STF volta a discutir crimes da ditadura e abre caminho para responsabilização de agentes estatais
Discussão ocorre em momento decisivo, pois a Corte também decidirá se a Lei da Anistia pode ser aplicada a crimes permanentes, como a ocultação de cadáver, cujas consequências se arrastam até hoje
Por Gazeta do Paraná

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a tramitação de dois recursos que discutem a responsabilidade de agentes estatais por crimes cometidos durante a ditadura militar. Os processos, que questionam a validade da Lei da Anistia para encobrir crimes de tortura e execução, foram apresentados pelo Ministério Público Federal (MPF) e representam um novo capítulo na luta por justiça para as vítimas do regime autoritário.
Os Recursos Extraordinários com Agravo (ARE) 1266912 e 1239715 tratam de duas ações específicas. A primeira envolve a morte de Carlos Nicolau Danielli, militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), preso, torturado e executado no DOI-Codi em 1972. A segunda diz respeito à execução de Joaquim Alencar Seixas, operário morto sob tortura em 1971, e cuja certidão de óbito foi falsificada para encobrir o crime.
A discussão no STF ocorre em um momento decisivo, pois a Corte também decidirá se a Lei da Anistia pode ser aplicada a crimes permanentes, como a ocultação de cadáver, cujas consequências se arrastam até hoje. A revisão da anistia é uma demanda histórica de entidades de direitos humanos, que denunciam a impunidade concedida a torturadores e assassinos do regime militar.
A impunidade dos torturadores
A impossibilidade de punir agentes da repressão tem gerado situações paradoxais. Em 2019, o ex-militar Mario Espedito Ostrovski, apontado pela Comissão Nacional da Verdade como torturador, processou Aluizio Palmar e o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu por danos morais, alegando ser alvo de "acusações infundadas". O caso gerou revolta, pois Ostrovski se recusou a depor perante a CNV e teve seu nome incluído em diversas investigações sobre crimes da ditadura.
Felizmente, em 2020, a Justiça negou o pedido de indenização, reafirmando que as denúncias contra o ex-tenente eram baseadas em documentos oficiais e testemunhos de vítimas. A decisão foi comemorada como um triunfo da liberdade de imprensa e da memória histórica.
Outro caso emblemático é o do delegado Carlos Alberto Augusto, conhecido como "Carlinhos Metralha", que atuou no Dops ao lado de Sérgio Paranhos Fleury. Mesmo com seu histórico ligado a sequestros e torturas, Augusto seguiu na ativa após a redemocratização e chegou a ser nomeado delegado em Itatiba (SP), em 2013. Movimentos populares realizaram um "esculacho" público em frente à sua residência, denunciando sua atuação repressiva na ditadura.
A sangrenta Operação Marumbi
No Paraná, um dos episódios mais brutais do período foi a Operação Marumbi, em 1975. A ação policial-militar teve como alvo militantes do PCB e resultou na prisão e tortura de mais de 100 pessoas em diversas cidades do estado. Relatos indicam que policiais do DOI-Codi receberam treinamento de torturadores experientes de São Paulo e Rio de Janeiro para ampliar a repressão local.
Entre os presos estavam Ildeu Manso Vieira, capturado junto com seu filho, e Antônio Narciso Pires de Oliveira, que foi torturado em um local clandestino conhecido como "Clínica Marumbi". Os relatos de sobreviventes descrevem o uso de pau-de-arara, choques elétricos, afogamentos e injeções de substâncias químicas para forçar confissões.
Vieira foi condenado a três anos de prisão, enquanto Narciso cumpriu dois anos. Após a anistia, ambos seguiram na militância pelos direitos humanos. Narciso hoje coordena o grupo Tortura Nunca Mais e preserva um vasto acervo documental sobre a ditadura.
O legado da ditadura
A revisão da Lei da Anistia e a tramitação dos processos no STF representam uma nova esperança para a punição dos crimes da ditadura. A impunidade dos torturadores, que até hoje se refugiam em interpretações equivocadas da anistia, contrasta com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
Organizações de direitos humanos defendem que a responsabilização dos agentes da repressão é essencial para consolidar a democracia e garantir que crimes de lesa-humanidade não voltem a se repetir. O julgamento desses casos pode marcar o início de um acerto de contas histórico com o passado autoritário do país.
Créditos: Redação