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Privatização da Celepar: conselheiro do TCE fala em violação da Constituição

Tribunal de Contas cobra garantias, enquanto governo lança PDV milionário e acelera venda da empresa que guarda dados de milhões de paranaenses

Por Gazeta do Paraná

Privatização da Celepar: conselheiro do TCE fala em violação da Constituição Créditos: Divulgação

 Bruna Bandeira da Luz

Cascavel

 

Na sessão do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR), o conselheiro Fábio Camargo não poupou críticas. Ele afirmou que a privatização da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) viola a Constituição e ameaça a soberania do Estado.

Camargo citou o artigo 4º, que impede que informações estratégicas — como as ligadas à segurança pública, à defesa nacional e à proteção do Estado — sejam entregues a empresas privadas. “Mais do que nunca, cabe a esta Corte exigir que o governo apresente documentação fundamentada que demonstre que a desestatização não trará prejuízos econômicos, sociais e tecnológicos, tampouco comprometerá a privacidade dos cidadãos paranaenses.”

A fala ganhou tom ainda mais polêmico quando ele ironizou a possibilidade de entrega de dados para corporações internacionais: “E nós vamos ficar sob a responsabilidade de uma empresa privada? Ou quem sabe dos americanos? É isso que estamos vendo o Estado do Paraná nos representar, ou nos vender, ou nos trocar?”

 

PDV bilionário

Um dia após a audiência pública, o governo Ratinho Junior (PSD) anunciou o maior Programa de Desligamento Voluntário (PDV) da história da Celepar. O plano prevê R$ 80 milhões em indenizações, com teto de R$ 650 mil por funcionário, além de benefícios como 12 meses de plano de saúde e até 24 meses de vale-alimentação para quem recebe menos de R$ 12 mil.

O anúncio foi apresentado como benefício para os trabalhadores, mas críticos enxergam outra motivação: esvaziar a empresa antes do leilão, reduzindo o impacto de resistências internas e preparando o terreno para a privatização.

 

“Audiência fajuta”

A audiência pública que deveria debater a desestatização virou alvo de contestação. Conduzida pelo Conselho de Controle das Empresas Estaduais (CCEE), ligado à Casa Civil, contou com a presença do secretário de Inovação e Inteligência Artificial, Alex Canziani, e do diretor da Celepar, Guilherme de Abreu e Silva.

Segundo o governo, o objetivo era “garantir publicidade e colher contribuições”. Para funcionários, porém, o evento foi mero protocolo: plateia reduzida, tempo de fala limitado e microfone controlado. “Na prática, soou como uma apresentação enlatada, sem debate real”, resumiu o Comitê de Funcionários da estatal.

Outro ponto de crítica é a contratação da consultoria Ernest Young por R$ 8,7 milhões para assessoria, estudos e operacionalização da venda. O contrato, válido por 18 meses, foi firmado sem licitação. Para a oposição, a medida é mais um indício de que o processo está sendo conduzido sem transparência e de forma apressada.

 

Venda da soberania

Na Assembleia Legislativa, a oposição tem levantado o alerta. O líder Arilson Chiorato (PT) afirmou que a Celepar é uma empresa estratégica: “Estamos vendendo a soberania digital do Paraná.”

Já Requião Filho (PDT) lembrou que a privatização pode abrir caminho para usos abusivos dos dados dos cidadãos: “Uma empresa de plano de saúde poderá saber quais remédios você toma e cobrar mais caro pelo convênio. É a vida das pessoas sendo transformada em mercadoria.”

Enquanto os questionamentos crescem, o mercado já se mobiliza. O leilão está marcado para novembro, na B3, em São Paulo. Reportagem da Veja revelou que grupos nacionais e internacionais aguardam o edital e demonstram forte interesse. Para o governo, a entrada de investidores privados representa modernização e eficiência. Para a oposição, significa abrir mão da autonomia do Estado sobre informações vitais.

Além disso, juristas e sindicatos reforçam que a venda da Celepar pode ser contestada judicialmente. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece princípios claros de proteção e responsabilização sobre informações sensíveis. Além disso, a Constituição garante que dados de segurança nacional e de interesse estratégico não podem ser transferidos a entes privados. Esse é o ponto central da denúncia de Fábio Camargo: ao privatizar a Celepar, o governo pode estar ferindo diretamente a Constituição.

 

Lições de fora

Experiências internacionais reforçam os alertas. No México, a terceirização do sistema de dados do seguro social resultou na comercialização indevida de milhões de registros médicos. Nos Estados Unidos, contratos com empresas privadas provocaram vazamentos em massa de informações de eleitores.

No Brasil, a Celepar é considerada pioneira em tecnologia pública. Criada em 1964, foi responsável pela informatização de setores estratégicos do Paraná e hoje centraliza dados de saúde, segurança, educação e finanças. Para críticos, abrir mão desse patrimônio é como entregar o cofre e a chave.

 

Próximas batalhas

Duas audiências públicas ainda devem ampliar o debate:15 de setembro, na Assembleia Legislativa do Paraná; 23 de setembro, na Câmara dos Deputados, pela Comissão de Direitos Humanos. O deputado federal Tadeu Veneri (PT-PR), responsável pelo pedido em Brasília, resume: “Não estamos discutindo apenas a venda de uma empresa. Estamos discutindo a entrega da privacidade de milhões de brasileiros.”

 

Dados não são mercadoria

Entre promessas de modernização e alertas sobre riscos, um ponto permanece: a Celepar não é uma empresa qualquer. Ela guarda os dados de toda a população paranaense. Como disse Fábio Camargo, se esses dados forem parar nas mãos de empresas privadas — ou estrangeiras —, o Paraná terá vendido não apenas uma estatal, mas parte de sua própria soberania.

 

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