Novo decreto sobre Apaes gera críticas severas ao governo federal
Senador Flávio Arns afirma que decreto do governo federal representa retrocesso na educação especial e promete trabalhar pela revogação da medida. Em Cascavel, Apae reage e recolhe assinaturas contra o decreto.

Eliane Alexandrino/Cascavel
O Governo Federal instituiu na terça-feira (21), por meio do Decreto nº 12.686/2025, a Política e a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva, com o objetivo de garantir o direito à educação de estudantes com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades ou superdotação, com igualdade de oportunidades.
A medida reforça princípios da Constituição Federal, da LDB e da Lei Brasileira de Inclusão, determinando que a educação especial seja ofertada de forma transversal em todos os níveis de ensino, com atendimento educacional especializado (AEE) em escolas regulares. Esse atendimento, regulamentado pelo MEC, será complementar à matrícula comum e poderá ocorrer em centros públicos ou instituições conveniadas. O decreto também cria o Plano de Atendimento Educacional Especializado (PAEE), que orientará o trabalho docente e o uso de tecnologias assistivas. Professores e profissionais de apoio deverão ter formação mínima de 80 horas em educação inclusiva.
A nova Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva reunirá União, estados e municípios para ampliar a formação continuada, fortalecer serviços de apoio e monitorar práticas inclusivas. O apoio federal será garantido por meio de repasses do PDDE e do PAR, além de bolsas voltadas à implementação da política, que contará com governança participativa e acompanhamento interministerial.
O presidente da Apae de Cascavel, João Luiz Maschio, classificou o decreto como uma medida inesperada e afirmou que ele pode gerar insegurança nas instituições. “Esse decreto pegou a gente de surpresa, porque já existia uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) tramitando no STF com conteúdo semelhante. Acreditamos que o senador Flávio Arns vai garantir que a lei federal prevaleça sobre o decreto, o que pode até inviabilizar sua aplicação”, disse Maschio.
Ele destacou que, caso o texto não seja suspenso, a Apae de Cascavel pretende continuar atendendo os alunos em contraturno, mantendo as atividades pedagógicas e terapêuticas. “Não há risco de a Apae deixar de existir. Vamos complementar o ensino dos alunos para sua evolução. Se o decreto for mantido, vamos ajustar a rotina para que os estudantes frequentem tanto a escola regular quanto a Apae”, completou.
A comunidade de Cascavel iniciou um abaixo-assinado contra o decreto, que já conta com 68 mil assinaturas. “Queremos chegar a milhões de assinaturas para mostrar nosso descontentamento. Esse link (https://peticaopublica.com.br/?pi=BR155052) está circulando entre pais, amigos e toda a comunidade”, informou Maschio.
Senador Flávio Arns fala em “perseguição às Apaes”
O senador Flávio Arns (PSB-PR) classificou o Decreto nº 12.686/2025, publicado pelo governo federal, como uma “perseguição às Apaes, às Pestalozzis e às escolas que atendem autistas e pessoas com deficiências múltiplas”. Para o parlamentar, o texto representa um grave retrocesso na educação de pessoas com deficiência e desrespeita legislações nacionais e internacionais que asseguram às famílias o direito de escolher o modelo de ensino mais adequado.
“O decreto é inadequado, restritivo e fundamentalista. Ele impõe a classe comum como única alternativa para pessoas com deficiência, desconsiderando totalmente as escolas especializadas. Ou é a classe comum, ou é nada”, criticou o senador.
Segundo Arns, a nova política desconsidera as especificidades de cada estudante e ignora o papel essencial das instituições especializadas. “Estamos falando de escolas que atendem alunos com autismo, paralisia cerebral, deficiência intelectual e distúrbios de conduta. São espaços que promovem o desenvolvimento e a inclusão real, não o isolamento”, afirmou.
Diante da repercussão negativa, Arns anunciou a apresentação do Projeto de Decreto Legislativo (PDL 845/2025), que busca suspender os efeitos da norma. O texto, segundo ele, impõe a inclusão obrigatória em classes comuns sem considerar os casos em que o atendimento educacional especializado (AEE) é indispensável.
“Algumas pessoas com deficiência competem nas Paralimpíadas, enquanto outras precisam de apoio até para se alimentar. Não podemos tratá-las da mesma forma. Esse decreto ignora a diversidade humana e limita o atendimento até os 17 anos, quando a formação deveria ser ao longo de toda a vida”, destacou o senador.
Arns informou ainda que recebeu apoio de parlamentares de diversos partidos, inclusive do Partido dos Trabalhadores (PT), e afirmou que continuará articulando no Congresso para que o decreto seja revogado.
“Vamos seguir trabalhando no Senado e na Câmara para derrubar essa aberração publicada pelo governo federal. O trabalho das escolas especializadas é fundamental e precisa ser preservado”, completou.
Fundamentação legal e apelo ao diálogo
Em seu discurso, Arns citou a Declaração de Salamanca (1994), a Constituição Federal e a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência como bases legais que sustentam o direito de escolha das famílias e a importância de alternativas educacionais diversas.
“Esses documentos afirmam claramente que a inclusão deve ocorrer sempre que possível, mas não de forma exclusiva. Negar essa possibilidade é desconsiderar a diversidade de necessidades e o direito das famílias de decidirem o melhor para seus filhos”, ressaltou.
O senador afirmou que já dialogou com o Ministério da Educação (MEC) sobre o tema, mas criticou a postura da pasta.
“O ministério diz que o decreto é bom e não prejudica as Apaes, o que é falso. Ele prejudica enormemente, inclusive na questão do repasse de recursos. É preciso rever essa política imediatamente”, disse Arns.
Deputados do Paraná criticam a medida
O deputado estadual Luiz Claudio Romanelli (PSD) manifestou preocupação com o decreto, afirmando que ele representa um retrocesso no atendimento a estudantes com deficiência e transtorno do espectro autista.
“O texto enfraquece o modelo de ensino especializado e coloca em risco a continuidade das Apaes e de outras instituições referência em educação especial. Obrigar alunos com deficiências severas a frequentar escolas regulares sem suporte é condená-los à exclusão, dentro da própria inclusão”, criticou Romanelli.
O deputado estadual Pedro Paulo Bazana (PSD) também se posicionou contra a norma e anunciou que apresentará moções e ofícios ao Ministério da Educação e à Presidência da República, pedindo sua revisão. “Não vamos ficar parados. Vamos protocolar ofícios, apresentar moções e nos fazer ouvir até que as necessidades de nossas crianças sejam respeitadas. Ninguém vai desmontar o que funciona aqui”, declarou.
Deputado Bazana defende escolas especializadas
O que diz o novo decreto?
O Decreto nº 12.686/2025 substitui o Decreto nº 7.611/2011 e cria a Rede Nacional de Educação Especial Inclusiva. O texto determina que o AEE deve ocorrer preferencialmente dentro das escolas regulares, em salas de recursos multifuncionais. Com isso, as instituições especializadas passam a atuar apenas mediante convênios formais com os sistemas de ensino.
Na prática, o decreto altera a forma de repasse de recursos federais, condicionando o financiamento das Apaes e de outros centros especializados à matrícula dos estudantes na rede comum. A mudança, segundo as entidades do setor, dificulta a manutenção das unidades e pode comprometer a continuidade dos serviços educacionais e terapêuticos oferecidos às famílias.
O governo federal argumenta que a política busca “fortalecer a inclusão escolar” e ampliar o acesso dos estudantes com deficiência à educação comum. No entanto, entidades ligadas à educação especial afirmam que a mudança pode desestruturar redes consolidadas, especialmente em estados como o Paraná, referência nacional em modelos híbridos de atendimento.
Abaixo-assinado em defesa das escolas especializadas e contra o Decreto nº 12.686/2025:
https://peticaopublica.com.br/?pi=BR155052
Foto: Divulgação
