Tarifaço de 50% dos Estados Unidos entra em vigor hoje
Governo norte-americano aplica sobretaxa de até 50% sobre exportações brasileiras; chanceler Mauro Vieira diz que Brasil responderá oficialmente nas próximas semanas
Por Da Redação

Entraram em vigor nesta terça-feira (6), a partir das 1h01 (horário de Brasília), as tarifas adicionais impostas pelos Estados Unidos contra centenas de produtos brasileiros. As medidas foram determinadas pelo presidente norte-americano, Donald Trump (Partido Republicano), por meio da chamada Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, e resultam em uma alíquota de até 50% sobre as exportações do Brasil, sendo 10% de tarifa básica e mais 40% de sobretaxa.
A decisão é parte de uma ação mais ampla adotada por Washington contra diversas economias do mundo, sob o pretexto de aplicar “tarifas recíprocas” e proteger a indústria norte-americana. No caso brasileiro, o impacto direto é o encarecimento imediato de produtos vendidos aos EUA, o que deve reduzir a competitividade de empresas nacionais em um dos seus principais mercados.
Apesar da gravidade da medida, nem todos os produtos brasileiros foram atingidos pela tarifa cheia. Cerca de 694 itens, o equivalente a 43% do total exportado pelo Brasil aos Estados Unidos em 2024, foram retirados da lista principal. Esses produtos, que incluem itens estratégicos como suco de laranja e componentes da indústria aeronáutica, permanecerão sob a tarifa padrão de 10%. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) informou que cargas despachadas até o dia 5 de agosto terão até 5 de outubro para ingressar nos EUA sem a nova sobretaxa.
Razões econômicas e erros de Trump
Ao anunciar a medida, Trump alegou, em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o Brasil impõe tarifas e barreiras comerciais injustas contra os Estados Unidos. Ele citou dados do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR), segundo os quais o Brasil teria cobrado, em média, 11,2% em tarifas sobre produtos em 2023, 8,1% em bens agrícolas e 11,7% em não agrícolas.
Segundo o USTR, essas barreiras teriam causado um prejuízo estimado de US$ 8 bilhões por ano à economia norte-americana. No entanto, especialistas e dados oficiais apontam que o argumento do presidente republicano é inconsistente. Na prática, os Estados Unidos são superavitários na balança comercial com o Brasil, ou seja, vendem mais do que compram do país sul-americano.
Mesmo assim, Trump escreveu em sua carta: “Essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não tarifárias do Brasil, que causaram esses deficits [sic] comerciais insustentáveis contra os Estados Unidos. Esse deficit é uma grande ameaça à nossa economia e, de fato, à nossa segurança nacional”.
Razões políticas e críticas ao STF
Além dos argumentos econômicos, o documento assinado por Trump traz fortes críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), investigado por tentativa de golpe de Estado. Trump classificou o julgamento como uma “vergonha internacional” e afirmou que o ex-presidente brasileiro está sendo alvo de uma “caça às bruxas”, exigindo que o processo seja encerrado “imediatamente”.
Trump também acusou o STF de promover censura a plataformas de redes sociais norte-americanas, emitindo “ordens secretas e ilegais” que, segundo ele, violam a liberdade de expressão dos cidadãos dos EUA. Bolsonaro, por sua vez, reforçou publicamente seu alinhamento com Trump, declarando-se “apaixonado” pelo líder republicano e afirmando que foi tratado como um “irmão”.
Governo Lula critica Bolsonaro e prepara resposta
O governo brasileiro atribui o agravamento da crise à proximidade entre Bolsonaro e Trump. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem sido uma das vozes mais críticas. Em diferentes ocasiões, ele afirmou que os ataques ao Brasil têm motivação política e foram articulados por aliados do ex-presidente com o objetivo de desestabilizar o país e interferir no processo judicial em curso.
“A única explicação plausível pelo que foi feito ontem foi porque a família Bolsonaro urdiu esse ataque ao Brasil. E com um objetivo específico, que é escapar do processo que está em curso”, disse Haddad em 10 de julho. Em outra declaração, no dia 21, reforçou: “Tem uma família no Brasil que está concorrendo contra os interesses nacionais”.
Resposta brasileira será apresentada no dia 18
Em discurso durante a 5ª reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável (CDESS), o "Conselhão", o chanceler Mauro Vieira anunciou que o Brasil apresentará no próximo dia 18 de agosto uma resposta oficial às medidas norte-americanas. A ação está sendo coordenada pelo Itamaraty, com apoio da Fazenda, do Ministério da Indústria e da Secretaria de Assuntos Jurídicos da Presidência.
Vieira criticou o uso da Seção 301 e afirmou que as práticas brasileiras, como o sistema de pagamentos Pix são absolutamente legais. Ele ainda revelou que, graças à diplomacia, o Brasil conseguiu retirar 700 itens da lista original de produtos tarifados. “Essas tratativas foram fundamentais para preservar setores estratégicos da economia nacional, como a indústria aeronáutica, a produção de suco de laranja e o setor de celulose”, disse.
Apesar da disposição para o diálogo, o chanceler deixou claro que certos temas não serão negociados. “Ressaltei, por outro lado, que a integridade das instituições constituídas, a democracia e a soberania brasileira, não são negociáveis”, afirmou Vieira, referindo-se ao processo contra Bolsonaro.
OMC e plano de apoio
O governo também avalia recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC), acionando o mecanismo de solução de controvérsias para contestar o tarifaço. A Câmara de Comércio Exterior (Camex) já autorizou o início de consultas formais. Contudo, o processo tende a ser longo e pouco eficaz, já que o órgão de apelação da OMC está paralisado desde 2019.
Paralelamente, o governo Lula anunciou a criação de um comitê especial, liderado pelo vice-presidente e ministro da Indústria, Geraldo Alckmin, para tratar das medidas de apoio aos setores mais afetados. Ainda não há anúncios concretos, mas entre as alternativas estudadas estão linhas de crédito específicas. O ministro Haddad garantiu que não haverá flexibilização das metas fiscais para bancar eventuais gastos extras.
Impactos econômicos e riscos no emprego
Levantamento da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) projeta que o impacto do tarifaço pode chegar a uma perda de R$ 25,8 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em um período de até dois anos. Isso representaria uma redução de 0,22% na atividade econômica.
O estudo também alerta para o risco de eliminação de 146,6 mil empregos formais e informais no mesmo período. Entre os setores mais afetados estão o café, a carne bovina, produtos semimanufaturados de ferro e aço, além de manufaturados em geral.
Com isso, o governo corre contra o tempo para buscar uma solução diplomática, mitigar os efeitos econômicos da medida e, ao mesmo tempo, manter firme sua posição em defesa da soberania e da democracia brasileira.
