Fim da exigência de autoescolas pode aumentar mortes no trânsito, dizem especialistas
Especialistas classificam como “irresponsável” a proposta de tornar facultativa a formação em autoescolas e alertam para riscos à segurança viária e impacto social
Por Da Redação

A proposta do governo federal de tornar facultativa a formação em autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) tem sido alvo de duras críticas de especialistas. A medida, segundo o ministro dos Transportes, Renan Filho, busca tornar o processo de habilitação mais acessível e combater o alto número de condutores informais em todo o país. A informação foi confirmada pelo ministro na terça-feira (29), em entrevista ao GloboNews. Apesar do argumento do governo, especialistas alertam que a flexibilização pode comprometer a segurança no trânsito e agravar os índices de acidentes no país.
Para Jair Vanderlei Mallmann Eede, especialista em Gestão e Educação para o Trânsito, a medida “não tem cabimento, é fruto de interesse político e demonstra total irresponsabilidade com a vida das pessoas”. Já o advogado Emerson Klayton Ferreira, especialista em direito de trânsito, avalia que a retirada da obrigatoriedade “pode representar um grave retrocesso” na segurança viária e na formação de novos condutores.
Ambos destacam que o Brasil vive um cenário alarmante de violência no trânsito. Mallmann lembra que, segundo dados do Conselho Federal de Medicina, a cada 12 minutos uma pessoa morre vítima de sinistros no país. “Se com toda a formação obrigatória temos esse índice, imagina a carnificina que será com condutores despreparados, sem conhecer regras de circulação e conduta”, alertou. Emerson Ferreira reforça que o processo de habilitação atual, previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e em resoluções do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), foi estruturado justamente para garantir um padrão mínimo de qualidade. “Um motorista experiente não é, necessariamente, um bom instrutor. A instrução por familiares ou amigos tende a perpetuar maus hábitos, colocando em risco a segurança no trânsito”, explicou.
Os especialistas também apontam riscos socioeconômicos da medida. Para Mallmann, caso a proposta seja aprovada, autoescolas de todo o país poderão enfrentar uma onda de demissões. “O impacto pode ser grande, sim, porque muitas empresas não terão condições de manter seus funcionários”, afirmou. Ferreira acrescenta que a possível extinção das autoescolas comprometeria um setor que emprega milhares de instrutores, diretores e pessoal administrativo. “Além de colocar em risco vidas, essa medida gera um impacto social enorme”, disse.
Outro ponto levantado por Ferreira é a dificuldade de fiscalização do processo de formação caso as aulas se tornem facultativas. “Como o Estado aferiria se o candidato teve a instrução mínima necessária? O exame prático isolado é um recorte momentâneo e insuficiente para medir a real capacidade do futuro condutor”, observou. Ele também alerta para um “vácuo jurídico” em caso de acidentes durante uma instrução informal: “Hoje, as autoescolas oferecem veículos com duplo comando e seguro. Sem essa estrutura, será mais difícil responsabilizar e reparar danos a terceiros.”
Sobre os argumentos de que a medida reduziria o custo da CNH, Mallmann considera que existem outras alternativas viáveis. “Se o órgão público está tão preocupado com os valores, é simples: basta isentar todo cidadão de taxas do Detran ou das clínicas médicas”, sugeriu. Ferreira acrescenta que o governo poderia ampliar programas sociais, como a CNH Social, que subsidiam a habilitação de pessoas de baixa renda, além de fortalecer a fiscalização sobre as autoescolas. “Democratizar o acesso à CNH é importante, mas sem abrir mão da segurança. O caminho é coibir abusos e reduzir custos por meio da concorrência e regulação, não desmantelar um sistema que foi construído para salvar vidas”, defendeu. Entre os argumentos favoráveis à proposta, Ferreira reconhece a redução de custos para os candidatos e a desburocratização do processo. No entanto, alerta que a economia inicial pode ser ilusória. “A tendência é que haja aumento de acidentes, com impactos diretos no Sistema Único de Saúde (SUS), na Previdência e no Judiciário. É o barato que sai caro”, avaliou.
Para Mallmann, o momento da discussão também é inoportuno. “O Brasil ocupa a terceira colocação no ranking de países com mais mortes no trânsito. É uma irresponsabilidade total levantar um tema como esse em um momento tão delicado”, afirmou. Ferreira reforça que a proposta fere princípios fundamentais do CTB, que estabelece a segurança no trânsito como direito de todos e dever do Estado. “As autoescolas são a materialização desse dever, porque promovem a educação para o trânsito. Tratar a CNH como um simples produto a ser adquirido pelo menor preço é um equívoco. A habilitação é uma concessão do Estado que atesta a capacidade técnica e psicológica de um cidadão para operar um veículo em vias públicas”, concluiu.
