STF reconhece assédio judicial contra jornalistas e garante proteção reforçada à liberdade de imprensa
A Corte estabeleceu como tese que constitui assédio judicial o ajuizamento de diversas ações sobre os mesmos fatos, em comarcas diferentes
Por Bruno Rodrigo

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo histórico em defesa da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão ao reconhecer, por maioria de votos, a prática do chamado “assédio judicial” contra jornalistas. A decisão foi tomada ao concluir o julgamento de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 7055 e 6792), propostas por entidades representativas da categoria: a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI).
A Corte estabeleceu como tese que constitui assédio judicial o ajuizamento de diversas ações sobre os mesmos fatos, em comarcas diferentes, com o objetivo de constranger jornalistas ou veículos de comunicação, dificultar sua defesa ou torná-la excessivamente onerosa. Uma vez identificado esse padrão, o jornalista ou o órgão de imprensa poderá solicitar a reunião de todos os processos no foro de seu domicílio.
Além disso, o STF decidiu que a responsabilização civil de jornalistas e veículos de comunicação só poderá ocorrer em caso de comprovação de dolo, quando há intenção deliberada de causar dano, ou de culpa grave, como evidente negligência na apuração dos fatos. A mera manifestação de opinião, crítica ou divulgação de informações verdadeiras não será passível de indenização.
A decisão consolida o entendimento do STF de que a liberdade de expressão tem posição preferencial no ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, em eventual conflito com outros direitos fundamentais, como a honra ou a privacidade, a liberdade de expressão deve prevalecer na maior parte dos casos, especialmente quando exercida por profissionais da imprensa sobre assuntos de interesse público.
A tese fixada reforça a jurisprudência da Corte no sentido de que a liberdade de imprensa é essencial ao regime democrático, e que o uso do Judiciário com objetivos intimidatórios pode comprometer seriamente esse direito. O relator original das ações, ministra Rosa Weber (aposentada), já havia defendido critérios mais rígidos para a responsabilização da imprensa, mas não acolheu a possibilidade de reunir os processos em um único foro. Essa parte do voto foi superada pela divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF, que acabou prevalecendo.
Assédio judicial e lawfare
O chamado assédio judicial, também conhecido como “lawfare”, tem se tornado uma preocupação crescente entre entidades de defesa da liberdade de imprensa. Trata-se do uso sistemático de processos judiciais, em geral com o mesmo conteúdo, abertos em diferentes localidades, com o propósito de intimidar, silenciar ou dificultar a atuação de jornalistas. Em casos extremos, profissionais são obrigados a se defender simultaneamente em diversos tribunais, arcando com altos custos advocatícios e se ausentando de sua atividade profissional para cumprir prazos e audiências.
O ministro Alexandre de Moraes destacou que o problema afeta não apenas a imprensa, mas também o mundo político e outros setores da sociedade.
Já o ministro Edson Fachin avaliou que, ao definir, configurar e impedir o assédio judicial, o STF dá um passo importante para frear ações que desestimulem a produção de notícias, a investigação de fatos e a veiculação de opiniões críticas.
Divergências pontuais
Embora tenha havido maioria em torno da tese central, alguns ministros apresentaram divergências quanto à forma de responsabilização civil. Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Gilmar Mendes defenderam que a análise da culpa deve seguir os critérios do Código Civil, sem afastar completamente a possibilidade de responsabilização em casos de conduta imprudente, ainda que sem dolo.
Apesar das nuances, prevaleceu o entendimento de que somente o dolo ou a culpa grave caracterizam responsabilidade civil em casos envolvendo liberdade de imprensa.
Repercussão
A decisão do Supremo foi comemorada por entidades da sociedade civil, jornalistas e organizações jurídicas. O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), que atuou no julgamento como amicus curiae, divulgou nota classificando o desfecho como uma “grande vitória judicial”.
“Num mundo em que cada vez mais reina a intolerância no campo das ideias, é preciso dar voz aos jornalistas, sem medo ou intimidações, mas com responsabilidade”, afirmou a presidente nacional do IAB, Rita Cortez.
Para o procurador do Instituto, Fernando Orotavo Neto, a decisão tem caráter histórico. “O Direito não pode ser utilizado como ferramenta de guerra para consagrar perseguições ou para deslegitimar a proteção aos direitos fundamentais, especialmente os direitos à liberdade de expressão e de imprensa”, destacou.
Na nota, o IAB lembrou que a atuação da imprensa é essencial ao Estado Democrático de Direito, e que a decisão do STF corrige uma distorção que vinha sendo usada para calar vozes críticas por meio da judicialização excessiva. “Em boa hora, o STF definiu como abuso de direito o assédio judicial a jornalistas, sem esquecer de definir os limites éticos que envolvem a atuação da imprensa.”