Incerteza sobre juros expõe tensão entre Planalto e Banco Central
No documento, o Copom destacou que o cenário segue “marcado por elevada incerteza”, o que exige cautela adicional
Por Da Redação
Créditos: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A divulgação da ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), nesta terça-feira (16), reforçou o cenário de incerteza em torno do futuro da taxa básica de juros e ampliou o desconforto do governo federal com a condução da política monetária. Pela quarta vez consecutiva, o Banco Central decidiu manter a Selic em 15% ao ano, sinalizando que o patamar elevado deverá persistir por um período “bastante prolongado”, diante de um ambiente considerado adverso tanto no plano interno quanto externo.
No documento, o Copom destacou que o cenário segue “marcado por elevada incerteza”, o que exige cautela adicional. Segundo o colegiado, a estratégia atual é adequada para assegurar a convergência da inflação à meta, mesmo reconhecendo sinais iniciais de desaceleração da atividade econômica. A ata também foi explícita ao afirmar que o Banco Central não hesitará em retomar o ciclo de alta de juros caso julgue necessário, reforçando o tom conservador adotado pela autoridade monetária.
Apesar de a inflação acumulada em 12 meses estar em 4,4%, abaixo do teto da meta, o Copom avalia que as expectativas permanecem desancoradas em todos os horizontes relevantes. A inflação de serviços, influenciada por um mercado de trabalho ainda considerado “apertado”, segue como um dos principais focos de atenção. Para o Banco Central, mesmo com algum arrefecimento recente, a demanda continua pressionando os preços e exige uma política monetária significativamente contracionista por mais tempo.
Esse posicionamento frustrou as expectativas do governo, que esperava ao menos alguma sinalização de início do ciclo de cortes ainda no começo do próximo ano. Nos bastidores do Palácio do Planalto, a leitura predominante é de desalento. Meses atrás, havia a expectativa de que o país entraria no ano pré-eleitoral com a Selic em trajetória de queda, o que não se confirmou após a última decisão do Copom.
Ainda assim, a orientação política é clara: integrantes do núcleo duro do governo devem defender publicamente a redução dos juros, mas sem personalizar críticas ou elevar o tom contra o presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Embora haja descontentamento com a persistência dos juros elevados, Galípolo segue blindado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que evita qualquer sinal de confronto institucional direto.
O descontentamento da ala governista foi demonstrado em declarações do ex-ministro Ricardo Berzoini, que classificou como um erro estratégico a escolha de Galípolo para a diretoria do Banco Central, com vistas à sucessão no comando da instituição. Segundo Berzoini, a manutenção de juros elevados compromete o crescimento econômico, aprofunda a concentração de renda e pode afetar o ambiente político às vésperas das eleições de 2026. As críticas, embora partam de um aliado histórico do PT, contrastam com a postura cautelosa adotada por Lula em relação ao Banco Central.
Enquanto isso, os efeitos da Selic elevada já são sentidos em setores sensíveis ao crédito. Dados da Serasa Experian apontam um aumento expressivo nos pedidos de recuperação judicial no agronegócio, impulsionado pela combinação de queda nos preços das commodities, aumento dos custos de produção e encarecimento do financiamento. Com juros altos, bancos passaram a adotar critérios mais rigorosos para concessão de crédito, ampliando as dificuldades para produtores rurais.
No mercado financeiro, a leitura predominante é de que a ata afasta a possibilidade de corte de juros já em janeiro. Economistas avaliam que, embora o Banco Central reconheça a melhora recente da inflação e a moderação gradual da atividade, o Comitê ainda não se sente confortável para iniciar a flexibilização monetária. A expectativa majoritária é de que o ciclo de cortes comece apenas em março de 2026, desde que haja avanço consistente na ancoragem das expectativas.
No governo, persiste algum otimismo de que, com um cenário externo mais benigno e maior clareza no quadro eleitoral, seja possível abrir espaço para a redução dos juros no primeiro trimestre do próximo ano. Até lá, no entanto, a combinação de incerteza, cautela do Banco Central e pressão política deve seguir alimentando um ambiente de tensão silenciosa entre o Planalto e a autoridade monetária, em que críticas existem, mas permanecem contidas pela blindagem política ao comando do BC.
