Comissão da OAB acompanha caso de homicídio de detento na PETBC
Comissão da OAB Cascavel apura homicídio de detento na PETBC, investigando superlotação e falhas na segurança enquanto busca soluções para o sistema prisional
A morte de um detento na Penitenciária Estadual Thiago Borges de Carvalho está sendo acompanhada pela Comissão de Execução Penal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Cascavel. Segundo Suelane Gundim, que concedeu entrevista à esta Gazeta, a Comissão de Execução Penal da OAB Cascavel acionou a direção da unidade para obter informações preliminares. “Entramos em contato imediatamente e iniciamos a coleta de dados. A partir disso, encaminhamos pedidos de providências judiciais ao corregedor dos presídios e acompanhamos as investigações da Polícia Civil”, detalha.
Segundo informado pela advogada, já havia um pedido de providência por outros motivos que envolve a unidade prisional sobre outros homicídios dentro da penitenciária.
O objetivo é apurar se houve omissão do Estado ou se fatores como superlotação e falhas na segurança contribuíram para o ocorrido. “Precisamos dos resultados para entender o cenário e buscar soluções junto às autoridades locais e, se necessário, federais”, acrescenta.
A Comissão de Execução Penal não descarta levar o caso a instâncias superiores, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), caso as investigações apontem negligência grave. “Nosso papel é garantir que os direitos humanos sejam respeitados e que falhas no sistema sejam corrigidas para evitar novos episódios de violência”, reforçou.
A Comissão, na qual é presidida por Suelane Gundim, tem realizado ações para assegurar o respeito aos direitos dos presos e prevenir episódios de violência nas unidades prisionais da região. “Essa comissão já atua há mais de um ano dentro das penitenciárias. Realizamos inspeções em toda a comarca, com o objetivo de verificar o cumprimento dos direitos dos presos previstos em lei” explica. As visitas avaliam condições de alimentação, acesso a medicamentos, superlotação e infraestrutura.
A OAB mantém parceria com o Departamento Penitenciário (Depen) e a Defensoria Pública, resultando em recomendações às direções das unidades prisionais e, quando necessário, no envio de ofícios às autoridades locais e estaduais.
A advogada lembrou episódios de rebeliões nas penitenciárias da região, em 2014 e 2017, como motivação para o trabalho preventivo. Em setembro, a comissão se reuniu com a direção geral do Depen para discutir a situação prisional no Oeste do Paraná. “Nosso intuito é evitar que tragédias como as rebeliões do passado se repitam”, afirmou.
Superlotação
Outro problema destacado pela advogada é a superlotação na unidade prisional. "Posso afirmar com toda a certeza que há uma superlotação. Esse é um problema reconhecido por todas as autoridades competentes e exige solução urgente”. O sistema prisional do Paraná enfrenta um cenário crítico de superlotação. Dados recentes do Estado, levantados pela Gazeta para elaborar esta reportagem, revelam que o sistema possui atualmente 39 mil presos, enquanto sua capacidade é para apenas 29 mil, resultando em uma superlotação de 10 mil detentos.
Em Cascavel, a situação também é preocupante. O levantamento de 2024 mostra que há pouco mais de 2,5 mil detentos em unidades projetadas para 1,6 mil, configurando uma superlotação de 966 presos.
Se comparado ao ano anterior, os números de 2023 indicavam uma população carcerária de 2,2 mil presos para a mesma capacidade de 1,6 mil, com uma superlotação de 608 detentos. Ou seja, houve um aumento de detentos na penitenciária em pouco mais de 13%. aumento expressivo em apenas um ano reflete o agravamento das condições no sistema penitenciário local.
Gundim afirma que esse ciclo compromete a qualidade da gestão prisional e das condições de trabalho no sistema. “A falta de pessoal e de recursos impacta diretamente todo o sistema”. Mesmo com um concurso público em vista, ela questiona se o número de novos servidores será suficiente para atender à demanda crescente.
Suelane reforçou que os problemas do sistema prisional exigem uma articulação ampla e esforços conjuntos entre as instituições. “A solução não passa por culpar órgãos específicos, mas por unir forças para apontar problemas e sugerir soluções”.
Em 2021, não houve registros de superlotação. Na época, uma unidade com capacidade para 1.550 presos abrigava 1.470, resultando em 80 vagas sobrando e sem registro de superlotação.
A presidente também destacou o papel da OAB como mediadora e agente de transformação. “Nosso compromisso é contribuir com propostas concretas, buscando sempre um diálogo construtivo e eficiente. A problemática do sistema prisional é multifacetada e demanda ações coordenadas entre diversas instâncias do Estado”.
Com o caso do detento ainda sob investigação, a OAB Cascavel segue monitorando os desdobramentos dentro de sua esfera de atuação, colaborando para promover justiça e soluções estruturais.
Entenda o caso
No dia 23 de novembro, Valério Savedra, de 44 anos, foi encontrado morto na cela onde estava detido. Segundo depoimentos, a morte ocorreu após ele ser agredido por outros presos, supostamente motivados pela chegada de um documento oficial informando que ele respondia a acusações de estupro.
Os relatos indicam que o documento provocou um “clima estranho” na cela e teria sido lido na noite do incidente, desencadeando discussões e agressões. Contradições nos depoimentos dificultam identificar os responsáveis, mas é consenso que a leitura do documento foi o estopim para os atos de violência.
Savedra apresentava sinais de fraqueza após as agressões, e, embora os presos afirmam que chamaram agentes penitenciários e equipe de saúde, ele não resistiu. A origem do documento ainda é investigada, assim como eventuais falhas na sua entrega.
Culpa?
A Gazeta também ouviu o advogado Marcelo Navarro, sobre a questão da responsabilização do Estado em casos de mortes de detentos. Navarro afirmou que acusações de crimes contra a liberdade sexual frequentemente provocam hostilidade entre os presos, tornando essencial a adoção de medidas protetivas, como a separação desses indivíduos em áreas específicas. Segundo o advogado, em muitos casos, as informações sobre o perfil do detento chegam tardiamente às autoridades carcerárias, dificultando ações preventivas.
O advogado ressaltou ainda que, além da investigação criminal para apurar a responsabilidade pela morte, é essencial avaliar se houve falhas administrativas ou operacionais dentro da unidade prisional. “A direção e os funcionários da penitenciária precisam ser ouvidos para esclarecer se houve negligência na proteção do detento, seja por falta de separação adequada ou pela divulgação de informações sigilosas aos demais presos”, destaca Navarro.
O Estado, segundo o jurista, é responsabilizado por qualquer morte ou violência sofrida por detentos, menos em situações onde fica comprovado que a vítima tenha causado a própria morte, o que, neste caso, não parece ser aplicável. “A jurisprudência é pacífica quanto à obrigação de indenização à família do detento morto, em razão da omissão do Estado na proteção à sua segurança e à sua integridade física”, explicou.
Navarro também enfatizou que o caso exige uma apuração detalhada sobre a origem da informação que levou à agressão fatal. Entre as hipóteses, ele mencionou a possibilidade de que documentos oficiais tenham sido divulgados de forma indevida ou de que rumores tenham circulado entre os detentos. “Se for comprovado que houve negligência por parte de servidores ou falha no sistema de comunicação da justiça, essas pessoas podem ser responsabilizadas administrativa ou até criminalmente”, afirmou.