MP e LGPD travam plano do governo de vender a Celepar
Governo estadual tenta separar informações sensíveis para viabilizar a desestatização ainda este ano, mas enfrenta resistência e fiscalização

A tentativa de privatização da Celepar, empresa de tecnologia do governo do Paraná, está enfrentando entraves devido à presença de dados ligados à segurança pública. De acordo com informação divulgada pelo Jornal Plural, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) impede que esse tipo de informação seja repassado à iniciativa privada, o que levou o Ministério Público a questionar a legalidade da desestatização autorizada por lei estadual.
Diante da situação, o governo do Paraná, criou um grupo interno na Celepar com o objetivo de separar as informações sensíveis da área de segurança pública e transferi-las exclusivamente à Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp). A meta é concluir esse processo até outubro, viabilizando a venda da estatal ainda este ano.
O plano de privatização da Celepar faz parte do projeto político do governador Ratinho Júnior (PSD), que deseja se apresentar nacionalmente como o primeiro gestor a vender uma companhia estadual de tecnologia da informação. A operação, no entanto, está sendo acompanhada de perto por órgãos de controle, como o Tribunal de Contas do Estado, que conduz um processo sigiloso sobre o tema.
O governo do Paraná afirma que a venda da Celepar — empresa estadual de Gestão de Dados — deve economizar 19 milhões de reais por ano aos cofres públicos em salários.
Privatização
A privatização da Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar) foi aprovada em votação na Assembleia Legislativa do Estado. De acordo com o governo paranaense, a empresa atualmente mantém 40 cargos comissionados, com salários que podem chegar a R$ 31 mil. A redução dessa estrutura administrativa é apontada pela gestão do governador Ratinho Júnior como uma das justificativas para a desestatização, conforme divulgado no final do ano passado.
A proposta enfrentou forte resistência por parte dos trabalhadores da estatal, representantes sindicais e deputados estaduais contrários ao governo. Fundada em 1964, a Celepar é responsável por administrar os dados e conduzir o processo de transformação digital do governo do Paraná.
Os críticos da medida alertam que a venda da companhia pode comprometer a segurança e o sigilo de dados pessoais da população, incluindo informações sensíveis como registros médicos e dados de frequência escolar. Um grupo de funcionários da Celepar, por meio de um abaixo-assinado, classificou o projeto de lei como “PL das Milícias Digitais”, destacando os riscos à segurança digital dos cidadãos e lembrando que a empresa tem gerado lucros aos cofres públicos.
Parcerias e agilidade
Para o governo estadual, a privatização tem o potencial de facilitar a criação de parcerias entre a Celepar e outras empresas, além de tornar mais ágil a aquisição de novas soluções tecnológicas para a administração pública.
Na época, o Executivo afirmou: “A privatização vai trazer mais agilidade para que a Celepar desenvolva parcerias com outras empresas em tecnologias, servindo melhor ao Estado e às suas necessidades. A administração estadual também poderá adotar pregões para contratar de maneira mais ágil ferramentas tecnológicas para auxiliar a gestão e a população.”
Investimentos milionários
Para dar prosseguimento ao processo de privatização, o governo contratou a empresa Ernst & Young Assessoria Empresarial Ltda, por R$ 8,7 milhões. Segundo o Portal da Transparência, o contrato, firmado no dia 23 de janeiro, prevê a prestação de serviços de assessoria, com foco em estudos técnicos, análises e operacionalização da alienação da estatal. A contratação foi feita sem licitação, sob a justificativa de inexigibilidade, apesar do valor elevado.
Alguns dias antes, em 17 de janeiro, o governo também contratou o escritório de advocacia Reis, Varrichio e Carrer Sociedade de Advogados por quase R$ 500 mil. Essa contratação, também sem licitação, tem como objetivo a prestação de serviços jurídicos e técnicos para avaliação das decisões que concederam imunidade tributária à Celepar. Segundo o governo, essa é uma das etapas necessárias para garantir que a privatização ocorra sem encargos para o comprador. O escritório atua em áreas como direito tributário, trabalhista, corporativo e previdenciário.
O Comitê em Defesa da Celepar questiona essas contratações, que foram feitas com base no critério de “notória especialização”. Embora essa prática seja prevista em lei, o comitê alerta que deveria ser utilizada com cautela, em casos excepcionais e com ampla fundamentação.
Lucro x economia
O valor investido nas contratações de consultorias e assessorias jurídicas já ultrapassa metade da quantia que o governo pretende economizar com a privatização. Durante uma audiência pública realizada em outubro do ano passado, o deputado estadual Arilson Chiorato (PT) destacou que a Celepar obteve lucro líquido de R$ 200 milhões em 2023. Segundo ele, a possível venda da empresa representa risco para programas e sistemas fundamentais da estrutura pública do Estado, sendo que sequer se sabe quanto será arrecadado com a operação.
“O processo é ilegal e certamente resultará em uma longa disputa judicial. A Celepar tem 60 anos de história, atendendo órgãos estaduais, municípios e o Judiciário. Privatizar essa empresa é abrir mão de décadas de conhecimento, da propriedade intelectual desenvolvida, do pioneirismo em software livre, do Paraná Digital, do Boletim de Ocorrência Eletrônico, do Cartão de Vacinação, da Nota Paraná e tantos outros sistemas. E quem adquirir a empresa ainda assumirá contratos importantes que foram firmados sem licitação”, declarou o parlamentar na audiência.
A destinação de mais de R$ 8 milhões apenas para estudos e assessorias também gera questionamentos. Afinal, por que tamanha quantia estaria sendo investida apenas na etapa preparatória da venda?]
“O custo elevado dessas consultorias aumenta as incertezas sobre a real necessidade e a urgência da privatização. Casos semelhantes em outros estados revelam que desestatizações no setor de tecnologia podem gerar dependência do poder público em relação a empresas privadas, elevar os custos operacionais e reduzir a transparência”, argumenta o Comitê em Defesa da Celepar.