Câmara aprova urgência de projeto que derruba mudanças no IOF

Plenário deve votar mérito do texto em até duas semanas; proposta não passa mais pelas comissões e amplia tensão entre Legislativo e governo federal

Por Da Redação

Câmara aprova urgência de projeto que derruba mudanças no IOF Créditos: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Depois de semanas de tensão entre o Congresso Nacional e o governo Lula, provocadas pelas mudanças na cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), a Câmara dos Deputados aprovou, na noite de segunda-feira (16), o regime de urgência para o projeto que busca anular a reedição feita pelo governo. O requerimento, aprovado por 346 votos a favor e 97 contrários — bem acima dos 257 necessários —, acelera a tramitação e permite que o mérito seja votado diretamente no plenário, sem passar pelas comissões. Pelo acordo firmado entre os líderes, a análise final deve ocorrer nas próximas duas semanas.

O texto que teve a urgência aprovada é o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 314/2025, de autoria do líder da oposição, deputado Zucco (PL-RS). A proposta visa derrubar o Decreto nº 12.499/25, assinado na última quarta-feira (11) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O decreto foi uma tentativa do governo de rever parte das mudanças feitas no fim de maio sobre o IOF, mas não conseguiu conter as críticas e a resistência dentro do Congresso.

A disputa se arrasta desde 22 de maio, quando o governo publicou o Decreto nº 12.466/25, que aumentou a alíquota do IOF sobre diversas operações — como aplicações em fundos e remessas ao exterior —, com a expectativa de gerar uma arrecadação extra de R$ 20 bilhões em 2025 e de R$ 41 bilhões em 2026, segundo cálculos da equipe econômica. A justificativa era ajudar no cumprimento das metas fiscais, mas a reação foi imediata: setores empresariais, parte do mercado e boa parte dos parlamentares se posicionaram contra.

Diante da pressão, o Palácio do Planalto tentou recuar. Publicou o novo Decreto nº 12.499/25, alterando trechos do anterior, e editou ainda a Medida Provisória (MP) 1.303/2025, que passou a prever a taxação de investimentos antes isentos, como as Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras de Crédito Agrícola (LCA), bastante populares entre investidores de perfil conservador.

Ainda assim, as medidas não foram suficientes para acalmar os ânimos no Legislativo. A aprovação da urgência escancarou o tamanho da resistência, inclusive com dissidências dentro de partidos da base do governo. Votaram contra a urgência os parlamentares do PCdoB, PSOL, PT, PV, PDT e Rede, além de alguns nomes isolados do MDB, PSB, Solidariedade, Avante e até do PL.

Durante a votação, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), defendeu o posicionamento do governo e afirmou que a reação da oposição revela um debate marcado por interesses de classe. “Essa é uma medida que atinge o andar de cima. Mas, no Brasil, sempre que o ajuste mira os mais ricos, eles se levantam contra. Quando é em cima do povo pobre, não há problema. Existe uma seletividade no discurso de ajuste fiscal”, criticou.

Na mesma linha, a deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ), líder da Federação PSOL-Rede, reforçou que o embate reflete quem defende os trabalhadores e quem está alinhado a setores privilegiados. “Aqui estamos falando do trabalhador, da mulher que é caixa de supermercado, do porteiro, da diarista. E vemos parlamentares que defendem quem tem dinheiro para investir em previdência privada, para enviar recursos ao exterior. É uma hipocrisia gritante”, disparou.

Ela ainda exemplificou os impactos da proposta. “Quando se fala em aumentar o IOF, estamos falando de quem tem condições de investir R$ 50 mil numa previdência privada, de quem faz remessas para fora do país, de quem viaja com frequência. Não é sobre quem luta para fazer o mercado do mês ou pagar o aluguel”, afirmou.

Enquanto a base tentava defender o decreto, a oposição comemorou o resultado como uma derrota expressiva do governo. O deputado Zucco (PL-RS), autor do PDL, celebrou a aprovação da urgência e voltou a acusar o governo de implementar uma “vingança fiscal” contra quem produz e investe no país.

O líder do Novo, Marcel Van Hattem (RS), foi além e classificou a votação como uma “noite histórica” no enfrentamento às medidas econômicas da gestão Lula. Já o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), chegou a pressionar pela votação imediata do méritocitando o “recado claro” dado pelo plenário.

Diante da derrota, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), tentou conter os danos. Ele reforçou que a votação foi apenas da urgência, não do mérito, e que o acordo foi construído durante o dia justamente para abrir espaço ao debate. “É natural que a oposição comemore, mas não estamos votando o mérito do decreto. Estamos garantindo tempo para discutir, inclusive a MP enviada pelo governo”, disse.

Guimarães admitiu as divergências internas e liberou a bancada governista para votar como quisesse. Ao se posicionar, fez questão de rebater críticas da oposição. “Estamos fazendo ajustes, sim, para cumprir o arcabouço fiscal que esta Casa aprovou. O governo tem compromisso com as regras fiscais. Não se trata de aumento de imposto por capricho, mas de responsabilidade fiscal, de ajuste necessário”, explicou.

O embate agora se desloca para a votação do mérito, que deve acontecer nas próximas duas semanas. Se aprovado, o PDL 314 derruba oficialmente o decreto editado pelo governo e impede a aplicação das novas alíquotas do IOF. Paralelamente, cresce a expectativa sobre a tramitação da MP 1.303/2025, que também enfrenta forte resistência e promete gerar mais tensão entre Executivo e Legislativo nos próximos dias.

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