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Pesquisa da Fiocruz premiada na Europa propõe substituir uso de camundongos em testes de antiveneno de cobras

Estudo da bióloga Renata Norbert, do INCQS, desenvolve método inédito no mundo e reduz em até 69% o custo dos ensaios de controle de qualidade

Pesquisa da Fiocruz premiada na Europa propõe substituir uso de camundongos em testes de antiveneno de cobras Créditos: van Mattos/Zoológico de Brasília

A bióloga Renata Norbert, do Instituto Nacional de Controle da Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz), foi premiada pela Sociedade Europeia para Alternativa de Testes em Animais durante o 13º Congresso Mundial de Alternativas ao Uso de Animais, realizado recentemente. O trabalho, que propõe substituir camundongos por ensaios in vitro no controle da qualidade de soros contra o veneno de cobras do gênero Bothrops, também recebeu menção honrosa do Centro Nacional para a Substituição, Refinamento e Redução de Animais em Pesquisa, entidade científica do Reino Unido.

O estudo é considerado pioneiro e alcançou a fase de pré-validação, etapa inédita em pesquisas de antivenenos em todo o mundo. Segundo Renata, essa fase comprova a eficácia do método em testes laboratoriais e abre caminho para sua aplicação prática em laboratórios produtores.

Alternativa mais rápida e econômica

A metodologia substitui os tradicionais testes com camundongos por células Vero cultivadas em laboratório, que reagem a uma mistura de soro com veneno. Se as células permanecem intactas, o antiveneno é aprovado; caso apresentem alterações, o soro é reprovado.

De acordo com a pesquisadora, o novo método reduz em até 69% os custos e encurta o tempo de análise, liberando resultados em cerca de uma semana — enquanto os testes em animais podem levar mais de um mês. Além da economia, o modelo evita o sofrimento dos roedores, que são submetidos a procedimentos dolorosos e posteriormente sacrificados.

“O nosso método é simples e rápido. Depois da validação, o ganho será imenso para a ciência e para a ética na pesquisa”, destacou Renata.

Reconhecimento e próximos passos

O reconhecimento internacional reforçou o avanço do projeto, que agora entra na etapa final: a validação interlaboratorial, quando outros centros científicos vão reproduzir o método para confirmar sua robustez. “Acho que esse foi o maior diferencial do nosso trabalho: conseguimos avançar um passo a mais na validação”, explicou a bióloga.

O INCQS já utiliza técnicas de cultivo celular para liberação de vacinas, mas este é o primeiro estudo voltado a venenos. A intenção é, após a aprovação dos resultados, incluir a metodologia na farmacopeia brasileira e montar kits de ensaio que possam ser usados em diferentes laboratórios.

Renata também pretende expandir a pesquisa internacionalmente, aplicando o método em outras espécies do gênero Bothrops, presentes em países como Costa Rica e Colômbia. A expectativa é que o modelo esteja pronto para uso prático a partir de março de 2026.

Contexto e impacto

As serpentes Bothrops — conhecidas popularmente como jararacas, cotiaras e urutus — são responsáveis por cerca de 90% dos casos de envenenamento por cobras no Brasil, segundo o INCQS. Apenas neste ano, o DataSUS registrou 12 mil acidentes envolvendo o gênero.

O veneno dessas serpentes pode causar hemorragias, necroses e amputações, e o tratamento depende exclusivamente de antivenenos produzidos por instituições públicas, como o INCQS, o Instituto Butantan, o Instituto Vital Brasil e a Fundação Ezequiel Dias.

Apesar da gravidade dos casos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica os acidentes com Bothrops como doença tropical negligenciada, por não despertarem interesse comercial na indústria farmacêutica.

“Nosso sonho é ver esse método aplicado na prática, melhorando a segurança, reduzindo custos e eliminando o sofrimento animal”, concluiu Renata Norbert.

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