O desabafo do homem que fotografou os corpos dos Mamonas Assassinas
Fernando Cavalcanti relembra bastidores da tragédia e conta como as imagens mais emblemáticas da cobertura marcaram sua vida para sempre
Por Gazeta do Paraná

O trágico acidente que vitimou os cinco integrantes da banda Mamonas Assassinas em 1996 voltou à pauta com o lançamento do filme sobre o grupo, exibido nos cinemas em 2023 e, mais recentemente, na Netflix. Junto à memória afetiva reacendida pelos fãs, também retornam as imagens mais brutais da tragédia: as fotos dos corpos dos músicos, feitas minutos após a queda do avião na Serra da Cantareira, em São Paulo.
O autor dos registros é o fotógrafo Fernando Cavalcanti, que, em 2018, revelou os bastidores da cobertura em um relato ao jornal El País. Na época, ele trabalhava para o extinto Notícias Populares e foi o primeiro profissional da imprensa a chegar ao local do acidente, ainda durante a madrugada de 2 de março.
“Minhas fotos mais famosas ainda são as dos pedaços dos corpos dos Mamonas Assassinas espalhados no mato ao redor dos destroços”, escreveu. Cavalcanti entrou na área da tragédia sem autorização, levando apenas um rolo de filme com 36 poses, enquanto o restante do material havia ficado com o colega repórter. “Veio o primeiro corpo. E um desespero profundo. Não pelos corpos, mas por perceber que tinha só aquele filme.”
As consequências de um clique
As imagens, estampadas na primeira página do Notícias Populares, chocaram o país e ajudaram o jornal a bater recordes de tiragem. No entanto, também provocaram revolta e uma série de ameaças ao fotógrafo, que passou a refletir sobre os limites entre o jornalismo e o sensacionalismo.
“Nunca me culpei por ter feito aquelas fotos. Já mudei de opinião várias vezes sobre a publicação delas. Hoje, tenho certeza de que pertencem ao lado do entretenimento — e não do jornalismo.”
O impacto emocional da tragédia só foi percebido por Cavalcanti algumas horas depois, durante o almoço com a família. Ao ver os primos chorando diante da televisão, compreendeu a dimensão do que havia presenciado. “A imagem dos meninos da banda começou a casar com a dos corpos que eu tinha fotografado.”
Entre o trauma e a crítica à imprensa
No relato, Cavalcanti também narra episódios que ocorreram na redação após a tragédia, como a chegada de um homem com uma mão humana em decomposição, encontrada no local do acidente. “Coitado do Rogerinho, teve que fotografar aquilo”, relembra. O jornal chegou a montar uma exposição interna com as “melhores fotos” da tragédia, gerando filas e, segundo o fotógrafo, tentativas de comercialização das imagens por outros profissionais.
Apesar da repercussão nacional e do êxito comercial da cobertura, Cavalcanti não foi efetivado no jornal. Meses depois, deixou o país e passou a trabalhar como freelancer em Londres. No fim de seu relato, refletiu sobre a linha editorial da época: “Publicávamos mortos todos os dias. Quase sempre pobres. Às vezes havia denúncia. Outras vezes, as fotos só serviam para saciar a curiosidade mórbida dos leitores. E para vender mais jornal.”
