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O que a reforma do Teatro Paiol diz sobre a preservação do patrimônio histórico de Curitiba? Saiba o que pensam especialistas

Por Giuliano Saito


Reforma na fachada do espaço repercutiu nas redes sociais. Intervenção nas paredes externas do edifício foi criticada por mudar características originais do imóvel. Reforma no Teatro Paiol, em Curitiba Daniel Castellano / SMCS A reforma da fachada do Teatro Paiol, em Curitiba, repercutiu nas redes sociais. Entre as críticas feitas pelos internautas está principalmente a pintura externa, que mudou características originais do edifício. O antigo paiol de pólvora, no bairro do Prado Velho, foi transformado em teatro e inaugurado em há mais de 50 anos. Atualmente o prédio passa por uma reforma. Para entender o que a obra em andamento tem a dizer sobre a preservação do patrimônio histórico cultural da capital paranaense, o g1 ouviu: uma profissional envolvida na reforma, o arquiteto responsável pela transformação do espaço em teatro e uma especialista em conservação e restauração de monumentos históricos arquitetônicos. Leia mais: 'Totalmente equivocado', afirma arquiteto sobre reforma no Teatro Paiol; prefeitura diz que intervenção foi necessária Entre os pontos abordados estão a preservação do imóvel, a intervenção a fachada sofreu, o que a fachada antiga representava para a história do prédio, a obra em andamento e os próximos passos no cuidado com o edifício. Antes e depois do Teatro Paiol Initial plugin text Preservação do imóvel A arquiteta especialista em restauro Silvia Bueno Zilotti é uma das autoras do projeto de reforma. Ela afirma que o objetivo foi preservar o imóvel e garantir a continuidade da existência dele. "Para mim, como conservadora, o importante é que esse imóvel está protegido, tem uma sobrevida, está resguardado na sua essência", diz. Ainda conforme Zilotti, a pintura protege o edifício, mas não prejudica a existência dele enquanto patrimônio cultural. "A primeira pintura é necessária para a proteção, mas depois, o trato com esse imóvel a própria população pode decidir. Não vai prejudicar a permanência desse imóvel no tempo, muito menos como patrimônio cultural. O patrimônio cultural é um registro, por isso que a gente se esforça tanto para que ele se mantenha no tempo", afirma. Fachada antiga do Teatro Paiol, em Curitiba Maurilio Chelli/SMCS Monumento descaracterizado A avaliação de Iaskara Florenzano, arquiteta especialista em Conservação e Restauração de Monumentos Históricos Arquitetônicos, é a de que, no sentido de preservação histórica, a intervenção descaracterizou e comprometeu a integridade do monumento. Para ela, em Curitiba não há preocupação com a manutenção do patrimônio histórico. Ela cita outros casos como a demolição da fábrica da Matte Leão e da Casa Erbo Stenzel. "O resultado é o que estamos vendo nos últimos anos: perdas, apagamentos e confusão. Estas ações não fazem parte de um movimento pela destruição do patrimônio, mas dizem muito sobre a falta de respeito e de cuidado que a nossa sociedade como um todo tem com o seu passado", critica. Um antigo depósito de pólvora foi transformado no primeiro teatro de arena da capital Acervo/FCC O que foi feito na fachada Silvia Bueno Zilotti, uma das responsáveis pelo projeto, explica que a reforma feita no Teatro Paiol é comum, mas surpreende por mexer na parte de fora do imóvel. Veja mais detalhes a seguir. "É uma intervenção até simples, mas ela é muito visual, porque ela trabalha com a fachada do imóvel", afirma. Pintura do Teatro Paiol foi feita com cal, diz arquiteta. Daniel Castellano / SMCS A profissional explica que a pintura externa do prédio foi feita com cal para preservar e proteger a alvenaria. Zilotti destaca que a pintura vai naturalmente saindo com o tempo. "Imóveis a cal precisam ser repintados com uma certa frequência, porque essa cal vai esmaecendo. Ela permite esse passar dos anos dentro de um imóvel preservado, que é uma linha de conduta que a gente acha responsável, que é não deixar o imóvel arruinar", reforça. Zilotti acredita que, entre seis meses e um ano, a pintura do Teatro Paiol será mais semelhante a que tinha anteriormente. Pátina do tempo Para o arquiteto Abrão Assad, responsável pelo projeto que restaurou o prédio nos anos 70 e o transformou em teatro, a manutenção da aparência externa era fundamental para contar a história do espaço. "Em outras ocasiões nós já tínhamos feito algumas interferências no sentido de manutenção. A textura que ele apresenta, que é a pátina que o tempo proporciona, as rugas naturais de uma vivência, nós procuramos mantê-la. Essa marca, essa cicatriz, permaneceu, porque ela faz parte da história do prédio", explica Assad. Conforme Assad, na época o projeto de restauro foi pensado para destacar o que era original e o que foi alterado. "Isso é muito importante, porque dá pra saber o que era e o que se tornou", afirma. Pátina do tempo contava história do edifício, diz Abrão Assad Natalia Filippin/g1 Iaskara Florenzano reforça a posição de Assad. De acordo com ela, "a beleza e singularidade do edifício" estavam justamente bas marcas do prédio. "Mais importante do que isso tudo, e para além das dimensões imateriais e da representação simbólica para a memória coletiva da cidade, a dimensão física, ou seja, as paredes assistiram à evolução da cidade e testemunharam gerações", afirma Florenzano. Ainda segundo a especialista, a intervenção da pintura removeu justamente aquilo que "atribuía um enorme valor ao monumento". A obra Segundo a prefeitura, a reforma do teatro vai custar R$ 646 mil. A instituição afirmou que a intervenção na parte externa foi necessária e urgente por problemas no telhado, graves infiltrações e risco de a estrutura colapsar. De acordo com Zilotti, a alteração foi feita após um longo processo de diagnóstico do estado de conservação do edifício. Segundo a arquiteta, foram identificados trincas, rachaduras, degradação precoce no reboco, sobrepeso na alvenaria e infiltrações. Leia também: Museu Oscar Niemeyer completa 20 anos; veja curiosidades A partir do diagnóstico, explica a arquiteta, foram feitas ações para recuperação do prédio. "Internamente a gente não mexeu. Nós fizemos uma recuperação da alvenaria externa, que era a que tinha mais comprometimento, fizemos conservação das esquadrias, a revisão e reforço da estrutura existente, revisão e recomposição da cobertura, com o sistema de captação de chuvas, melhoria da drenagem do terreno e fizemos um tratamento no revestimento", cita. Reforma no Teatro Paiol Daniel Castellano / SMCS Manutenções ao longo dos anos Desde que virou teatro, o Paiol passou por várias intervenções de manutenção. As mais significativas, segundo a prefeitura, foram em 2005, 2010 e 2018. Para Iaskara Florenzano, arquiteta especialista em Conservação e Restauração de Monumentos Históricos Arquitetônicos, as reformas feitas posteriormente no prédio seguiram um conceito básico da teoria do restauro. "Todas as obras de conservação feitas até agora tinham como premissa o respeito pelas suas pré-existências, pela matéria original e sobretudo pelas suas marcas", afirma. Próximos passos O arquiteto Abrão Assad afirmou que se reuniu com o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), com a Fundação Cultural (FCC) e com técnicos da prefeitura para identificar "o ponto ideal da recuperação do prédio" e fazer o que o arquiteto chamou de "cirurgia de emergência". "Juntos vamos conseguir remediar um problema que aconteceu. Agora é pensar daqui para frente", afirma. Abrão conta que enfrenta a questão de maneira otimista. "O lado positivo é que, quando acontece um infortúnio, um acidente, isso torna-se um ponto de atenção renovada. Nós vamos ter uma preocupação maior com os bens. Essa crise vai resultar, talvez ,em uma nova preocupação com nossos patrimônios e bens comuns", ressalta. Antigo depósito de pólvora Segundo a Prefeitura de Curitiba, o edifício que hoje abriga o Teatro Paiol foi construído em 1874 pelo Exército Brasileiro com o objetivo de abrigar o arsenal de pólvora e munições da cidade. Entretanto, na década de 1910 a instituição proibiu a utilização do local para armazenamento de produtos suscetíveis a explosão. Por conta disso, em 1917 a Prefeitura de Curitiba passou a usar o espaço para fins burocráticos. Na década de 70, foi desenvolvido um projeto para transformar o espaço em um teatro e, em dezembro de 1971, o Teatro Paiol foi inaugurado. Conheça a história do Teatro Paiol VÍDEOS: mais assistidos do g1 Paraná Leia mais notícias no g1 Paraná.