quilômetro 138 da BR-277, em São Luiz do Purunã. A iniciativa segue a tendência nacional: Rio Grande do Sul já tem seis pórticos ativos, São Paulo e Rio de Janeiro contam com três cada, Minas Gerais possui um, e a expectativa é de expansão. O governo paulista, por exemplo, projeta 58 pórticos até 2030.
Setores ligados ao transporte de cargas defendem que o sistema trará benefícios, como a redução de congestionamentos, economia de combustível e diminuição da emissão de poluentes. Para o presidente do SETCEPAR, Sílvio Kasnodzei, o impacto positivo será sentido especialmente no transporte rodoviário de cargas. “A fluidez no trânsito resulta em entregas mais ágeis, menor desgaste de freios e pneus e, consequentemente, redução de custos operacionais”, disse.
Por outro lado, especialistas alertam que a instalação dos pórticos deve evitar áreas urbanas contínuas, para não penalizar motoristas locais. “A tarifa precisa refletir a extensão percorrida na rodovia, garantindo justiça tarifária”, defende Amadeu Clóvis Greca, do Conselho Fiscal do SETCEPAR.
Audiência pública
Uma audiência realizada pela ANTT com concessionárias e empresas de pagamento apontou problemas de interoperabilidade e de regulamentação. Hoje, um motorista pode precisar pagar tarifas a diferentes concessionárias sem um sistema centralizado. A Abepam (Associação Brasileira das Empresas de Pagamento Automático para Mobilidade) afirma que já há tecnologia para integração. “O motorista precisará acessar apenas um canal para pagar; não fará sentido recorrer a vários sistemas”, disse o representante Humberto Filho.
A Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR) também cobrou clareza sobre a chamada “conta de migração do free flow” e defendeu a criação de um portal único para usuários. Parlamentares que participaram da audiência, como o assessor do deputado Hugo Leal (PSD-RJ), alertaram para riscos de exclusão digital. “Grande parte dos inadimplentes são pessoas mais simples, que não têm tanto acesso à tecnologia”, disse Jerry Dias.
No início do ano, deputados estaduais paranaenses Luiz Claudio Romanelli (PSD), Tercílio Turini (MDB) e Evandro Araújo (PSD) questionaram a cobrança em áreas urbanas e conurbadas do estado, especialmente no Lote 4 das concessões. Para eles, sem regras diferenciadas, moradores locais seriam prejudicados ao pagar tarifas em deslocamentos rotineiros.
As associações de municípios da região de Londrina (Amusep) e de Maringá (Amepar), que representam 52 cidades, reforçaram as críticas. As entidades pedem à ANTT a criação de áreas isentas em um raio mínimo de 30 quilômetros nos trechos urbanos ou metropolitanos, além da manutenção de rotas alternativas gratuitas.
