Universidades públicas protestam contra projeto do governo do Paraná
PL 1.079/2025 muda gestão de hospitais universitários, altera plantões e provoca reação de docentes e sindicatos no estado.
Créditos: SET/PR
Um projeto que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) têm mobilizado sindicatos, professores, profissionais de saúde e gestores hospitalares em diferentes regiões do estado. A proposta, enviadas pelo Governo do Paraná, está em análise na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e pode mudar de forma profunda tanto a estrutura das universidades estaduais quanto o funcionamento dos hospitais universitários, que atendem a população via Sistema Único de Saúde (SUS) e formam médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde.
O Projeto de Lei nº 1.079/2025 estabelece um novo modelo de governança para os Hospitais Universitários (HUs) vinculados às instituições estaduais de ensino superior. De acordo com o governo, o texto busca modernizar a administração dessas unidades, aprimorar a integração entre ensino, pesquisa e assistência, além de alinhar a gestão hospitalar às diretrizes do SUS e às demandas de cobertura regional.
A proposta também altera as regras dos Plantões Docentes (PD) e Plantões de Sobreaviso (PDS), incluindo novas especialidades e permitindo escalas diferenciadas. O governo argumenta que as mudanças ampliarão a disponibilidade de profissionais e permitirão resposta mais ágil às demandas da população que utiliza os hospitais universitários.
Projeto ameaça ensino e autonomia dos hospitais, dizem Sindicatos
A Gazeta do Paraná obteve uma nota conjunta assinada pelos sindicatos das sete universidades estaduais. O documento afirma que o PL 1.079/2025 representa “um ataque direto aos Hospitais Universitários e às funções pedagógicas dessas instituições”. Para as entidades, o texto retira responsabilidades assistenciais dos hospitais universitários e as transfere para a Secretaria de Estado da Saúde (SESA), deixando às universidades apenas a gestão acadêmica e parte da administração, sujeita a autorização da pasta para qualquer impacto orçamentário. Eis o PDF na íntegra.
A nota afirma que os HUs de Londrina, Maringá, Cascavel e Ponta Grossa correm risco de serem descaracterizados como unidades formativas e transformados em hospitais comuns. “Os HUs são unidades de ensino, pesquisa e extensão, não apenas prestadores de serviços”, escreve o grupo. Segundo o documento, a ruptura entre ensino e assistência pode comprometer estágios, práticas clínicas e pesquisa aplicada, afetando diretamente a formação de profissionais da saúde no Paraná.
As entidades também criticam artigos que preveem contratação temporária via Secretaria de Saúde (Sesa) e terceirização de serviços assistenciais por fundações de apoio ou empresas públicas. Para os sindicatos, isso institucionaliza vínculos precários e favorece o avanço de um modelo mais próximo à privatização do que à gestão pública universitária. “A única medida efetiva condizente com os princípios da Administração Pública é a ampliação do quadro de profissionais por meio de concurso público”, conclui a nota.
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Salário defasado
A professora Sabrina Grassioli, representante do sindicato dos docentes da Unioeste (ADUNIOESTE), explica que a crise atual é resultado da soma de duas medidas: a Lei Geral das Universidades (LGU), sancionada em 2021, e as mudanças recentes no modelo de plantões docentes. Segundo ela, a LGU congelou concursos e redefiniu cálculos de vagas docentes, enquanto as mudanças nos plantões retiram remunerações que tornam viável a atuação de médicos nos hospitais universitários. Grande parte desses profissionais não possui dedicação exclusiva à universidade, recebe pelo plantão e atua também no setor privado.
“O salário base nas universidades está defasado em cerca de 50%. Sem os plantões, esse profissional deixa de atuar no hospital-escola, e isso afeta tanto o atendimento quanto o ensino”, afirma Sabrina. Ela explica que as universidades públicas não podem ser comparadas a instituições privadas, pois desenvolvem, simultaneamente, ensino, pesquisa, extensão e assistência hospitalar. “A LGU ignorou essa complexidade e congelou concursos. Hoje, ela é um entrave também para o funcionamento dos hospitais universitários”, afirma.
Sabrina alerta ainda que o projeto 1.079/2025 ameaça transferir parte da gestão hospitalar à SESA, o que fragilizaria o planejamento acadêmico. “Como manter um projeto pedagógico sob gestão externa, com servidores temporários e rotatividade constante? Isso prejudica a qualidade da formação”, diz.
Conselho Gestor do HUOP
O Conselho Gestor do Hospital Universitário do Oeste do Paraná (HUOP), em Cascavel, também publicou manifesto contrário ao PL 1.079/2025. Segundo o colegiado, o texto configura “um retrocesso institucional sem precedentes” e fere princípios constitucionais de autonomia universitária e saúde pública ao transferir o controle financeiro e operacional para a SESA.
O manifesto também critica a possibilidade de substituição progressiva de carreiras universitárias por contratos temporários e de terceirização de serviços assistenciais por fundações, o que o conselho descreve como “privatização por delegação”. A entidade afirma ainda que o governo desconsiderou o relatório de uma comissão técnica criada para discutir o tema. “Defender os hospitais universitários é defender a saúde pública, a educação de qualidade e o patrimônio do povo paranaense”, encerra a nota.
Fecha curso?
Nossa reportagem procurou o Governo do Paraná por meio da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), que negou qualquer risco de fechamento de cursos da área da saúde ou interrupção de atividades nos hospitais universitários. Em nota, a pasta afirmou que há “desinformação sobre riscos de paralisação” e que os plantões docentes seguem permitidos a profissionais de oito áreas da saúde, desde que não conflitem com atividades acadêmicas e respeitem limites de carga horária.
A SETI declarou ainda que mantém diálogo com reitores e que eventuais mudanças estão sendo discutidas para “garantir a continuidade e a qualidade dos serviços e da formação”. A Universidade Estadual de Londrina (UEL), citada na polêmica, reafirmou que não há indicativo de fechamento de cursos e que busca soluções com o governo para garantir a permanência de docentes temporários nos hospitais.
Criticas à LGU
O Sindicato dos Médicos do Paraná (SIMEPAR) também se manifestou. A entidade afirma que o acúmulo do cargo de médico com a docência é garantido pela Constituição e que nenhuma legislação estadual pode restringir essa prática. Segundo o sindicato, essa atuação dupla fortalece o ensino, a pesquisa e o atendimento à população.
O Simepar lembra que o Tribunal de Justiça do Paraná declarou inconstitucionais trechos da LGU que limitavam autonomia universitária, e defende que a valorização desses profissionais é essencial para evitar prejuízos ao ensino médico e ao SUS.
O deputado estadual Arilson Chiorato (PT), líder da oposição, afirma que a LGU criou entraves para a recomposição do quadro docente e ameaça a continuidade de cursos, especialmente os de Medicina. Segundo ele, o projeto foi aprovado em regime de urgência e “amarra a universidade a parâmetros financeiros que desconsideram a complexidade da formação”. O parlamentar defende revisão imediata da legislação e retomada dos concursos públicos. “Sem formação pública de qualidade, o ensino ficará restrito aos filhos da elite”, declarou.
Créditos: Gabriel Porta
