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Caso Marcelo Ortis: Justiça mantém acusações e MPPR reforça gravidade do crime em Guaíra

Ministério Público sustenta que assassinato brutal exige responsabilização exemplar e abre procedimento em Direitos Humanos para monitorar impactos coletivos

Caso Marcelo Ortis: Justiça mantém acusações e MPPR reforça gravidade do crime em Guaíra Créditos: Divulgação

O assassinato de Marcelo Ortis, indígena da Tekoha Jevy, em Guaíra, Oeste do Paraná, segue avançando na Justiça e mobilizando o Ministério Público do Paraná (MPPR) em duas frentes: no processo criminal, como acusador, e em um procedimento administrativo, na área de Direitos Humanos. O indígena foi morto em 21 de março de 2025, decapitado e teve a cabeça exposta em uma estaca, em crime que provocou comoção na região.

Os réus André Ortiz Velasquez, Pedro Emanuel Vargas Gonçalves e Roberto Ortiz foram presos em flagrante no dia seguinte ao crime, ainda embriagados e com roupas ensanguentadas. O MPPR denunciou os três por homicídio qualificado — por motivo torpe e meio cruel — e vilipêndio de cadáver.

Desde o início, o Ministério Público tem sustentado a necessidade da prisão preventiva, alegando: a gravidade concreta do crime; o risco de reiteração delitiva; a necessidade de garantir a ordem pública, diante da comoção causada na comunidade.

As defesas tentaram anular ou reduzir as acusações, apresentando teses de embriaguez completa, incidente de insanidade mental e até a aplicação da chamada justiça intercultural, sob argumento de que os fatos deveriam ser analisados à luz dos costumes indígenas. O MPPR se opôs a todas essas teses, ressaltando que: a embriaguez foi voluntária, não afastando a imputabilidade; não havia qualquer vínculo cultural ou ritual que justificasse a violência, pelo contrário, a conduta foi repudiada também dentro da comunidade; não existem elementos que indiquem doença mental ou incapacidade dos acusados.

A juíza Maria Luíza Mourthé de Alvim Andrade acolheu os argumentos do Ministério Público, rejeitou os pedidos da defesa e manteve as acusações originais. O processo está em fase de instrução, com nova audiência marcada para 21 de outubro de 2025.

 

As motivações do crime

O Ministério Público sustenta que o assassinato de Marcelo Ortis foi motivado por uma combinação de fatores pessoais e circunstanciais que ampliaram a violência do episódio. O pano de fundo central é o conflito amoroso entre a vítima e Amélia Garcete Ortiz, ex-companheira de Roberto Ortiz, um dos acusados. De acordo com testemunhas, Roberto não aceitava o relacionamento e chegou a incendiar a casa em que Marcelo e Amélia viviam juntos, vangloriando-se do ato dentro da comunidade. Esse histórico de ressentimentos é considerado o estopim para a vingança.

Outro elemento apontado nos autos é o consumo excessivo de álcool na noite do crime. A reunião entre os quatro envolvidos foi marcada por ingestão de bebidas e um ambiente descrito como hostil, em que conflitos antigos ressurgiram com intensidade. Para o MP, a embriaguez não elimina a responsabilidade penal dos réus, uma vez que foi voluntária, não caracterizando inimputabilidade.

A forma como o crime foi praticado também carrega peso simbólico. A decapitação e a exposição da cabeça em uma estaca revelam, segundo o Ministério Público, não apenas a intenção de matar, mas de humilhar e intimidar a comunidade indígena como um todo. Esse ato, além de agravar a crueldade do homicídio, embasa a acusação de vilipêndio de cadáver.

Diante desse conjunto, o MP enquadrou o crime como homicídio qualificado por motivo torpe — ligado ao ciúme e à vingança pessoal — e por meio cruel, caracterizado pela execução violenta. A juíza Maria Luíza Mourthé de Alvim Andrade acolheu essa interpretação, rejeitando as teses defensivas e mantendo a denúncia integralmente.

 

Acompanhamento em Direitos Humanos

Além do papel no tribunal, o MPPR abriu em 19 de setembro de 2025 o Procedimento Administrativo MPPR-0046.25.202871-0, na área de Direitos Humanos, com o objetivo de monitorar não apenas a ação penal, mas também os impactos sociais do crime na Tekoha Jevy.

Esse procedimento permite que o órgão avalie riscos a lideranças, adote medidas de proteção e acompanhe a repercussão do caso entre povos indígenas, reconhecendo que o assassinato de Marcelo não atinge apenas uma vítima individual, mas toda uma comunidade.

 

Um crime emblemático

O caso Marcelo Ortis se tornou emblemático por reunir violência extrema, conflitos pessoais e exposição pública da vítima em uma região já marcada por disputas territoriais e tensões históricas envolvendo povos indígenas.

Ao manter a denúncia firme e instaurar um procedimento em Direitos Humanos, o MPPR sinaliza que crimes desse tipo exigem respostas exemplares e amplas, que vão da responsabilização penal à proteção coletiva.

 

MPPR amplia vigilância em outros casos de violência e conflitos indígenas

A atuação do Ministério Público do Paraná (MPPR) não se restringe ao caso Marcelo Ortis. Nos últimos meses, o órgão tem instaurado procedimentos administrativos e acompanhado de perto outras situações envolvendo comunidades indígenas no estado, reforçando seu papel de fiscalização em Direitos Humanos.

Em 12 de julho de 2025, o indígena Everton Lopes Rodrigues, de 21 anos, filho do cacique Bernardo Rodrigues Diegro, da Aldeia Yvyju Awary, em Guaíra, foi encontrado morto e decapitado. Ao lado do corpo, havia uma carta com ameaças dirigidas às comunidades indígenas e à Força Nacional de Segurança Pública.

O caso é investigado pela Polícia Federal e pela Polícia Civil do Paraná, em inquérito que tramita em sigilo na 1ª Vara Federal de Guaíra (processo nº 5001811-79.2025.4.04.7017). Paralelamente, o MPPR instaurou o Procedimento Administrativo MPPR-0046.25.202872-8, em 19 de setembro, para monitorar o andamento das investigações e adotar medidas de proteção às lideranças ameaçadas.

 

Comoção

Na ocasião o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) manifestou repúdio ao assassinato brutal de Everton Rodrigues, de 21 anos, da etnia Avá-Guarani. Para o Consea, o crime reforçou a percepção de que a morte do jovem não foi um episódio isolado, mas parte de um histórico de violência crescente contra os povos indígenas no Oeste do Paraná. Como exemplo. O conselho mencionou o caso de Marcelo Ortis, registrado cinco meses antes.

O Consea apontou que o números levantados pelo Consea mostram que a violência é recorrente: entre dezembro e janeiro, pelo menos 17 indígenas Avá-Guarani foram baleados no Paraná; um ano antes, seis pessoas do Tekoha Y’Hovy, também em Guaíra, ficaram feridas em ataque de fazendeiros. “Os crimes praticados nessa área são recorrentes e merecem a atenção do Estado brasileiro tanto para investigar e punir os culpados como na implementação de medidas de prevenção de violência futura. Não podemos perder mais jovens indígenas que saem para caçar, pescar ou jogar seu futebol próximo à aldeia – como foi o caso do Everton. A violência contra os indígenas Avá-Guarani em Guaíra, no Paraná, está intrinsecamente ligada à disputa por terras e à morosidade no processo demarcatório dos territórios tradicionais”, pontua a nota.

 

Aldeia Ran Kri Topen

Falando em disputa por território, outro foco de atenção é a situação da Aldeia Ran Kri Topen, localizada no Morro do Cristo, em São Luiz do Purunã (Balsa Nova/PR). A comunidade enfrenta ações de reintegração de posse movidas pela empresa Elcio Baggio Assessoria e Negócios Imobiliários Ltda. e pelo próprio município.

Em resposta, o MPPR instaurou o Procedimento Administrativo MPPR-0046.25.202875-1, também em 19 de setembro, para acompanhar os processos judiciais e garantir que eventuais decisões respeitem os direitos fundamentais da comunidade indígena.

Nossa equipe de reportagem tentou aceso à documentação vinculada ao procedimento administrativo, mas ela não foi disponibilizada pelo MPPR.

 

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