Ponto 14

Preso confessa crime em cela e acusa penitenciária de Cascavel de omissão

Em nota, Polícia Penal confirma providências para transferência de detento envolvido em homicídio na PETBC; custodiado está em cela isolada

Por Gabriel Porta Martins

Preso confessa crime em cela e acusa penitenciária de Cascavel de omissão Créditos: Policia Penal/Divulgação

Na manhã de 17 de setembro de 2024, o detento Lucas Cruz da Silva, de 37 anos, foi encontrado morto em sua cela na Penitenciária Estadual Thiago Borges de Carvalho (PETBC), em Cascavel. O caso ganhou novos contornos após a confissão de outro preso, que admitiu o crime durante interrogatório em 12 de fevereiro de 2025, alegando legítima defesa.
As investigações culminaram na decisão da 1ª Vara Criminal de Cascavel de pronunciar o réu para julgamento pelo Tribunal do Júri. O acusado, que já cumpria pena por outros crimes, foi denunciado pelo Ministério Público por homicídio qualificado, caracterizado pelo uso de meio cruel e recurso que dificultou a defesa da vítima. Além da confissão, o réu solicitou transferência para outra unidade prisional, citando represálias de outros detentos e agentes penitenciários.

Rivalidade
O depoimento do acusado revelou que a convivência com Lucas Cruz da Silva era marcada por constantes atritos. Segundo ele, a vítima o ameaçava frequentemente, criando um clima de hostilidade na cela. Integrante de uma facção criminosa desde 2015, o réu afirmou que a tensão entre os dois se intensificou dias antes do crime.
Em 15 de setembro de 2024, dois dias antes do homicídio, o acusado redigiu um pedido de transferência, alertando para o risco de um conflito fatal. O documento foi entregue a outro detento para encaminhamento à administração da penitenciária, mas nenhuma medida foi tomada para evitar a tragédia.

O crime
No dia 17 de setembro, por volta das 9h45, uma discussão entre os dois detentos escalou para um confronto físico. O acusado relatou que, após ser atingido por um soco no rosto, reagiu com violência. “Comecei a chutar e socar. No chão, eu tinha mais vantagem. Peguei a lâmina nova, que era mais forte e afiada. Passei no pescoço dele uma vez, e o sangue começou a jorrar. Depois, percebi que precisava finalizar, porque, se eu não matasse ele, ele me mataria”, declarou. A arma utilizada foi uma lâmina de barbear industrial, retirada de um aparelho descartável dias antes. O réu afirmou que usava o objeto para confeccionar artesanatos, mas o transformou em arma letal durante o confronto. Testemunhas relataram que outros presos tentaram intervir, mas recuaram ao ver a quantidade de sangue. Após o crime, o acusado acionou os agentes penitenciários, que, segundo ele, demoraram a responder.

Julgamento pelo Tribunal do Júri
O juiz Marcelo Carneval, da 1ª Vara Criminal de Cascavel, determinou que o réu seja julgado pelo Tribunal do Júri por homicídio qualificado. A sentença manteve as qualificadoras previstas no Código Penal: emprego de meio cruel, devido à degola que causou intenso sofrimento à vítima, e uso de recurso que dificultou a defesa, já que o réu imobilizou Lucas com uma corda improvisada. A defesa argumentou legítima defesa, mas o magistrado considerou insuficientes as provas de que a vítima representava uma ameaça imediata. O réu permanece em prisão preventiva, sem perspectiva de liberação.

Maus-tratos
Durante o interrogatório, o acusado denunciou abusos e represálias dentro da penitenciária. Ele afirmou estar isolado há cinco meses em uma galeria, sem direito a banho de sol, e que sua alimentação foi sabotada com spray de pimenta. Além disso, relatou ameaças de morte e pediu transferência para unidades em Curitiba, Londrina ou Foz do Iguaçu, cidades onde se sentiria mais seguro por pertencer a uma facção criminosa. O pedido foi encaminhado à Vara de Execuções Penais, mas ainda não há decisão.

O que diz a Polícia Penal?
A Polícia Penal do Paraná informou a esta Gazeta que todas as providências necessárias para a transferência do custodiado envolvido no homicídio ocorrido na Penitenciária Estadual Thiago Borges de Carvalho (PETBC) foram formalizadas desde a data do crime. A solicitação segue os trâmites legais e aguarda definição conforme critérios de segurança e disponibilidade do sistema penitenciário. O custodiado está em cela separada como medida de preservação de sua integridade e da dos demais detentos, com acesso a pátio de sol individual e visitas restritas ao parlatório. Sobre as denúncias apresentadas, a Corregedoria da Polícia Penal instaurou uma sindicância para apuração dos fatos, que foi concluída e arquivada por ausência de irregularidades funcionais. No entanto, a PPPR continua colaborando com a Justiça para a apuração das circunstâncias do crime e de sua autoria.

O que diz a Comissão de Execução Penal da OAB?
Diante das recentes denúncias envolvendo um detento e o teor de sua confissão, a Gazeta buscou o posicionamento da Comissão de Execução Penal da OAB Cascavel, presidida por Suelane Gundim, para comentar o caso. A comissão destacou a importância de uma apuração transparente e imparcial, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa, tanto para os internos quanto para os agentes responsáveis pela segurança no sistema prisional.
Suelane ressaltou que não teve acesso ao inteiro teor da denúncia, mas considera fundamental que as alegações sejam investigadas com rigor. A entidade reforçou a necessidade de verificar se houve falhas na adoção de protocolos de proteção e, caso confirmadas, que os responsáveis sejam devidamente responsabilizados. "É essencial que haja transparência e imparcialidade no processo de apuração", afirmou.
Além disso, Suelane reiterou a importância de medidas estruturais para combater problemas crônicos do sistema prisional. Entre as ações sugeridas estão o combate à superlotação carcerária, o reforço da fiscalização externa e independente por parte do Ministério Público, Defensoria Pública e Conselho Penitenciário, a criação de canais seguros para que detentos possam reportar violações de direitos e a reavaliação das condições de convivência dentro dos presídios. "Essas são medidas que a OAB vem solicitando de forma contínua".