LGU reduz docentes e acende alerta para cursos de Medicina no Paraná
Sindicatos apontam sobrecarga, risco de descontinuidade e cortes estruturais; governo nega paralisação
Créditos: Ares Soares
Aprovada em 2021 pela Assembleia Legislativa, a Lei Geral das Universidades (LGU) foi apresentada pelo Governo do Paraná como uma medida para padronizar a gestão das instituições estaduais de ensino superior, estabelecendo critérios de financiamento, distribuição de recursos e parâmetros de eficiência administrativa. Segundo o Executivo, a proposta buscou reforçar a autonomia das universidades e racionalizar gastos, tomando como referência práticas adotadas no sistema federal e resultados esperados de planejamento e transparência na alocação do orçamento.
Na prática, porém, a lei passou a dividir opiniões entre quem a enxerga como instrumento de modernização da gestão e quem a considera responsável por um processo de restrição estrutural das universidades estaduais. Para críticos, o projeto representa um sucateamento das universidades públicas. A avaliação é de que a LGU limita a expansão de cursos, congela o número de docentes e subordina o funcionamento acadêmico a metas orçamentárias que podem desconsiderar particularidades regionais e científicas. Nesse entendimento, a legislação teria impactos diretos sobre a autonomia universitária e a capacidade de manutenção do tripé ensino, pesquisa e extensão.
Sindicatos e entidades acadêmicas passaram a alertar para consequências concretas da LGU no funcionamento das instituições. Entre elas, a ADUNIOESTE (Sindicato dos Docentes da Unioeste), que representa os professores da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), afirma que a lei já provoca redução de vagas, sobrecarga de trabalho e risco de descontinuidade em cursos que dependem de profissionais altamente especializados, como Medicina.
A entidade destaca que a LGU aprofundou o processo de sucateamento das universidades estaduais e ameaça a continuidade de cursos que dependem de professores-docentes. Segundo o sindicato, a legislação eliminou 745 vagas de professores previstas em lei no sistema estadual e resultou na maior perda para a Unioeste, que teve 186 cargos extintos, mesmo com aumento do número de estudantes e expansão da pós-graduação.
O sindicato aponta que a universidade hoje possui 133 docentes efetivos a menos do que há dez anos, período em que a demanda acadêmica cresceu, especialmente com o avanço de mestrados e doutorados. A redução de vagas, segundo a associação, vem sendo compensada com sobrecarga de trabalho, apontada como causa de adoecimento da categoria: pesquisa realizada pelo ANDES indica que 78% dos professores trabalham acima da carga horária e 60% relatam piora de saúde. A entidade sustenta que, sem recomposição do quadro efetivo, a LGU empurra a Unioeste para um cenário que pode comprometer a oferta de disciplinas e a continuidade de cursos que exigem formação prática constante.
Em Londrina
A situação que envolve o curso de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL) tornou-se símbolo das discussões sobre os efeitos da LGU no ensino superior paranaense. Professores da instituição relatam que o quadro de docentes vem diminuindo há mais de uma década, em um cenário marcado pela ausência de concursos públicos para reposição de vagas e aumento da demanda acadêmica. Com a entrada em vigor da Lei Estadual 21.852, um braço da LGU, que define novas regras para a atuação de profissionais temporários da saúde, a categoria teme que a restrição de atividades extras e plantões comprometa a disponibilidade de professores para disciplinas e estágios, afetando diretamente a continuidade do curso.
Para docentes da UEL, o problema não é pontual, mas consequência direta da LGU, que estabelece limites orçamentários e reduz margem para contratação de profissionais. Eles afirmam que a legislação ignora a complexidade da formação médica e coloca em risco o sistema público de ensino na área da saúde.
Em nota, a UEL afirmou que busca soluções junto ao Governo do Paraná para garantir a atuação de docentes temporários que realizam plantões na rede universitária. Segundo a instituição, o debate envolve a Associação Paranaense das Instituições de Ensino Superior Público (Apiesp), a Procuradoria-Geral do Estado, a Secretaria de Administração e Previdência e parlamentares estaduais. A universidade declara não haver indicativo de fechamento de cursos e diz estar avaliando medidas para assegurar o funcionamento das atividades acadêmicas e assistenciais, comprometendo-se a adotar todos os esforços necessários para evitar impactos a estudantes, professores e serviços prestados.
Sem risco?
Em nota, a Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI) afirmou que não há risco de paralisação do curso de Medicina da UEL nem de outros cursos da área da saúde mantidos pelas universidades estaduais. O governo diz que as normas atuais permitem que profissionais de oito áreas, entre elas medicina, odontologia, enfermagem e fisioterapia, realizem plantões em hospitais universitários, desde que não haja conflito com as atividades de ensino, respeitando limites de carga horária que variam entre 96 e 120 horas mensais, conforme o regime de trabalho.
A pasta reconhece as preocupações manifestadas por estudantes e professores, mas afirma que há “desinformação” sobre risco de interrupção das atividades acadêmicas. Segundo a SETI, o Estado mantém diálogo com reitores e está estudando a atualização das regras que afetam docentes temporários na área da saúde. A secretaria reforça que a qualidade do ensino e dos serviços vinculados às universidades é considerada “inegociável” e que os investimentos vêm sendo direcionados para infraestrutura, financiamento e inovação curricular.
Direito de trabalho
O Sindicato dos Médicos do Paraná (SIMEPAR) também se manifestou sobre os efeitos da legislação. A entidade afirma que o profissional de saúde tem direito constitucional de acumular o cargo de médico com o de professor, desde que haja compatibilidade de horários, e que nenhuma lei estadual pode restringir essa condição. Segundo o sindicato, esse acúmulo não é privilégio, mas função pública essencial para garantir que médicos atuem tanto na assistência à população quanto na formação de novos profissionais.
O Simepar afirma que a LGU ultrapassou os limites da gestão administrativa ao criar barreiras para o exercício da docência por médicos que também atuam no serviço público. Para o sindicato, além de prevista na Constituição, essa prática fortalece ensino, pesquisa e atendimento à população. A nota destaca ainda que o Tribunal de Justiça do Paraná declarou inconstitucionais trechos da LGU que interferiam na autonomia universitária e que a valorização desses profissionais deve ser preservada para evitar prejuízos ao ensino e à saúde pública.
Críticas
O deputado estadual Arilson Chiorato (PT), líder da oposição, afirma que a LGU criou entraves estruturais que colocam em risco a continuidade de cursos nas universidades estaduais, especialmente na área da saúde. Segundo ele, o texto aprovado em 2021 impôs limites rígidos de contratação e amarrou o orçamento das instituições a parâmetros que “não refletem a complexidade da formação universitária”, desconsiderando aposentadorias, afastamentos e a necessidade de docentes especializados. “O resultado é esse: o risco de fechamento de universidades que figuram entre as melhores do Brasil, como a UEL”, disse.
Chiorato critica o fato de o projeto ter sido votado em regime de urgência, sem discussão aprofundada, e afirma que a lei “faz parte de uma política de sucateamento planejado”. Para ele, a LGU introduz mecanismos de controle financeiro que acabam por restringir atividades extras de docentes temporários, afetando diretamente cursos como Medicina, que dependem de profissionais com atuação prática e elevada carga técnica. “Essa restrição calculada significa menos professores disponíveis, menor remuneração e ameaça real à continuidade de cursos”, afirmou.
Para evitar um colapso acadêmico, o deputado defende a revisão urgente da lei e a retomada da recomposição docente, com flexibilização do regime de Tempo Integral e Dedicação Exclusiva (TIDE). Chiorato também afirma que o governo estadual “não dialoga com os professores”, mas destaca decisões recentes do Tribunal de Justiça que consideraram inconstitucionais trechos da LGU que limitavam contratações e impunham teto ao TIDE. Segundo ele, a decisão “reafirma a autonomia universitária que o governo tentou restringir”.
O parlamentar diz ainda que sua maior preocupação é que as universidades percam capacidade financeira e acabem fechando cursos e campi, limitando o acesso ao ensino superior. “Sem formação pública de qualidade, o ensino fica restrito aos filhos da elite. A universidade pública é para todas e todos, e não apenas para quem pode pagar”, afirmou.
Créditos: Gabriel Porta
