As florestas tropicais são um dos biomas de maior diversidade do planeta e estão entre os mais ameaçados devido a ações humanas como redução e degradação do hábitat, poluição, mudanças climáticas e atividades como extração de madeira e mineração.
Os insetos representam quase 60% das espécies conhecidas do planeta, considerando toda a diversidade já reconhecida entre plantas, fungos e animais. Além disso, eles compreendem 73% (91 mil espécies) da diversidade de espécies de animais (125 mil espécies) registradas para o Brasil, o que representa 8,4% da diversidade mundial conhecida de insetos (1,5 milhão de espécies), de acordo com o Catálogo Taxonômico da Fauna Brasileira (2023).
Apesar desse cenário, os insetos que vivem na Floresta Amazônica ainda são pouco conhecidos pela ciência, particularmente os que vivem alguns metros acima do nível do solo até a copa das árvores da floresta.
“Há mais de 100 anos, foi dito pelo biólogo William Beebe que a fauna de insetos no dossel é como se fosse um outro continente. Têm muitas espécies que estão na copa das árvores e que não estão no solo, só que nunca foram estudadas devido à falta de acesso”, explica Amorim, referindo-se à inexistência de métodos adequados para coletar nesse ambiente. “Esse é um dos motivos do projeto BioInsecta/BioDossel ser tão importante, porque ele permitirá estudar as Amazônias acima do solo”, continua.
Em um estudo anterior, que deu origem aos projetos BioInsecta/BioDossel, publicado na revista Scientific Reports por Amorim e colaboradores (2022), armadilhas do tipo Malaise foram montadas utilizando como suporte as plataformas de cinco andares de uma torre meteorológica de 40 metros na Reserva ZF2, em alturas muito próximas aos cinco estratos das armadilhas em cascata. Durante duas semanas, elas resultaram na coleta de aproximadamente 38 mil insetos. Um dos achados mais interessantes do trabalho foi revelar que mais de 60% da diversidade de espécies encontrada acima de oito metros do solo não estão presentes no solo da floresta.
A Reserva ZF2 é um dos três pontos da Amazônia Central que estão sendo estudados pelos projetos, que incluem ainda um local a oeste do Rio Negro (Iranduba/AM ) e um ao sul do Rio Solimões (Careiro Castanho/AM).
Revelar a dimensão do número de espécies de insetos, grupo de maior diversidade conhecida do planeta, em uma área delimitada da Floresta Amazônica, desde o solo até o dossel, é considerado pelos coordenadores dos dois projetos um dos maiores desafios contemporâneos em relação a biodiversidade das Florestas Tropicais. Para superá-lo, os projetos têm dois componentes centrais – o uso do sistema de armadilhas em cascata para a amostragem massiva desde o solo até o dossel e a utilização de tecnologias inovadoras de sequenciamento de DNA em grande escala combinadas a dados morfológicos para a identificação rápida e precisa de espécies.
Em cada área de estudo é usada uma cascata com cinco armadilhas, que são dispostas verticalmente em intervalos regulares, e içada até a copa das árvores utilizando como suporte uma árvore emergente (que cresce acima da altura média do dossel).
Cada armadilha da cascata tem uma altura de 2 m, permitindo a coleta dos insetos em cinco estratos ou “andares” da floresta – próximo ao nível do solo (0-2 m); no sub-bosque (7-9 m); e em três estratos do dossel da floresta (14-16 m; 21-23 m; e entre 28-30 m). Além da composição (identidade) e do número de espécies, esse sistema de armadilhas também permitirá revelar pela primeira vez como a diversidade de insetos está distribuída ou organizada verticalmente na floresta.
As cascatas de armadilhas foram instaladas em julho de 2024 nas três áreas de estudo, e permanecerão montadas até setembro de 2025 (14 meses). A cada 14 dias, os locais de estudo são visitados por pesquisadores para a retirada dos espécimes coletados nos cinco estratos das armadilhas. Contagens preliminares apontam uma média de 59 mil insetos capturados em cada local de estudo a cada 14 dias.
Em 14 meses de amostragens, é estimada a coleta de mais de 5,5 milhões de exemplares pelas cascatas, além dos espécimes coletados durante a expedição. O estudo mais abrangente publicado até o momento coletando insetos de forma sistemática e por um longo período (14 meses) do nível do solo até o dossel foi realizado por Basset e colaboradores (2015) no Panamá, na floresta tropical de San Lorenzo, onde coletaram aproximadamente 14 mil insetos e outros artrópodes (aracnídeos, piolhos de cobra, crustáceos) e reconheceram cerca de 5,9 mil espécies.
A expectativa é estudar o DNA de até 500 mil exemplares. “Não há um número preciso agora, mas a proporção geral de espécies ainda desconhecidas em relação às conhecidas pode ser de 90% a 98% da fauna de insetos da Amazônia”, estima Amorim.
Além da importância incalculável em termos da diversidade que será revelada para a Amazônia, o professor José Albertino Rafael ressalta que “esse será um banco de dados muito útil para daqui a seis, dez anos, fazermos novas coletas e vermos qual o impacto do aumento da temperatura, da diminuição de chuvas e das queimadas na população dos insetos” em áreas ainda preservadas da Amazônia, o que deverá fornecer evidências robustas para embasar programas e políticas públicas para a preservação e conservação da floresta e dos insetos.
Comunicação/USP