Crise política em Curitiba: cassação da Professora Ângela chega a plenário nesta terça-feira
Processo de cassação da Professora Ângela chega ao plenário em meio a controvérsias sobre a cartilha de redução de danos, divergências jurídicas e acusações de irregularidades no andamento da investigação
Créditos: Divulgação
Bruna Bandeira da Luz
Cascavel
O processo de cassação da vereadora Professora Ângela (PSOL) chega ao plenário da Câmara Municipal de Curitiba cercado por acusações de cerceamento de defesa, manobras regimentais, violência política de gênero e uma disputa ideológica que extrapola o debate sobre drogas. A votação, marcada após parecer unânime da comissão processante, coloca em risco o mandato da primeira vereadora eleita pelo PSOL na capital e reacende um histórico recente de embates envolvendo parlamentares progressistas, como o caso de Renato Freitas.
A denúncia teve origem em uma audiência pública realizada em agosto, quando a vereadora apresentou uma cartilha sobre redução de danos, tema que integra políticas públicas reconhecidas internacionalmente. Para os autores da denúncia, os vereadores Da Costa (União Brasil) e Bruno Secco (PMB), o conteúdo configuraria apologia ao uso de drogas. O relator do processo, vereador Olimpio Araújo Júnior (PL), acolheu essa leitura ao sustentar que a distribuição extrapolou o escopo da audiência pública e representaria quebra de decoro parlamentar. A comissão processante aprovou, por 3 a 0, o envio do caso ao plenário.
Desde o início, porém, o processo provocou forte reação dentro e fora da Câmara. A própria vereadora, em nota pública divulgada em suas redes sociais, afirmou que a leitura do relatório de cassação representa “uma nítida e inaceitável perseguição política”, que se configura como “explícita violência política de gênero”. Ela recorda que o Ministério Público do Paraná já atestou oficialmente que a cartilha não caracteriza apologia às drogas, reforçando que sua atuação está embasada em políticas de saúde pública e direitos humanos. “O ataque covarde contra o meu mandato não se deve a qualquer irregularidade administrativa”, diz. “O cerne desta tentativa de cassação é a defesa da Redução de Danos como política pública e o combate às opressões.”
A vereadora afirma ainda que, ao longo do processo, sua defesa foi sistematicamente ignorada pela corregedoria e deixou de ser intimada em atos oficiais, o que configuraria “violação das prerrogativas da advocacia e abuso de poder”. Sustenta que houve ativa tentativa de silenciá-la: “A intensidade e a natureza dos ataques mostram a tentativa de calar uma mulher trabalhadora, mãe e professora que ocupa um espaço de poder e desafia o status quo conservador desta cidade.” Em sua manifestação, ela lembra os 6.294 votos que a elegeram para defender educação, passe livre, inclusão e dignidade humana - e destaca que mais de 2 mil pessoas participaram recentemente do ato “Professora Ângela Fica”, reforçando, segundo ela, que “a sociedade curitibana rejeita a perseguição política”.
As notas divulgadas também apontam para um componente político mais amplo. Segundo a vereadora, o processo disciplinar que recomenda sua cassação é “uma manobra articulada por forças conservadoras que não toleram a voz da esquerda, dos movimentos sociais, das mulheres, da população negra, da comunidade LGBTQIA+ e, consequentemente, da classe trabalhadora dentro do parlamento”. Ela afirma que sua atuação em pautas progressistas, sobretudo a defesa da redução de danos, é o verdadeiro alvo da reação. No texto, afirma que sua luta está em linha com “a ciência e as melhores práticas internacionais”, e que não aceitará que a Câmara se transforme em “um espaço de linchamento moral contra quem defende políticas de saúde baseadas na dignidade humana”.
O posicionamento de apoio mais forte dentro da Câmara veio do vereador Angelo Vanhoni (PT), que publicou nota afirmando que Curitiba não pode “ser cúmplice de uma violência política sem precedentes”. Para ele, o caso repete a lógica da cassação de Renato Freitas - “motivada unicamente pelo fato de ser negro”, recorda - e demonstra novamente um “lado sombrio e intolerante” da cidade. Vanhoni afirma que tentam calar “uma mulher digna, honrada e cheia de luz, que dedica sua vida à defesa dos mais pobres” e que a Câmara não deve admitir a cassação. Ele classifica o processo como tentativa de silenciar uma mulher de esquerda, comprometida com a justiça social.
No plano institucional, o caso carrega mais controvérsias: a vereadora alega que normas da ditadura militar - como o Decreto-Lei 201/67 - estão sendo utilizadas seletivamente para justificar sua cassação; aponta irregularidades no andamento do processo; e lembra que o próprio corregedor responsável por conduzir parte da tramitação no início do caso já foi cassado por fraude à cota de gênero em seu partido, fato noticiado amplamente na imprensa local. A defesa também sustenta que houve desvio de finalidade e que a comissão processante ignorou fatos essenciais, como o parecer do MPPR.
O desfecho é incerto: para ser cassada, são necessários 26 votos no plenário. Caso isso ocorra, Professora Ângela perderá o mandato e poderá se tornar inelegível. Se for absolvida, o processo será arquivado e a vereadora sairá politicamente fortalecida, com a narrativa de perseguição consolidada, o apoio das ruas ampliado e a Câmara pressionada a rever seus mecanismos disciplinares.
