Alexandre Curi

Faixa de fronteira: Congresso quer destravar regularização, mas texto é controverso

As faixas de fronteira sempre foram tratadas como áreas estratégicas para a defesa nacional

Por Da Redação

Faixa de fronteira: Congresso quer destravar regularização, mas texto é controverso Créditos: Jotta4/stock.adobe.com

A regularização fundiária de terras na faixa de fronteira do Brasil volta ao centro do debate no Congresso Nacional. Com a aprovação recente do Projeto de Lei 1.532/2025 no Senado e a expectativa de análise, ainda neste ano, do PL 4.497/2024, os parlamentares querem resolver uma questão que se arrasta desde a Independência: a posse e a titularidade de áreas localizadas até 150 quilômetros dos limites entre o Brasil e os países vizinhos.

As faixas de fronteira sempre foram tratadas como áreas estratégicas para a defesa nacional, o que impõe regras específicas desde a promulgação da Lei de Terras de 1850, assinada por Dom Pedro II. No entanto, mesmo após 175 anos, a ocupação e o registro de propriedades nessa região permanecem envoltos em incertezas jurídicas e disputas sociais.

O PL 1.532/2025, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), foi aprovado em julho com texto substitutivo da senadora Tereza Cristina (PP-MS). A proposta estende até 2030 o prazo para que proprietários rurais regularizem imóveis com mais de 2.500 hectares situados na faixa de fronteira. A urgência na votação decorre da proximidade do vencimento do prazo atual, previsto para outubro deste ano, conforme determina a Lei 13.178/2015. O projeto segue agora para a Câmara dos Deputados.

Já o PL 4.497/2024, de autoria do deputado Tião Medeiros (PP-PR) e aprovado pela Câmara na forma de substitutivo da deputada Caroline de Toni (PL-SC), estabelece as normas para a validação desses registros fundiários. O texto tramita agora no Senado, onde será analisado pelas comissões de Relações Exteriores (CRE) e de Agricultura (CRA). A relatora, Tereza Cristina, firmou acordo com o governo para que o Planalto não vete a prorrogação do prazo, mantendo o foco nas discussões de mérito do segundo projeto.

Um dos principais pontos do PL 4.497/2024 é o adiamento, para 2028, da exigência de georreferenciamento, sistema que define com precisão os limites dos imóveis. O projeto ainda flexibiliza a documentação necessária para a regularização, permitindo, por exemplo, a aceitação de uma declaração do interessado nos casos em que certidões oficiais estejam indisponíveis ou se os órgãos públicos demorarem mais de 15 dias para responder.

A proposta também autoriza a regularização de imóveis em áreas sobrepostas a terras indígenas ainda não homologadas, mesmo que estejam em processo de demarcação. Esse ponto provocou forte reação do Ministério dos Povos Indígenas, que, em nota, afirmou que o projeto representa uma "ameaça aos direitos territoriais de povos indígenas", além de institucionalizar a grilagem e colocar em risco territórios de relevância cultural e ambiental.

Entre os parlamentares da base governista, há preocupação com a fragilização dos mecanismos de proteção ao meio ambiente e aos povos tradicionais. O senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado, garantiu apoio à prorrogação do prazo (PL 1.532/2025), mas defendeu ajustes no PL 4.497/2024. “Do que não puder ser feito acordo, nós vamos para voto. Eu quero me aprofundar na questão do georreferenciamento”, afirmou.

Já a bancada ruralista argumenta que a proposta corrige uma distorção histórica e oferece segurança jurídica a produtores estabelecidos há décadas em áreas reconhecidas por títulos emitidos pelo Império ou transferências da União para os estados. “Muita gente acha que são novos títulos, novos proprietários, e não é isso”, esclareceu Tereza Cristina. Segundo ela, o processo de regularização tem sido dificultado por exigências documentais variadas entre os estados e pela falta de acesso aos registros originais nos cartórios.

O senador Jaime Bagattoli (PL-RO) destacou que apenas prorrogar o prazo não resolve a questão. Para ele, é fundamental transferir parte da análise dos processos para os cartórios, desafogando o Incra e agilizando a tramitação. “Não basta apenas adiar o problema por cinco anos. O mais importante é regulamentarmos o procedimento”, disse.

Embora o clima no Senado seja de consenso para garantir a prorrogação do prazo de regularização (PL 1.532/2025), o PL 4.497/2024 promete ser mais controverso. O desafio será encontrar um equilíbrio entre a valorização da produção agropecuária em áreas já ocupadas e o respeito aos direitos originários dos povos indígenas, à legislação ambiental e à segurança jurídica de todo o sistema fundiário.

Com o avanço dos projetos, a disputa em torno da terra na faixa de fronteira promete esquentar ainda mais no segundo semestre legislativo. A expectativa é de que os debates revelem não apenas divergências técnicas, mas também concepções distintas sobre o uso e a posse da terra em áreas sensíveis para o futuro do país.

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