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Superbactérias são encontradas em áreas agrícolas e animais silvestres de SP

Pesquisa da USP identificou bactérias multidrogas resistentes em tartaruga semiaquática e em amostras de solo

Por Da Redação

Superbactérias são encontradas em áreas agrícolas e animais silvestres de SP Créditos: Foto: Janice Carr/CDC/Wikipedia

Superbactérias são microrganismos com ampla resistência aos antibióticos que podem transitar livremente entre diversos ecossistemas — humanos, animais, plantas e o meio ambiente. Pesquisas realizadas pelo grupo da professora Eliana Guedes Stehling, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP, revelam como bactérias como Acinetobacter bereziniae e espécies do gênero Klebsiella adquirem e espalham essa resistência, inclusive fora do ambiente hospitalar.

Um dos estudos, publicado no Journal of the Science of Food and Agriculture, investigou duas espécies do gênero KlebsiellaK. pneumoniae e K. quasipneumoniae. Ambas estão associadas a infecções graves, como pneumonia, meningite e infecções na corrente sanguínea.

Essas espécies foram identificadas a partir de cepas isoladas em amostras de solo usadas no cultivo de limão, goiaba e figo, em Jardinópolis (SP), coletadas em 2022, e em águas superficiais das cidades de Ituverava e Franca (SP), coletadas em 2020. Segundo os resultados, essas cepas apresentaram um amplo perfil de resistência aos antibióticos, inclusive aos carbapenêmicos, que costumam ser utilizados em casos de infecções de difícil tratamento causadas por bactérias multidrogas resistentes. 

A novidade do estudo foi detectar duas carbapenemases – enzimas que degradam os antibióticos carbapenêmicos – numa mesma bactéria. As enzimas já eram conhecidas, porém não haviam sido detectadas anteriormente em uma mesma bactéria isolada de fontes aquáticas no Brasil. Como as amostras bacterianas foram coletadas de águas superficiais e de solos agrícolas, isso reforça o papel do meio ambiente na disseminação das  superbactérias.

O estudo aponta que a presença de Klebsiella resistente a esses antibióticos aumentou principalmente em ambientes aquáticos poluídos, e sugere que esse fenômeno também pode estar ocorrendo nos solos, embora os dados ainda sejam limitados. De acordo com os pesquisadores, do ponto de vista da abordagem One Health (Saúde Única), essa circulação em ecossistemas diversos acelera a transmissão desses microrganismos para humanos e animais.

Para Rafael da Silva Rosa, doutorando e um dos pesquisadores do estudo, orientado pela professora Eliana, a seleção dessas linhagens resistentes pode estar associada à presença de poluentes oriundos de diferentes atividades da produção agrícola. “As linhagens resistentes podem ser selecionadas pelo uso de fertilizantes orgânicos ou pela irrigação com água poluída”, explica. “As bactérias podem contaminar frutas e vegetais e, em humanos, a transmissão pode ocorrer pelo contato direto com animais e produtos contaminados, ou pelo consumo de alimentos crus ou malcozidos.”

A ameaça silenciosa 

O outro estudo, publicado na revista World Journal of Microbiology and Biotechnology, concentrou-se na bactéria Acinetobacter bereziniae. Os pesquisadores identificaram cepas resistentes em uma tartaruga semiaquática infectada, indicando que o microrganismo pode emergir como um novo agente causador de infecções difíceis de tratar em animais e com potencial para afetar seres humanos.

A análise revelou a presença de genes de resistência antimicrobiana até então inéditos no Brasil e, nessa espécie, esses genes podem ser transferidos para outras bactérias, o que representa risco de “ampliar ainda mais a resistência e dificultar o tratamento de infecções no futuro”, afirma Rosa.

Além disso, as cepas encontradas no Brasil, assim como outras analisadas da China e da Índia, apresentaram seis ou mais genes de resistência. “Esse número é elevado, e pode estar associado a uma possível pressão seletiva decorrente do uso intensivo de antimicrobianos nesses países.” 

Também foram identificados genes de virulência conservados, que permitem à bactéria colonizar hospedeiros, escapar do sistema imune e causar infecções. “A presença desses genes conservados indica que essas linhagens têm potencial patogênico e representam risco à saúde humana e animal, reforçando a necessidade de vigilância dentro da abordagem de Saúde Única”, afirma o pesquisador.

Outro destaque apontado pelos pesquisadores foi a circulação da Acinetobacter bereziniae na interface entre seres humanos, animais e o ambiente — uma característica que reforça sua capacidade de adaptação e dispersão em diferentes ecossistemas.

Urgência do controle

Tanto no caso da Klebsiella quanto da Acinetobacter, os pesquisadores observaram que essas bactérias carregam o que os cientistas chamam de elementos genéticos móveis — estruturas como plasmídeos (moléculas de DNA que podem se reproduzir de forma independente ao DNA cromossômico), transposons (segmentos de DNA que podem se mover dentro do genoma) e integrons (conjunto de elementos genéticos). Elas funcionam como “veículos” para genes de resistência aos antibióticos, facilitando a troca entre diferentes bactérias, mesmo de espécies distintas e em ambientes variados.

Um dos principais mecanismos de defesa dessas bactérias é a produção de carbapenemases, enzimas que degradam antibióticos considerados de última linha, como os carbapenêmicos — utilizados quando outros antibióticos já não surtem efeito. Esse intercâmbio genético, aliado à presença desses mecanismos, faz com que as superbactérias se tornem uma ameaça crescente, circulando de forma silenciosa e eficaz entre a produção agrícola, os animais e os centros urbanos.

Desafio global

No cenário das superbactérias, a Organização Mundial da Saúde reconhece que o combate é um desafio que transcende fronteiras e disciplinas. A abordagem One Health, que reconhece a interdependência entre saúde humana, animal, vegetal e ambiental é considerada essencial para conter a disseminação desses microrganismos. “É necessário reduzir o uso indiscriminado de antimicrobianos e promover sua utilização correta em todos os setores, além de seguir medidas rigorosas de prevenção e controle, melhorar o saneamento, ampliar a vacinação, desenvolver novos medicamentos e investir em educação, conscientização e pesquisa”, finaliza Rosa.