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Presidente do TCE-PR aposta na renovação e quer abrir portas da Corte: 'Não somos uma caixa estanque'

Por Giuliano Saito


Aos 65 anos, Fernando Guimarães é o decano da Corte e volta à presidência para o biênio 2023-2024. Em entrevista exclusiva ao g1, conselheiro falou de como o tribunal passa por 'reciclagem natural'. O decano do tribunal, Fernando Guimarães TCE-PR Nesta quarta-feira (1º) o conselheiro Fernando Guimarães preside a primeira sessão ordinária do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) da atual gestão. Aos 65 anos, o atual decano presidirá a Corte no biênio 2023-2024. De volta à presidência, o conselheiro afirmou, em entrevista exclusiva ao g1, ter o propósito de abrir as portas do tribunal. Na bagagem, diz trazer ensinamentos deixados pela pandemia e o desejo de renovação. "É principalmente criar uma cultura de que nós estamos à disposição, de que nós não somos uma caixa estanque. Quando eu tenho essa informação, eu consigo orientar, conduzir os trabalhos da equipe do tribunal." Guimarães atua no tribunal há quase trinta anos. Começou em 1994 como procurador junto ao TCE-PR e, desde 2002, é conselheiro. Ele também presidiu a Corte no biênio 2011-2012. Sem toga ou terno, de camisa com mangas dobradas expondo tatuagens no braço, barba comprida e brincos, o presidente diz querer aproximar a Corte da população e informar de um jeito simples e didático. "Cada região ou cada aspecto que você vai discutir tem que ser pensado, utilizados até a Ciência Política, as Ciências Sociais. Pensar qual é público que você vai atingir, para que eles façam uma comunicação eficiente." No gabinete do presidente, fotos que ele próprio tirou mundo afora g1 PR Guimarães argumenta que muitas vezes o gestor público tem medo de ousar, de usar novos mecanismos de gestão e de tomada de decisão. O presidente cita quando, na primeira gestão no comando do TCE-PR, promoveram audiência pública no centro oeste do estado para debater o Orçamento de políticas agrícolas. O encontrou foi às 6h da manhã e contou cerca de 400 pessoas. "Que horas que o agricultor acorda? Quatro da manhã. Qual foi o coffee break? Frango com polenta, que é parar ter calorias e trabalhar o dia todo no campo. Foi uma ousadia? Foi. Quatrocentas pessoas discutindo. Não adianta fazer uma comunicação, por exemplo, para a dona de casa e falar como se fosse falar para uma professora." DJ, fotógrafo, mergulho e aquários: os hobbies do atual presidente do TCE-PR Divulgação Diversidade do Tribunal de Contas Entre os desafios do novo presidente estão, por exemplo, conduzir um tribunal que, desde a criação em 1947, nunca teve uma mulher como conselheira. A falta de diversidade esbarra na forma de escolha do membros. O tribunal é composto por sete conselheiros: quais escolhidos pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e três pelo governador. Dentre os indicados do Poder Executivo, um deve ser auditor do TCE-PR, um deve ser membro do Ministério Público junto ao tribunal e o terceiro é de livre escolha. Nomeado, o conselheiro permanece no cargo até a aposentadoria compulsória - aos 75 aos de idade. Os próprios conselheiros elegem, em votação secreta, o presidente. A reeleição é proibida. Guimarães argumenta que o tribunal tem menos membros se comparado, por exemplo, com o Tribunal de Justiça do Paraná. Porém, destaca que, quanto mais pluralidade houver na Alep, mais chances de a diversidade se refletir na Corte de Contas. Nos planos do presidente para os próximos dois anos também estão a capacitação de gestores públicos e a intensificação de parcerias com universidades estaduais. Confira a seguir os destaques da entrevista ao g1. Quais devem ser os principais desafios da sua gestão como presidente do TCE-PR? "Para mim, os principais desafios seriam reinventar o tribunal, reinventar as pessoas e me reinventar depois de uma pandemia. Porque nós temos um cenário que foi a pandemia e hoje esse cenário de polarização. Como é que nós vamos nos reinventar como pessoas e instituições? Como diminuir essas desigualdades ideológicas, esse abismo que está existindo entre posições polarizadas? Mas quando a gente fala sobre o TCE, seria reinventar este Tribunal de Contas, ser mais ativo no sentido de gerar informações de qualidade, para que os embates possam ser moderados sob o aspecto técnico, independente de demanda. O desafio maior é que as pessoas, que a sociedade civil organizada, os jurisdicionados, venham ativamente para nós. Não só nós termos uma posição mais proativa, mas que se acostumem a demandar essas informações, a buscar esse tipo de parceria informacional. Vamos dizer assim, construir essa rede." Fernando Guimarães é conselheiro do TCE-PR desde 2002 g1 Paraná Diminuir essa distância entre um tribunal, que muitas vezes é visto como tão austero e elitizado? "As pessoas não entendem para quê serve o Tribunal de Contas. Nós somos um ilustre desconhecido, a gente sempre brinca. Porque nós temos uma fama que às vezes não é boa, mas sem nos conhecermos a fundo. Talvez até pelo histórico em nível de sistema nacional, eu não estou focalizando no Paraná. Porque as 'mazelas', que ao longo do tempo vêm, a questão do perfil institucional, isso vem do Brasil inteiro, não é só aqui." Então como o senhor pretende apresentar esse ‘ilustre desconhecido’ daqui para frente? "Em canais de comunicação simples, acessíveis, numa linguagem que a maioria entenda e não só o público especializado. Sejam gestores, sejam cientistas, políticos ou acadêmicos, e que o cidadão se sinta à vontade para buscar uma informação via site, via canais fáceis, de uma forma que ele não se sinta inibido de procurar, seja por descrença, seja por achar que as informações são de difícil entendimento." O que a democracia, o controle fiscal, ganham quando a população, a sociedade civil se apropria dessas informações do Tribunal de Contas? "É muito simples: quem são os detentores do poder? O povo. Quando você tem instrumentos para isso, para ir em uma audiência pública discutir um orçamento... Por que que a população não vai? Primeiro porque não se cumpre um dever da Lei de Responsabilidade Fiscal de incentivar a participação popular nos debates no parlamento ou no Executivo na formulação do Orçamento. Para o cidadão não interessa “ah, vou investir um R$ 1,433 milhão na saúde. Para ele interessa quanto isso representa em posto de saúde, em contratações de médicos, por exemplo. Quando você tem uma facilidade da informação, as pessoas ficam mais à vontade. Isso também diminui muitos embates políticos sobre um programa, sobre uma política pública, e incentiva um pouco o cidadão a participar também do acompanhamento da execução daquela política pública. Ou seja, despertar o sentimento de pertencimento. Isso me pertence, não pertence ao governo, pertence a mim e a você." Desde a criação, em 1947, tribunal nunca teve uma mulher como conselheira g1 PR O que muda quando o poder público sabe que o povo está fiscalizando o dinheiro? "Inibe, inibe muita coisa, e força também um amadurecimento técnico daquela proposta. Quando há troca de ideias, puras, não no sentido ideológico, político-partidário, você amadurece. Eu sempre digo que qualquer discussão amadurece conceitos. Você questiona, eu respondo, aí eu te questiono e nós vamos formando uma opinião comum e ganha a fiscalização no sentido da qualidade do gasto, não só a legalidade do gasto." O TCE-PR tem estudos sobre e os números preliminares do Censo 2022 também mostram os desafios fiscais principalmente dos menores municípios, que esbarram no risco de ficarem inviáveis. Na sua posse, o senhor destacou a intenção de capacitar municípios, mas principalmente os Legislativos. De que forma isso seria feito? "A gente vem desenvolvendo ao longo do tempo, desde a criação da Escola de Gestão, tem capacitado milhares de pessoas focadas no gestor, no Executivo, das entidades diretas e indiretas e também da sociedade e dos profissionais do direito, contabilidade, engenharia, etc. Por que eu falo que nós vamos dar o foco no Legislativo? O vereador, os técnicos, precisam de informações e conceitos técnicos para melhor avaliar as contas daquele município. Principalmente com nessa nova modelagem que nós vamos dar no parecer prévio, que ele deve ser menos técnico e muito mais informativo, com indicadores de gestão de programas e políticas. Então, vamos precisar capacitar e dar informações para que os vereadores possam confrontar, comparar aqueles indicadores, aqueles dados. Também vamos trazer para perto do tribunal as universidades. Vamos buscar essa massa crítica dos professores, dos alunos, deixar proativo, participar das atividades. No Paraná, ao contrário dos outros estados, tem mais universidades estaduais do que federais. Elas estão localizadas regionalmente: Universidade de Londrina, Maringá, Unioeste, Unespar. Precisamos localizar essa academia. Então, incentivar cada vez mais isso ser levado ao tribunal, de forma cada vez mais ativa, para consultas públicas, audiências públicas em programas, por exemplo. Mas também estamos à disposição para que a comunidade nos solicite a participação em algumas audiências públicas, consultas públicas, que acharem necessário." Conselheiro Fernando Guimarães quando presidiu o TCE-PR entre 2011 e 2012 g1 PR Recentemente o TCE-PR firmou uma parceria para passar a elaborar o MapBiomas. De que forma o tribunal ajudará no monitoramento do uso da terra? "Desenvolvendo ferramentas de controle, de fiscalização e de captação de informações. Porque, se nós não tivermos uma parceria, quem que vai dar informação se está tendo um desmatamento lá na barranca na margem do Rio Paraná? Eu posso usar satélite? Posso. Mas o cidadão que está lá é que sabe. Isso são informações que vem pelo canal da Ouvidoria ou por aplicativos para o nosso site, ou por outro canal de atendimento. São informações para que ocorra uma trilha de fiscalização, uma trilha de auditoria. Algumas ferramentas nós já temos. Mas é principalmente criar uma cultura de que nós estamos à disposição, que nós não somos uma caixa estanque. Quando eu tenho essa informação, eu consigo orientar, conduzir os trabalhos da equipe do tribunal. Nós vamos buscar algumas questões que, embora não tenham sido trazidas para nós, podem ser nossa competência. Podemos atuar para evitar... ativamente. Não esperar ser provocado." O que a pandemia teve a ensinar para um órgão como o TCE-PR? "Que todos nós temos que nos reinventar, independente do tempo de instituição, das suas funções e das suas competências. Porque funções, competência e o papel das instituições são coisas diferentes. Competência é aquilo que a lei nos dá, funções são aquilo que nós temos que fazer, e papel aquilo que nós devemos fazer além das nossas funções, como participar mais da sociedade com redes de controle. E a pandemia nos serviu para quê? Rui Barbosa já dizia: 'De mudar nem o céu nem o inferno escapam'. Então, nós temos que mudar. E acho que a pandemia nos trouxe muitos ensinamentos. Eu tenho uma visão de ser uma pessoa como não chefe, mas como responsável da supervisão de algumas pessoas, de que nós temos sempre que estar abertos para novas caminhos, embora, às vezes, exista uma resistência, mas a pandemia nos deu... Nós podemos criticar o que passamos ou aproveitar aquilo que passamos. E eu acho que temos que aproveitar aquilo que passamos, seja com o trabalho remoto, seja com visões mais humanitárias. Porque as instituições são feitas através de regras de funcionamento de poder, mas quem dá alma às instituições somos nós. Se a gente não aproveitar essa reciclagem que nós tivemos, a gente perde o caminho da história, vamos ficando para trás." Mudar uma cultura institucional pode ser muito difícil. Agora, com o senhor voltando para a Presidência, o senhor avalia que seus pares estão abertos a fazer parte dessa mudança? "Sem dúvida, lógico que incentivam. Por quê? Porque muitos deles, como eu, acompanhamos a evolução do tribunal. Hoje, eu como decano, acompanhei por mais tempo do que outros, mas acompanharam, e o tribunal vem evoluindo. Vem mudando o Brasil inteiro, o desenvolvimento de classes, a Atricom, o Instituto Rui Barbosa, convênios inclusive com a ONU que nós estamos fazendo, não é uma mudança, mas uma reciclagem natural dos nossos ideais, das nossas propostas e objetivos. Ou seja, e com muitos novos que entraram agora, têm uma ideia de um tribunal, mais aberto, mais participativo." O senhor falou do desejo de tornar o tribunal mais acessível, mais aberto. Como o senhor explicaria para a população qual é o papel do TCE? "Essa pergunta é a mais fácil, mas ao mesmo tempo é a mais difícil de responder. O papel do Tribunal de Contas ele é um instrumento democrático à disposição da sociedade e não para a defesa do Estado. Todo mundo acha que o tribunal defende o estado, o município, patrimônio, recursos, receita etc. Não, o tribunal defende o justo sobre aspectos da legalidade e principalmente dos resultados. Então, nós somos um instrumento à disposição de vocês. Se vocês usarem, eu te garanto que vocês vão ter resposta. O tribunal não é feito só de sete conselheiros. O tribunal é feito de servidores, de colaboradores, de parceiros. Todos, eu posso garantir para vocês têm boas intenções, querem ter resultados. Então, não pensem que nós somos uma instituição fechada, não somos uma caixa estanque. Nós já fomos ao longo dos anos. O tribunal foi criado por Rui Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda da República. Nós não somos mais aquela instituição que é só isso. Hoje, nós somos uma ferramenta social e não uma instituição política." Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) g1 PR Os vídeos mais assistidos do g1 PR: Mais notícias do estado em g1 Paraná.