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Exposição retrata judeus que sobreviveram ao Holocausto e vivem hoje no Brasil

“Retratos Revelados”, com curadoria da professora Maria Luiza Tucci, está em cartaz no Unibes Cultural até 29 de junho

Por Da Redação

Exposição retrata judeus que sobreviveram ao Holocausto e vivem hoje no Brasil Créditos: Marcos Santos/USP Imagens

O filme “A Lista de Schindler” (1993) conta a história real de Oskar Schindler, empresário alemão que salvou a vida de quase 1200 judeus perseguidos pelo Nazismo. Para contar esse capítulo da Segunda Guerra Mundial em um preto e branco contrastado, o cineasta Steven Spielberg gravou as cenas no filme fotográfico Kodak Double X (Eastman 5222). Com a mesma marca e tipo de filme analógico, foram fotografados 31 sobreviventes do Holocausto que hoje vivem no Brasil. Após dois anos de processo entre os cliques e a revelação dos filmes, as fotografias estão agora na exposição “Retratos Revelados – Sobreviventes do Holocausto”, com curadoria da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP). A visitação é gratuita e aberta ao público na Unibes Cultural (Rua Oscar Freire, 2.500) até o dia 29 de junho.

Uma história contada em imagens

A exposição começa com um mapa-múndi, com suásticas marcando os países ocupados pelo Terceiro Reich, isto é, pela Alemanha Nazista. A partir do mapa, um fio mostra cronologicamente o avanço geográfico do Nazismo, destacando as medidas que estruturaram o regime. Um exemplo é a Kristallnacht, ou Noite dos Cristais, uma ação antissemita que queimou sinagogas, destruiu comércios e assassinou cerca de 90 judeus entre os dias 9 e 10 de novembro de 1938. As 31 fotografias de sobreviventes se inserem em meio à essa linha do tempo, dando rostos e nomes à história.

Os idosos fotografados posam com expressões serenas, bem diferente das fotos brutais que ilustram esse capítulo nos livros de história. Assim, a exposição também ressignifica a imagem desses sobreviventes, destacando a sua resiliência desde as violações na infância. “Muitos deles tinham entre quatro e cinco anos naquele momento e ficaram escondidos em orfanatos, em porões. Hoje, esses sujeitos retratados têm filhos e netos. A partir de uma vida, nós podemos ver que muitas foram salvas”, afirma Tucci, professora sênior do Departamento de História da FFLCH/USP, que mantém a base de dados Arqshoah (Arquivo Virtual sobre Holocausto e Antissemitismo).

Cada fotografia é o ponto de partida para uma história pessoal e, juntas, as peças compõem um quadro histórico mundial. “As lutas que os sobreviventes vivenciaram, as incansáveis rotas de fuga, os momentos de vida e morte atravessando fronteiras, as noites sem dormir… Tudo isso me conecta enormemente às histórias dos grandes e verdadeiros heróis deste mundo: pais, mães, filhos, avós e netos que deram tudo de si mesmo para sobreviver”, diz Bosch.

Testemunhos de países vizinhos

“Por trás de cada retrato, há as histórias que não foram possíveis de serem captadas pela câmera. A câmera fotografa o rosto, as rugas, a postura das mãos, mas ela não é sensível aos traumas. Você só vai saber dessa trajetória se ouvir os seus testemunhos”, afirma a curadora Tucci. Ao lado de cada fotografia, é possível ler um resumo da biografia de cada sobrevivente retratado – os trechos completos estão disponíveis no site da Unibes Cultural.

Uma das histórias compartilhadas é da holandesa Liselotte Barochel, que tinha apenas 2 anos quando seu país foi ocupado pelas forças alemãs. Ela passou a viver entre os dez filhos de uma família cristã, à beira do canal onde os navios de guerra ancoravam com os soldados alemães. Ela conta que seu pai era um jornalista alinhado ao socialismo, e foi denunciado, detido pela Gestapo e morto em Auschwitz em 1944.

O húngaro Gyorgy Galfi nasceu em Budapeste em 1931. Quando completou 9 anos, o Nazismo atingiu a Hungria, forçando judeus como ele a se identificarem com a estrela de David nas vestes. Aos 12 anos, viu seu pai ser levado para trabalhos forçados e a sua mãe implorar pela vida dos seus próprios filhos.

A italiana Ariella Segre nasceu em 1940, dois anos após o ditador Benito Mussolini promulgar as leis raciais “em defesa da raça na escola fascista”. Com isso, seu pai foi demitido e perseguido por ser judeu. Em 1943, sua família fugiu a pé de Trieste até Milão (cerca de 410 km) e, em seguida, atravessaram os Alpes até a Suíça.

A fotografia analógica

“Tudo sobre ter feito as fotos com película analógica foi proposital”, afirma o fotógrafo e co-curador Bosch ao Jornal da USP. “Ao fotografar pela câmera analógica, você passa a ter um negativo. A partir da revelação, o negativo também se transforma num artefato, algo que você não tem pelas câmeras digitais”, explica a curadora Tucci. Diferente dos registros digitais, os negativos das fotos analógicas não podem ser manipulados ou editados, o que os torna itens históricos inalteráveis.

Além do aspecto histórico, a escolha pelas câmeras analógicas, películas fotográficas e reveladores Rodinal foi um gesto simbólico de valorizar as histórias com um trabalho artesanal. “O processo de fazer em filme é demorado, pois não se trata de apenas fazer o click e pronto. Depois dele, vem o processo de digitalizar os negativos e uma longa tarefa de editar para saber quais seriam as fotos finais”, conta Bosch. “Esse é o tipo de trabalho que mais gosto. Devagar, pensante.”

As fotografias foram tiradas nas edições de 2023 e 2025 do Café Europa, um evento promovido pela Unibes com a Claims Conference para reunir a comunidade judaica de sobreviventes do Nazismo. Além de Bosch, contribuíram com o projeto os fotógrafos Mário Virgílio Castello, Moyra Madeira e Patricia Lens. Castello fotografa a cena cultural na imprensa e trabalha com o estilo fine art, especialmente em preto e branco no analógico e no digital. Madeira dirige a fotografia de videoclipes e projetos musicais, além de trabalhar com videoarte, performances e artes cênicas. Lens é artista visual, com séries documentais e autorais que exploram temas como pertencimento, identidade e liberdade, tendo a materialidade do analógico como expressão sensorial.

Créditos: Jornal da USP