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Defesa de juíza demitida do TJ/RS alega vara desestruturada e filha autista

Advogados afirmam que decisão foi desproporcional

Por Gazeta do Paraná

Defesa de juíza demitida do TJ/RS alega vara desestruturada e filha autista Créditos: Reprodução

A defesa da juíza Angélica Chamon Layoun, demitida pelo TJ/RS após a constatação do uso de modelos padronizados em cerca de dois mil processos, se manifestou contra a decisão e a classificou como "desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé".

Por meio de nota assinada pelos advogados Pedro Henrique Leite e Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, do escritório Medina Osório Advogados, a defesa criticou o rigor da penalidade e apontou falhas no processo administrativo disciplinar que levou à demissão da magistrada, publicada recentemente no Diário da Justiça.

Conforme noticiado pelo Migalhas, a decisão de demissão de Angélica Chamon Layoun foi tomada pelo Órgão Especial do TJ/RS, com base no art. 42, VI, da Loman - que prevê a perda do cargo como pena máxima na carreira da magistratura.

Segundo os advogados, Angélica, que estava em estágio probatório, não teve oportunidade de recorrer internamente no TJ/RS, razão pela qual a defesa ajuizou Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, por meio do qual questiona os vícios na instrução do processo e ausência de proporcionalidade na sanção aplicada. O processo tramita sob sigilo.

Desafios de gestão e contexto pessoal

A nota ressalta que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava havia anos sem juiz titular, acumulando grande volume de processos e sem rotinas estruturadas. Nesse ambiente, ela teria buscado implementar melhorias administrativas e reordenar o fluxo processual, enfrentando, contudo, resistências internas que teriam alimentado a abertura do processo disciplinar.

A defesa também aponta que Angélica foi alvo de discriminação velada por ser mulher, mãe e oriunda de outro Estado. À época dos fatos, cuidava sozinha de uma filha de três anos diagnosticada com transtorno do espectro autista, circunstância que, segundo os advogados, dificultava ainda mais a conciliação entre as funções jurisdicionais e a maternidade - desafio comum a muitas magistradas em estágio probatório.

"Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em fase de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar medida disciplinar extrema", afirma o texto, ao defender que a Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter adotado ações pedagógicas, e não punições severas.

Quem é Angélica Chamon Layoun?

A juíza tem 39 anos e atuou por quase seis anos na magistratura de Pernambuco.

Em 2016, tentou ingressar no Judiciário gaúcho, mas foi reprovada na terceira fase do concurso - a prova de sentença. Recorreu ao STJ por meio de mandado de segurança, alegando ausência de critérios objetivos na correção da prova.

Em junho de 2022, foi publicada sua aprovação em 46º lugar no concurso do TJ/RS. Tomou posse como juíza substituta em julho do mesmo ano.

Veja a íntegra da nota:

Nota à imprensa

A defesa manifesta profundo respeito pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, mas discorda veementemente da penalidade imposta à magistrada Angélica Chamon Layoun, por considerá-la desproporcional, juridicamente viciada e carente de prova de dolo ou má-fé, elementos indispensáveis à configuração de falta funcional gravíssima.

Esclarecemos que não cabe recurso interno no âmbito do TJRS. Por essa razão, foi ajuizado Pedido de Revisão Disciplinar no CNJ, onde se discute a proporcionalidade da sanção e vícios de instrução do processo disciplinar.

Por se tratar de processo que tramita sob sigilo, não é possível comentar o conteúdo integral dos autos ou os argumentos apresentados na petição de revisão disciplinar.
Ressalvado esse limite, cumpre esclarecer que a magistrada foi designada para uma vara cível que estava há anos sem juiz titular, com grande passivo processual e uma cultura de autogestão consolidada, sem rotinas estruturadas. Nesse cenário, buscou corrigir falhas operacionais, reordenar o fluxo processual e promover melhorias administrativas, enfrentando resistências internas que acabaram servindo de catalisador para o processo disciplinar.

Além dos desafios próprios de uma unidade desorganizada, a juíza enfrentou dificuldades adicionais decorrentes de discriminação velada, por ser oriunda de outro estado, mulher e mãe de uma criança de três anos à época, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA). A conciliação entre os deveres funcionais e o cuidado com uma criança com necessidades especiais representa um desafio adicional que qualquer mãe magistrada pode compreender.

Eventuais equívocos ou falhas operacionais, naturais em estágio probatório e agravados pelas dificuldades de adaptação a sistemas digitais complexos, não podem justificar o rigor da medida disciplinar aplicada. A Corregedoria-Geral de Justiça deveria ter priorizado medidas pedagógicas e de orientação, e não punições de natureza extrema, especialmente quando não há má-fé, dano às partes ou violação da moralidade.

Este caso suscita reflexões importantes sobre como a magistratura lida com as especificidades enfrentadas por mulheres magistradas, especialmente aquelas que exercem a maternidade simultaneamente à função jurisdicional. A situação vivenciada pela magistrada Angélica poderia ocorrer com qualquer mulher que enfrente os desafios da dupla jornada profissional e maternal no exercício da magistratura.

A atuação da magistrada foi pautada pela boa-fé, pelo compromisso com o serviço público e pela transparência funcional. Confia-se que o CNJ saberá avaliar o caso com isenção e profundidade, garantindo o respeito ao devido processo legal, à proporcionalidade da sanção e às garantias da magistratura nacional.

 

Nilson de Oliveira Rodrigues Filho 
OAB/RS 121.624

Pedro Henrique Leite
OAB/PR 60.781

Advogados da magistrada Angélica Chamon Layoun
Medina Osório Advogados

 

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