Ponto 14

O que se sabe sobre o caso Caio Lemes, estudante morto com tiro na cabeça durante abordagem da Guarda Municipal em Curitiba

Por Giuliano Saito


Caio Lemes tinha 17 anos. Entenda fatos como as câmeras de monitoramento das fardas estarem desligadas e divergência de narrativas entre os agentes e outros detalhes. Garoto de 17 anos estava no 3º ano do Ensino Médio Arquivo da família No fim de março, o adolescente Caio José Ferreira de Souza Lemes, de 17 anos, morreu após ser baleado na cabeça por um guarda municipal na Cidade Industrial de Curitiba (CIC). Em boletim de ocorrência, guardas citam legítima defesa. Entretanto, após o depoimento de um dos agentes presentes na abordagem as investigações tiveram uma reviravolta. Leia o que se sabe sobre o caso até então: Quem era Caio José Ferreira de Souza Lemes Quem são os guardas envolvidos na abordagem O que diz o Boletim de Ocorrência registrado pelos guardas municipais Guarda presente na abordagem diz que jovem não era alvo de revista e que faca foi colocada no local Dois guardas são investigados pela situação O que falam outras testemunhas Câmeras acopladas nas fardas não gravaram a ação Câmeras de segurança gravaram guardas correndo atrás de Caio Guarda que atirou demonstrou arrependimento Quem era Caio José Ferreira de Souza Lemes Caio José Ferreira de Souza Lemes tinha 17 anos e estava no 3º ano do Ensino Médio. De acordo com a família, o jovem estudava no Colégio Julia Wanderley. O pai, Claudio Lemes, disse que o filho nunca reprovou na escola, vem de uma família estruturada, e nunca teve envolvimento com a criminalidade. "Eu preciso saber o que houve com o meu filho, só isso que eu quero, porque tiraram a vida do meu filho, um garoto de 17 anos, que tinha uma vida inteira pela frente. Eu só quero saber como aconteceu, o que houve, eu só quero respostas, a minha vida está destruída", afirmou. De acordo com o pai, Caio sempre andou pela região onde foi baleado. O jovem, afirma o pai, vivia pelo bairro com os amigos da escola, soltando pipa, cortando o cabelo, conversando com os colegas. Homenagens ao adolescente morto após ser baleado pela Guarda Municipal de Curitiba Acervo Pessoal Quem são os guardas envolvidos na abordagem Três agentes faziam parte da equipe envolvida na abordagem que resultou na morte do adolescente: Edilson Pereira da Silva, autor do disparo, Anderson Bueno e Edmar Junior. O que diz o Boletim de Ocorrência registrado pelos guardas municipais No Boletim de Ocorrência (B.O) registrado inicialmente pelos guardas municipais, os agentes afirmam que faziam patrulhamento preventivo quando foram informados por um motorista de que havia pessoas na região suspeitas de tráfico de drogas. De acordo com o boletim, os guardas foram ao local indicado e viram quatro pessoas com as características citadas pelo denunciante. Segundo os guardas, Caio era um dos integrantes do grupo e teria fugido. Então, os guardas afirmam ter ido atrás do adolescente – dois a pé e um com a viatura. De acordo com o documento, o agente que estava de carro cercou Caio, que teria feito movimento indicando que iria se deitar. Porém, nessa hora, o guarda afirma que o adolescente tirou do boné uma faca de 25 centímetros. O agente diz ter se sentido ameaçado e, para resguardar a própria vida, disparou com arma de fogo. O boletim de ocorrência não diz quantos tiros foram dados. Caio foi socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu. Na calça do garoto, segundo o documento, foram encontrados dois tabletes de sete centímetros de substância parecida com maconha, um celular e um cartão transporte. Guarda presente na abordagem diz que jovem não era alvo de revista e que faca foi colocada no local De acordo com guarda, faca foi colocada na cena após adolescente ser baleado Reprodução O guarda municipal Anderson Bueno disse à polícia que o jovem não era alvo da revista inicial feita pela equipe. Segundo Bueno, Caio passou correndo pelo local onde ocorria uma abordagem, momento em que começou a ser perseguido pela equipe policial. O agente afirmou que acredita que o jovem tenha se assustado ao ver a abordagem acontecendo e, por isso, correu. "No momento em que nós descemos estavam só três pessoas. O Caio não estava ali. O Caio não estava entre os abordados", afirmou o guarda. Segundo Anderson, após verem o estudante correndo, ele e outro guarda da equipe, Edmar Junior, correram a pé em direção ao jovem. O terceiro integrante da equipe, Edilson Pereira da Silva, entrou na viatura policial e perseguiu Caio com o veículo, o alcançando mais rapidamente. Conforme o relato de Anderson, a viatura bateu contra uma mureta, o que assustou Caio, que parou de correr, colocou as mãos na cabeça, se ajoelhou e mencionou que iria deitar no chão. Anderson afirma que logo em seguida ouviu um barulho de tiro, se aproximou e viu a lesão na cabeça do estudante. Ele conta ainda que pediu para que vizinhos chamassem o socorro para atender o jovem. De acordo com o relato de Anderson Bueno, não houve pedido da população para que a equipe fosse ao local. A versão também é diferente da registrada inicialmente no Boletim de Ocorrência. Segundo Bueno, o chefe da equipe quis passar pela região porque havia suspeita de alguém com mandado de prisão em aberto circulando pelo bairro. Anderson Bueno afirmou durante o depoimento que o jovem baleado não estava com uma faca, como foi indicado pelo Boletim de Ocorrência. Segundo o agente, após a situação ouviu um barulho de metal caindo no chão e viu a faca próxima ao adolescente. Entretanto, Bueno alega que o objeto havia sido apreendido pela mesma equipe policial em uma abordagem anterior, feita no Parque Municipal Mané Garrincha. "Se você pegar, não vai ter digital do piá na faca, porque ela não estava ali no local", afirmou durante o depoimento Guarda presente em ação que terminou na morte de adolescente dá detalhes da abordagem Dois guardas são investigados pela situação Edilson Pereira da Silva, guarda indicado como autor do disparo que vitimou o adolescente, é investigado por homicídio culposo – quando não há intenção de matar – e fraude processual. O outro agente, Edmar Junior, é investigado por fraude processual. No início de abril os dois foram até a delegacia responsável pela investigação do caso para prestar depoimentos. Eles não falaram com a imprensa e permaneceram em silêncio durante o depoimento. A defesa dos dois afirmou que eles irão se pronunciar quando tiverem acesso a todas as peças, laudos e depoimentos do inquérito. Guardas investigados prestaram depoimento Reprodução/RPC Anderson Bueno, que também estava na abordagem foi ouvido como testemunha. De acordo com Eric Guedes, delegado responsável pelo caso, Bueno não prestou depoimento na Central de Flagrantes e nem participou da confecção do Boletim de Ocorrência. Guedes entendeu que o guarda não cometeu o crime de fraude processual e, portanto, não é mais investigado. O que falam outras testemunhas Uma testemunha ouvida pela Polícia Civil do Paraná (PC-PR) afirmou que ouviu um dos guardas municipais envolvidos dizer na abordagem dizer "putz, disparou", logo após Caio ser baleado. À polícia, a testemunha afirmou que quando o disparo aconteceu, Caio estava rendido. Disse, também, que o jovem não estava armado e fez "tudo que o policial pediu". O depoimento foi obtido com exclusividade pela RPC. "O policial pegou e falou pra ele assim de novo: 'mão na cabeça', pra ele voltar com a mão, e mandou ele deitar. Daí quando ele já tinha deitado, quando ele levou a mão na cabeça o policial chegou perto dele e daí disparou. Então ele falou assim: 'putz, disparou'", relatou. A testemunha afirmou também em que no momento em que estava rendido o jovem já não usava mais o boné. No B.O registrado pela equipe policial, os guardas afirmam que o adolescente teria tirado uma faca de 25 centímetros do acessório. Câmeras acopladas nas fardas não gravaram a ação Havia câmera de monitoramento acoplada à farda dos guardas, contudo, eles alegam que o equipamento estava ligado, mas sem gravar. Conforme a prefeitura, todos os agentes receberam treinamento para uso das câmeras. A defesa dos guardas envolvidos alegou que eles não tiveram tempo de ligar os equipamentos, mesmo durante o caminho que os agentes fizeram para averiguar a situação que envolvia Caio. O decreto que regulamenta o uso das câmeras por guardas municipais de Curitiba determina que a gravação deve ocorrer de forma ininterrupta, no mínimo, por 12 horas, com captação de áudio e vídeo. O texto estipula também que o material deve ser armazenado por um ano, mas não prevê punições caso as gravações não sejam realizadas. Câmeras de segurança gravaram guardas correndo atrás de Caio Imagens mostram momento em que guardas perseguem jovem durante abordagem Imagens anexadas ao inquérito mostram o momento em que guardas municipais correm atrás do jovem. Assista acima. No vídeo é possível ver os agentes fardados e com armas em punho. Caio está sem camiseta, de bermuda e com um boné vermelho na cabeça. Em determinado momento, não é possível mais ver os guardas, nem o adolescente, e é possível ouvir um barulho, que parecer ser um tiro. Guarda demonstrou arrependimento Conforme o depoimento do agente Anderson Bueno, o guarda indicado como responsável pelo disparo demonstrou arrependimento logo após a situação. Bueno afirmou que após o tiro, Edilson Pereira da Silva perguntou repetidamente "meu Deus, o que aconteceu?" e que ouviu o colega dizer que "tinha acabado com a própria vida". VÍDEOS: mais assistidos do g1 Paraná Leia mais notícias no g1 Paraná.