Como Tanure cresceu enquanto o Banco Master desabava; e por que as investigações agora convergem para ele
Investigações expõem créditos, fundos e operações coordenadas que ligam Tanure ao Banco Master, revelando uma relação financeira central para ambos no período que antecedeu o colapso
Créditos: Redes sociais
Nelson Tanure sempre surgiu onde o mercado enxerga desordem. Aos 73 anos, o empresário baiano construiu sua trajetória atraído justamente pelo que parece quebrado, confuso, prestes a ser liquidado. Desde a década de 1980 - quando reergueu a Sequip - até as tomadas de controle hostis do estaleiro Verolme, da Intelig e da Gafisa, Tanure se especializou em entrar nos bastidores de empresas em crise, assumir o comando quando todos fogem e revirar estruturas com a frieza de quem sabe que ativos em convulsão costumam esconder valor. Mas nenhum dos seus movimentos recentes parece tão intrincado quanto a relação, agora iluminada, entre sua expansão no Paraná e o colapso do Banco Master.
A aproximação das duas histórias começa em 2020, ano em que Tanure virou seu olhar para o Paraná. Durante um ciclo acelerado de privatizações, o fundo Bordeaux, ligado ao empresário, arrematou dois ativos essenciais: primeiro, a Sercomtel, operadora de Londrina que por décadas foi referência regional. O leilão, realizado em agosto de 2020, terminou com o grupo de Tanure oferecendo cerca de R$ 130 milhões - um ágio próximo de 900% sobre o valor mínimo do edital - e assumindo uma participação de 97,4% na empresa, além de uma estrutura de dívidas estimada em centenas de milhões.
Poucos meses depois, em 9 de novembro de 2020, o mesmo fundo venceu o leilão da Copel Telecom, braço de telecomunicações da estatal de energia do Paraná. O valor mínimo previsto no edital era de R$ 1,401 bilhão; a proposta de Tanure foi de R$ 2,395 bilhões, um ágio de 70,94%. Em 14 de janeiro de 2021, o Contrato de Compra e Venda de Ações foi assinado, condicionado a aprovações regulatórias da Anatel e do Cade. Essas aprovações vieram meses depois, sem restrições, abrindo caminho para que a transferência de controle fosse oficialmente concluída ainda em 2021. O contrato também estabelecia que certos ativos estratégicos - como cabos OPGW em linhas de transmissão e torres específicas - seriam mantidos pela Copel original, em uma cisão posterior, totalizando cerca de R$ 57,9 milhões em patrimônio. Ao mesmo tempo, os empregados da Copel Telecom foram integralmente realocados para outras subsidiárias da estatal, deixando o ativo privatizado reduzido ao essencial: rede, infraestrutura e carteira de clientes.
Com Sercomtel e Copel Telecom consolidadas sob a mesma estrutura, nascia a Ligga, empresa que rapidamente se tornou uma das maiores provedoras regionais de conectividade do país. Em 2025, a Ligga apresentava R$ 160,6 milhões de receita líquida no primeiro trimestre, prejuízo de R$ 15,3 milhões, dívida líquida de R$ 871,7 milhões e obrigações acima de R$ 1 bilhão no leilão do 5G - uma equação explosiva para uma companhia que tentava crescer em velocidade superior à sua capacidade de reduzir passivos.
Era justamente nesse momento que o Banco Master, instituição que vinha se expandindo de forma igualmente veloz, começava a revelar suas fissuras internas. Controlado por Daniel Vorcaro, o banco investia em títulos de alto risco, operações circulares e créditos de lastro frágil, até que, no final de 2025, tudo ruiu. Em 18 de novembro, o Banco Central decretou sua liquidação extrajudicial, citando “grave crise de liquidez” e risco sistêmico. Simultaneamente, a Polícia Federal deflagrou a operação Compliance Zero, que investigava a emissão de créditos fictícios e uma engrenagem que teria servido para mascarar prejuízos bilionários. Na mesma manhã, Vorcaro foi preso no aeroporto de Guarulhos, prestes a embarcar em um jato particular. A Justiça manteve sua prisão preventiva ao afirmar que o esquema revelado tinha estrutura estável, poder econômico e indícios de crime financeiro continuado.
O rombo estimado ultrapassou R$ 12 bilhões, atingindo mais de 1,6 milhão de clientes. Foi a maior liquidação bancária recente do país — e trouxe à tona uma conexão até então pouco compreendida: a ligação financeira entre a Ligga de Tanure e o Banco Master. Documentos societários mostram que a Ligga havia contratado uma Cédula de Crédito Bancário diretamente com o Master. Paralelamente, fundos ligados ao empresário figuravam entre os principais detentores de ativos emitidos pelo banco até semanas antes da liquidação. Quando se observa as curvas de evolução das duas empresas no período, a coincidência se torna perturbadora: à medida que o Master inflava seu balanço com operações que hoje se revelam frágeis, a Ligga expandia redes, absorvia provedores, financiava sua entrada no leilão do 5G e consolidava presença no mercado.
Investigações posteriores aprofundaram ainda mais o elo. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal abriram um inquérito para apurar se Tanure poderia ser “controlador de fato” do Banco Master - ainda que não aparecesse formalmente como sócio. A suspeita, sustentada por relatórios técnicos e informações de mercado, é que o empresário teria usado uma rede de veículos de investimento, como Aventti, Estocolmo e Banvox, para exercer influência indireta sobre a estratégia do banco. Em paralelo, a Comissão de Valores Mobiliários identificou operações coordenadas entre fundos associados ao Master e a Tanure na compra de ações da Ambipar, que dispararam quase 700% entre junho e agosto de 2024, num movimento desconectado dos fundamentos da empresa. Para os técnicos, o comportamento dos fundos sugere atuação conjunta, concentração suspeita de posições e eventual manipulação de mercado.
A liquidação do Master tornou essas histórias, antes paralelas, inevitavelmente cruzadas. Relatórios internos indicam que grande parte do patrimônio líquido do banco estava alocado em ativos ligados a veículos associados a Tanure, criando um risco cruzado que agora se materializou: uma engrenagem financeira em que a expansão de um grupo empresarial se apoiava, em parte, em um banco cuja estrutura estava inchada por operações irregulares. Não há, até o momento, condenação ou prova definitiva de que Tanure tenha cometido ilegalidades. Mas há um conjunto robusto de fatos que exigem investigação: exposição financeira simultânea, movimentos coordenados de mercado, financiamentos estruturais e sincronia entre o colapso de uma instituição e a expansão acelerada de um império privado.
Em meio à derrocada do Master, Tanure fez o movimento final do seu método. Em 2025, colocou a Ligga à venda por cerca de R$ 2,5 bilhões. O processo, conduzido pelo banco Rothschild & Co., devolve ao mercado uma empresa que passou de ativo público essencial a peça-chave de um grupo privado - e agora volta a circular entre investidores num momento em que sua origem, seu financiamento e seus vínculos estão sob questionamento.
A história ainda não terminou. A queda do Banco Master abriu uma janela para examinar com mais rigor os mecanismos que sustentaram a expansão de Tanure no Paraná e, talvez, em outros setores. A pergunta que se impõe não é apenas sobre o futuro da Ligga ou sobre a liquidação do Master. É sobre o território entre essas duas histórias: o lugar onde, durante anos, um banco que agora se sabe fragilizado abastecia uma empresa que crescia rápido demais.
