Produtores de tilápia temem prejuízos com possível inclusão da espécie em lista de invasoras
A cadeia produtiva do setor movimenta ração, frigoríficos, transporte e comércio, gerando mais de 2,2 mil empregos diretos e indiretos
Por Da Redação

Produtores de tilápia no Paraná acompanham com apreensão a proposta da Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que avalia incluir o peixe na lista de espécies exóticas invasoras. A medida, se aprovada, poderá impor restrições severas ou até proibir a atividade, colocando em risco milhares de produtores e elevando o preço do pescado para os consumidores.
O Paraná é líder nacional na criação de tilápias, respondendo por 36% da produção brasileira e 25% da produção total de peixes. A cadeia produtiva do setor movimenta ração, frigoríficos, transporte e comércio, gerando mais de 2,2 mil empregos diretos e indiretos e sustentando milhares de famílias no interior do estado. Além disso, o Paraná é o maior exportador nacional, com crescimento de 94% em valor e 68% em volume das exportações nos últimos dois anos.
Para o setor, a proposta da Conabio representa um risco grave a uma atividade consolidada e regulamentada há décadas. “A tilápia é uma espécie domesticada, cultivada há mais de 25 anos com autorização do Ibama e em condições controladas. Decisões precipitadas podem comprometer toda a cadeia produtiva e o emprego de milhares de famílias”, alerta Ágide Eduardo Meneguette, presidente interino do Sistema FAEP.
Ele defende que as políticas públicas considerem não apenas o aspecto ambiental, mas também os impactos sociais e econômicos. Segundo Meneguette, pequenos produtores seriam os mais afetados, por não terem condições de adaptação rápida a eventuais mudanças. “Isso pode gerar desemprego e perda de renda em regiões onde a piscicultura é uma das poucas alternativas de sustento”, acrescenta.
Debate jurídico e ambiental
O tema chega em um momento de crescente debate nacional sobre o manejo de espécies exóticas. O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral (Tema 1.426) de um processo que discute se os estados podem autorizar o controle ou a caça de espécies consideradas invasoras. A decisão do tribunal, ainda sem data de julgamento, deverá servir de orientação para todos os casos semelhantes no país.
Entre as espécies apontadas em relatórios técnicos estão búfalo, javali, sagui, pínus, tucunaré e tilápia. O Relatório Temático sobre Espécies Exóticas Invasoras, Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), alerta que as invasões biológicas já causam prejuízos de US$ 2 a US$ 3 bilhões por ano ao Brasil.
O estudo, produzido por 73 pesquisadores de diversas instituições, identificou 476 espécies invasoras registradas no país, sendo 268 animais e 208 plantas e algas, muitas delas originárias da África, da Europa e do Sudeste Asiático. O relatório aponta que as invasões ameaçam espécies nativas, comprometem o equilíbrio dos ecossistemas e geram perdas econômicas em vários setores.
Um dos exemplos mais emblemáticos é o mexilhão-dourado, que se espalhou por rios e reservatórios e provoca danos a hidrelétricas e sistemas de abastecimento de água. Em grandes usinas, como Itaipu, o custo de limpeza das estruturas pode chegar a R$ 5 milhões por dia durante paralisações das turbinas.
O outro lado do problema
Para os cientistas, a tilápia é um caso emblemático do dilema entre produção econômica e impacto ambiental. Apesar de sua importância para a aquicultura, a espécie é considerada de alto potencial invasor, capaz de alterar ecossistemas, competir com peixes nativos e modificar habitats aquáticos.
Segundo Mário Luis Orsi, biólogo e professor da Universidade Estadual de Londrina, que coordenou parte do relatório, “existem incentivos ao uso de espécies notoriamente invasoras e de alto impacto, como a tilápia e o pínus, que exercem dominância nos ambientes e ameaçam a permanência das espécies nativas”.
O documento também critica a falta de uma política nacional integrada para o controle de espécies invasoras. “Embora os benefícios da introdução intencional de espécies possam ser restritos a setores específicos, os custos e prejuízos são compartilhados por toda a sociedade”, afirma o texto.
Entre as recomendações da BPBES estão a publicação de listas oficiais de espécies invasoras, hoje inexistente em nível federal, e a adoção de práticas de manejo e contenção para evitar a dispersão de organismos com potencial de dano ambiental.
