Começa avaliação de terras para atender comunidades indígenas
Produtores rurais contestam o processo e cobram mais transparência e participação nas negociações de indenização
Por Da Redação

Começou oficialmente ontem (23) uma nova etapa do acordo firmado entre a Itaipu Binacional, o Ministério Público Federal (MPF) e o Supremo Tribunal Federal (STF) para aquisição de terras no Oeste do Paraná, que serão destinadas a comunidades indígenas da região. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) deu início aos trabalhos técnicos de avaliação dos imóveis que podem ser adquiridos como parte do compromisso de reparação histórica assumido pelas partes.
O acordo foi homologado pelo STF em março deste ano, após uma longa negociação envolvendo diferentes esferas do governo, lideranças indígenas e instituições de justiça. O objetivo é adquirir até 3 mil hectares, com orçamento estimado em R$ 240 milhões, para repassar às comunidades indígenas afetadas pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, especialmente em função dos alagamentos que causaram a perda de terras tradicionalmente ocupadas. De acordo com levantamento da comissão que acompanha o processo, cerca de 6 mil indígenas das Terras Indígenas Tekoha Guasu Guavirá e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga, distribuídas entre os municípios de Guaíra, Terra Roxa, Foz do Iguaçu, São Miguel do Iguaçu, Missal, Itaipulândia e Santa Helena, serão beneficiados. A iniciativa é tratada como uma reparação histórica, buscando minimizar parte dos impactos sofridos por essas populações.
Avaliação
Segundo o superintendente do Incra no Paraná, Nilton Bezerra Guedes, a força-tarefa conta com três equipes de avaliadores, distribuídas estrategicamente nos municípios de Guaíra, Terra Roxa, São Miguel do Iguaçu, Itaipulândia, Foz do Iguaçu e Missal. O grupo também é composto por profissionais das áreas de cartografia, topografia e regularização fundiária. "Nossa missão é realizar as avaliações dos imóveis de forma técnica, transparente e objetiva, dentro do processo de negociação que está sendo conduzido. É importante deixar claro que se trata de uma compra e venda, feita de forma mediada, buscando reparar uma questão histórica", explicou Guedes.
No total, entre 22 e 23 áreas estão sendo analisadas. A seleção dessas propriedades foi feita pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), em conjunto com a comissão de mediação formada pelo TRF-4 e pelo Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), e repassada ao Incra para execução das avaliações. Os laudos técnicos irão embasar a negociação dos valores de indenização com os proprietários que aceitarem vender suas terras à Itaipu. "Nosso trabalho é feito de forma estruturada, com cronograma bem definido. A expectativa é concluir esse processo de avaliação até 30 de agosto de 2025".
Além do trabalho de campo, o Incra tem realizado reuniões com lideranças indígenas para garantir total transparência no processo e esclarecer dúvidas. "Na quarta-feira (25), estarei no Tekoha Arapã, em Foz do Iguaçu, em reunião com o cacique Gilberto e outras lideranças. Precisamos garantir que os povos indígenas entendam todas as etapas do processo", destacou Guedes.
Nilton afirmou que, embora o cronograma preveja a conclusão até agosto, as equipes poderão retornar às áreas caso haja necessidade de complementação dos trabalhos. "Nosso papel é exclusivamente técnico, focado na avaliação dos imóveis e nos processos administrativos. A negociação financeira, após os laudos, será feita diretamente entre Itaipu e os proprietários". O objetivo do modelo de mediação, segundo o Incra, é evitar judicializações prolongadas e garantir segurança jurídica tanto para os indígenas quanto para os proprietários de terras. "É um trabalho de mediação e construção, que exige responsabilidade de todos os envolvidos".
Contestação
A Federação da Agricultura do Estado do Paraná (Faep) se posicionou contrária à forma como as avaliações estão sendo conduzidas. A entidade voltou a manifestar preocupação com a metodologia adotada, que, segundo ela, ocorre de maneira unilateral, sem a participação dos produtores rurais. "Essas avaliações estão sendo conduzidas exclusivamente pelo Incra, sem qualquer participação efetiva dos produtores, dos sindicatos rurais ou da própria Faep. Não concordamos com esse modelo. É preciso que as avaliações sejam técnicas, transparentes e, principalmente, que envolvam quem vive, trabalha e produz nessas terras", afirmou Jean Neri, consultor jurídico da Faep.
A entidade também argumenta que não é contrária ao acordo em si, mas discorda da forma como ele está sendo executado. "O que vemos é um processo conduzido sem diálogo, sem escuta dos produtores. É inadmissível que algo que impacta diretamente a vida de centenas de famílias produtoras aconteça dessa forma".
A Faep ingressou com um recurso no STF questionando o modelo de avaliação e pedindo que os produtores, representados pelos sindicatos e pela própria entidade, tenham participação ativa no processo, acompanhando e opinando, especialmente sobre os valores das indenizações.
A expectativa, segundo Jean Neri, é que esse recurso seja julgado ainda em agosto. "Estamos confiantes de que o STF analisará com responsabilidade nosso pedido. Não pedimos nada além do justo: que os produtores participem efetivamente do processo de avaliação e aquisição dessas terras. É um direito básico".
O consultor da Faep também afirmou que o setor produtivo não se opõe a soluções para os conflitos fundiários, desde que sejam conduzidas de forma justa e equilibrada. “Não somos contra a solução dos conflitos. Pelo contrário. O setor sempre buscou diálogo. Mas não aceitamos que isso aconteça sem transparência e sem respeitar quem trabalha nessas terras há décadas”, pontuou.
Prazos e andamento
A previsão é que o Incra conclua as avaliações até 30 de agosto. Até lá, as equipes irão visitar as 23 propriedades, realizar medições, analisar documentos e produzir os laudos técnicos que servirão de base para a negociação. Se houver concordância dos proprietários com os valores e condições, a Itaipu poderá efetuar os pagamentos e formalizar o repasse das terras às comunidades indígenas. Caso contrário, o processo pode se prolongar, já que o acordo estabelece que a aquisição deve ocorrer mediante consenso.
