Áudios da Sanepar ganham novo peso após ex-funcionário decidir falar
Áudios vazados que indicam caixa dois e coação em estatais ganham novos contornos após ex-funcionário da Sanepar relatar pedidos de “convites”, pressão interna e práticas que teriam ocorrido até a campanha de 2022
Créditos: Geraldo Bubniak/AEN
A crise provocada pelos áudios vazados que apontam um esquema de arrecadação paralela, possível caixa dois e coação dentro de estatais do Paraná entrou em uma nova fase. Depois de a oposição acionar Polícia Federal, Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e cobrar explicações formais do governo estadual, um personagem até então ausente do debate público decidiu falar. Glauberson Rocha, ex-funcionário da Sanepar, afirma que o conteúdo dos áudios não é episódico, mas reflete práticas recorrentes nos bastidores da companhia, especialmente durante o período eleitoral de 2022.
O depoimento de Glauberson não surge isolado. Ele se soma a uma sequência de reportagens que revelaram diálogos internos nos quais aparecem referências a dívidas de campanha, pedidos de recursos, pressão sobre servidores e hierarquias paralelas de poder, em alguns casos com a indicação de que decisões “sensíveis” não passariam formalmente pelo governador Ratinho Júnior, mas por operadores políticos com trânsito direto na estrutura do governo.
O centro do escândalo: o que revelam os áudios
As gravações divulgadas nas últimas semanas expõem conversas em que agentes ligados à Sanepar tratam com naturalidade de arrecadação de recursos fora dos canais oficiais, mencionando pagamentos, compromissos assumidos durante campanhas e a necessidade de “resolver pendências”. Em meio aos diálogos, surge a prática da venda ou compra de “convites”, apontada por investigadores e especialistas eleitorais como mecanismo clássico de arrecadação indireta, capaz de mascarar doações e dificultar o rastreamento financeiro.
Foi a partir desses áudios que a oposição protocolou representações junto a órgãos federais, sustentando a existência de indícios de caixa dois, coação de servidores comissionados e uso da estrutura de estatais para fins eleitorais. O governo, por sua vez, respondeu classificando os fatos como antigos e afirmando que os envolvidos já teriam sido punidos - versão que passou a ser contestada não apenas pelos parlamentares, mas agora também por quem viveu a rotina interna da empresa.
Glauberson Rocha decide falar
Ex-funcionário da Sanepar, Glauberson Rocha afirma que acompanhou, de dentro da companhia, um ambiente de pressão política e administrativa que extrapolava a gestão técnica do saneamento. Segundo ele, os áudios tornaram públicos comportamentos que, nos bastidores, já eram conhecidos.
Glauberson relata que pedidos para aquisição de “convites” em contexto político partiram de agentes ligados à estrutura de comando da empresa. Para ele, não se tratava de mera cortesia ou convite institucional, mas de demanda com objetivo financeiro, especialmente sensível por ocorrer em período eleitoral. “Não era algo neutro ou inocente”, afirmou em transmissão ao vivo, ao explicar por que decidiu se manifestar agora.
Pressão hierárquica e coação
O ex-funcionário sustenta que a recusa em atender a esse tipo de pedido desencadeava retaliações internas, criando um ambiente em que servidores se sentiam coagidos a aderir a práticas informais para preservar cargos e funções. Esse cenário dialoga diretamente com o conteúdo dos áudios analisados pela oposição, nos quais aparecem referências a autoridade máxima paralela, pressão sobre subordinados e a ideia de que determinadas ordens “vinham de cima” e não poderiam ser questionadas.
Segundo Glauberson, processos administrativos e instrumentos disciplinares passaram a ser utilizados como forma de controle e intimidação, não necessariamente vinculados a irregularidades funcionais concretas, mas à postura do servidor diante das demandas políticas.
Seletividade e blindagem interna
Outro ponto levantado por Glauberson é a seletividade na apuração interna. Ele afirma que denúncias envolvendo determinados quadros, hoje em posições estratégicas, não avançaram, enquanto outros servidores foram rapidamente expostos e afastados. Essa lógica de dois pesos e duas medidas também aparece, de forma indireta, nos áudios vazados, que sugerem a existência de redes de proteção e hierarquias informais dentro e fora da Sanepar.
Esse padrão reforça a crítica feita por parlamentares da oposição de que apurações restritas ao âmbito administrativo da companhia seriam insuficientes, dada a possível interferência política na condução dos procedimentos.
Campanha de 2022 e contradição com a versão oficial
Um dos principais conflitos entre a narrativa oficial do governo e as denúncias está no recorte temporal. Enquanto a Sanepar afirma que os fatos seriam antigos, os áudios e o relato de Glauberson indicam movimentações durante a campanha eleitoral de 2022, período em que a legislação é mais rigorosa quanto à origem e ao uso de recursos.
Se confirmadas, as práticas descritas podem caracterizar financiamento irregular de campanha, com o agravante de envolver agentes de uma empresa pública estratégica, o que amplia o alcance jurídico e político do caso.
Hierarquia paralela e responsabilização política
As reportagens anteriores da Gazeta do Paraná destacaram que os áudios atribuem a Guto Silva o papel de autoridade máxima e avalista para autorizar “coisa errada”, deslocando o centro das decisões para fora da formalidade institucional. Embora os diálogos não tragam menções diretas ao governador, o escândalo pressiona o Palácio Iguaçu a explicar como práticas desse tipo prosperaram dentro de uma estatal sob controle do Executivo.
Ao decidir falar, Glauberson afirma acreditar que nem todas as decisões chegaram ao conhecimento direto do governador, mas ressalta que isso não elimina a responsabilidade política do governo, uma vez que as nomeações e a estrutura de comando da Sanepar passam por indicações políticas.
