Crise global e problemas de saúde mental afetam estado nutricional de jovens em países instáveis
Segundo Nadine Marques, o problema é muito mais amplo do que apenas educação alimentar
Por Da Redação

Em março deste ano, a Universidade de Oxford publicou a 7ª edição de um relatório sobre os impactos da crise global na vida dos jovens. O projeto começou em 2002 e acompanhou o crescimento de 12 mil crianças em quatro países diferentes: Etiópia, Peru, Índia (nas regiões de Telangana e Andhra Pradesh) e Vietnã. O cenário exposto relatou um quadro nutricional preocupante: tanto a obesidade e o sobrepeso quanto jovens abaixo do peso são problemas notórios nas nações analisadas.
Esse contexto dual sobre a alimentação dos entrevistados chama a atenção. Nadine Marques, nutricionista, doutora em Saúde Pública e pesquisadora na Cátedra Josué de Castro de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, comenta a pesquisa: “Esse cenário reflete o que chamamos de dupla carga de má nutrição. A má nutrição pode abordar tanto situações de carência quanto de excesso. Nas situações de carência, a gente vai ver deficiência de energia ou de macronutrientes, o que pode resultar no crescimento prejudicado ou ganho de peso prejudicado, principalmente na infância e até a adolescência. Por outro lado, nas situações de excesso, há o acúmulo de macronutrientes, que seriam os carboidratos, as gorduras, as proteínas e energia”.
Esse caráter contraditório é mais visível quando olhamos os dados na pesquisa. Na Índia, cerca de 24% dos entrevistados estavam abaixo do peso, enquanto 21% encontravam-se em situação de sobrepeso ou obesidade. A pesquisadora acredita que essas estatísticas estejam muito relacionadas ao padrão alimentar do país, seja de carências ou excessos. Nesse último caso, destaca-se a presença de um perfil específico de alimentos, os ultraprocessados. “Eles (os alimentos ultraprocessados) oferecem altas quantidades de energia, gorduras, açúcares, mas, ao mesmo tempo, poucos nutrientes, uma baixa densidade nutricional, o que pode favorecer esse cenário de sobrepeso e obesidade”, afirma Nadine.
A crise global
O aparecimento de novas crises mundiais, sejam climáticas, humanitárias ou financeiras, tem impacto direto na nutrição dos jovens. O contexto vivido em cada um dos países analisados afeta o acesso a alimentos e a educação alimentar. “Situações de secas e de inundações, que muitas vezes se alternam, dependendo do país que a gente está falando, afetam na produção e acesso de alimentos”, diz Nadine. Além disso, o relatório demonstra que a pandemia de covid-19, crise sanitária mundial, impactou significativamente o estado nutricional dos entrevistados.
Nos últimos anos, dados e estudos sobre problemas de saúde mental têm recebido foco mundial. Nos países analisados pela universidade, a pauta também é um problema. Segundo o relatório, por exemplo, cerca de 60% dos entrevistados na Etiópia relataram problemas de estresse, no mínimo moderado. Segundo a docente, a relação entre o estado nutricional dos jovens e problemas de saúde mental correspondem a uma via de mão dupla, ou seja, ambos impactam, um no outro. Jovens que sofrem com problemas mentais podem ter seu apetite alterado tanto para mais quanto para menos, alterando assim o seu padrão alimentar. “O indivíduo sente menos fome, menos apetite, come cada vez menos e isso pode afetar no longo prazo o seu estado nutricional ou, por outro lado, ele fica mais suscetível a um apetite mais voltado a alimentos hiperpalatáveis, no caso, os ultraprocessados”, afirma a pesquisadora. Fora isso, estudos mostram que a alimentação baseada em ultraprocessados pode causar o aparecimento de sintomas de saúde mental prejudicada como ansiedade e depressão.
Problema amplo
A cada ano que passa, o desenvolvimento de uma educação alimentar mundial de qualidade se torna mais necessário. Entretanto, nos países pobres, por mais que seja de extrema importância, o problema nutricional é muito maior. Nadine argumenta a necessidade de pensarmos de forma mais ampla a problemática. “Quando falamos em melhora do estado nutricional dessas populações, na verdade, a gente tem que pensar nos sistemas alimentares, em questões maiores, como questões geopolíticas, que envolvem as crises mais voltadas a conflitos e guerras, por exemplo.” Ela ainda realça a importância de estudarmos sobre como nossos sistemas alimentares impactam diretamente as mudanças climáticas, que podem impactar o estado de segurança alimentar e nutricional das populações envolvidas.
Por mais que o relatório indique uma melhora no estado nutricional desses países, os altos índices ainda chamam muito a atenção. “Existe melhora, mas ainda assim a gente se depara com números inaceitáveis. São aspectos de elevadíssima complexidade e que envolvem, que clamam pelo envolvimento dos mais variados atores sociais nessa dinâmica que é muito mais ampliada”, conclui Nadine.