A validade da notificação por e-mail na alienação fiduciária
Ao admitir o e-mail como meio válido de notificação, o STJ proporciona maior eficiência e celeridade à atuação dos credores fiduciários
Por Gazeta do Paraná

Por Ellen Leonardi Tomasin*
Em recente e relevante precedente, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 2.183.860/DF, de relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, por unanimidade, reconheceu a validade da notificação extrajudicial realizada por meio eletrônico (e-mail) para fins de constituição em mora do devedor fiduciante, desde que preenchidos dois requisitos indispensáveis:
- que o endereço eletrônico tenha sido indicado expressamente pelas partes no contrato; e
- que haja prova inequívoca do recebimento da mensagem, sendo irrelevante quem efetivamente a tenha lido ou acessado.
Trata-se de uma decisão paradigmática que aprofunda e atualiza a interpretação do artigo 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, o qual disciplina a comprovação da mora nos contratos garantidos por alienação fiduciária.
Fim das formalidades rígidas
Historicamente, a constituição em mora para fins de busca e apreensão do bem alienado estava atrelada a formalidades rígidas, como o envio de notificação por meio de Cartório de Títulos e Documentos ou o protesto do título. Contudo, com a alteração promovida pela Lei nº 13.043/2014, o legislador conferiu maior flexibilidade ao dispor que a mora poderá ser comprovada mediante o envio de carta registrada com aviso de recebimento (AR), sem que seja exigida a assinatura do próprio destinatário.
A decisão ora em exame amplia foi recepcionada pelo STJ, que, em sede de recurso repetitivo (Tema 1132), consolidou o entendimento de que, para a comprovação da mora, basta a remessa da notificação ao endereço indicado no contrato, com prova objetiva de recebimento, mesmo que realizada por terceiro.
Assim, se a ciência pode ser demonstrada de forma segura e objetiva, a partir da comprovação do recebimento do e-mail enviado ao endereço eletrônico pactuado, não substitui a lei, mas cumpre sua função quando há prova de ciência, não subsistindo razão para recusar validade à comunicação.
Conforme assinalado no acórdão, “por interpretação analógica do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 911/1969, é possível considerar suficiente a notificação extrajudicial do devedor fiduciante por correio eletrônico, desde que seja encaminhada ao endereço eletrônico (e-mail) indicado no contrato e, principalmente, seja comprovado seu recebimento, independentemente de quem a tenha recebido”. A clareza e a objetividade desse entendimento conferem segurança jurídica tanto ao credor fiduciário quanto ao devedor, evitando controvérsias estéreis sobre a regularidade formal do ato.
Além disso, a decisão destaca a modernização dos meios de comunicação e sua incorporação às práticas negociais. Como bem salientou o STJ, a utilização do correio eletrônico não compromete as garantias do devedor, desde que respeitados os critérios estabelecidos no julgado: a existência de previsão contratual clara e a prova idônea do recebimento. Assim, não se trata de uma ampliação indiscriminada dos meios notificatórios, mas sim de uma adequação prudente e racional, que respeita a autonomia privada e preserva a função essencial da notificação.
Contestação judicial
O Tribunal ainda sublinhou que eventuais alegações de irregularidade ou nulidade da notificação por e-mail não podem ser levantadas de forma genérica ou abstrata, mas sim mediante contestação judicial específica, sob pena de preclusão, nos termos do artigo 373, II, do CPC. Como registrado no acórdão: “eventual irregularidade ou nulidade da prova do recebimento do correio eletrônico é questão que adentra o âmbito da instrução probatória, devendo ser contestada judicialmente pelo devedor fiduciante na ação de busca e apreensão de bem”.
Esse precedente complementa e aprofunda o entendimento anteriormente firmado pela Corte no julgamento do Tema Repetitivo nº 1132, segundo o qual é suficiente, para fins de constituição em mora, “o envio de notificação extrajudicial ao devedor no endereço indicado no instrumento contratual, dispensando-se a prova do recebimento pelo próprio destinatário”.
Ao admitir o e-mail como meio válido de notificação, o STJ proporciona maior eficiência e celeridade à atuação dos credores fiduciários, que poderão constituir a mora de forma menos onerosa, mais rápida e igualmente segura, respeitando-se os limites fixados pelo Tribunal.
Precedente para advogados
Para os advogados que atuam no setor bancário, na recuperação de crédito e no contencioso cível, este precedente oferece uma importante ferramenta jurídica. A possibilidade de utilização do correio eletrônico para a constituição em mora simplifica procedimentos, reduz custos com notificações físicas e evita entraves processuais decorrentes de formalismos superados. Além disso, estimula a redação mais clara e precisa dos contratos, com cláusulas que estabeleçam, de maneira expressa, o e-mail como meio hábil para comunicações relevantes.
Em suma, o julgamento do REsp 2.183.860/DF representa um avanço que alia a segurança jurídica à modernização das práticas contratuais, promovendo a necessária adaptação do direito às transformações tecnológicas e à dinâmica das relações econômicas contemporâneas. Para os advogados, significa mais do que uma nova tese: é uma oportunidade de aprimorar a assessoria contratual, otimizar estratégias de cobrança e fortalecer a efetividade das garantias fiduciárias no ambiente digital.
*Ellen Leonardi Tomasin é advogada no escritório Araúz Advogados.
Artigo publicado originalmente no site jurídico Conjur
