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Negros são 56% da população, mas presença na Câmara Federal ainda não chega a 30%: 'Representação é necessária para toda a sociedade'

Por Giuliano Saito


Em 2022, percentual de eleitos subiu para 26%. Na bancada do Paraná, dos 30 parlamentares eleitos, dois se declaram negros. Para cientista política, avanço é tardio mas demonstra desejo por mudança. Com 56% da população, negros representam 24% das vagas na Câmara Federal Dida Sampaio/Estadão Conteúdo A baixa representatividade de negros na política é um problema para toda a população e impede um desenvolvimento social necessário a todos. A avaliação é da professora e cientista política Marivânia Araújo, da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Hoje, 24% dos 513 deputados federais que atuam na Câmara são negros. Quando olhamos para a população, o número revela a falta de representação: 56,1% dos brasileiros são negros, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Nas eleições de 2022, o número de negros eleitos para a Casa bateu recorde: 135. Ainda assim, a representação é de apenas 26% do total de parlamentares que vão atuar a partir de 2023. Eleições 2022: saiba qual é a atual composição do Congresso Nacional e como ele representa o povo Em outubro, o Paraná elegeu pela primeira vez uma deputada federal negra: Carol Dartora (PT). Além dela, a bancada paranaense na Casa contará com Diego Garcia (Republicanos), que também se autodeclara negro e foi reeleito. O estado tem trinta cadeiras na Câmara e, portanto, 10% serão ocupadas por negros. Segundo o IBGE, mais de 30% da população do Paraná são negros. Veja abaixo quem foi o primeiro negro eleito pelo estado. Marivânia Araújo afirma que a baixa representatividade de negros na política brasileira significa a reprodução da exclusão dessa população dos espaços de poder. "Fazer discussão sobre racismo, sobre exclusão racial, isso não é um problema da população negra. Uma sociedade que é excludente, que vai privilegiar um grupo em detrimento de outro, é uma sociedade ruim", afirma Pouco mais de um terço da população do Paraná é formada por negros, e governo estadual não tem políticas públicas específicas Dos mais de 4 mil cargos eletivos no Paraná, apenas 148 são ocupados por pessoas pretas A cientista política considera, no entanto, que todo avanço é importante. Ela destaca que candidatos como Carol Dartora e Renato Freitas - negro eleito deputado estadual do Paraná pelo PT - obtiveram números significativos de votos. "Temos que comemorar. E esses candidatos eleitos dão o seguinte recado: a política tem que ser feita de outra forma. A política no Brasil tem que ser mais inclusiva." Há no Brasil uma movimentação para a criação de um novo partido, o Afrobrasilidade, focado justamente em avançar na representação política (conheça mais abaixo). Marivânia afirma que a eleição de negros traz reflexos imediatos à discussão política, mas que a representatividade também gera benefícios futuros. "Parece pouco, mas é muito importante, porque isso vai abrir a possibilidade para que no futuro mais pessoas lutem para estar nestes espaços, participar dos partidos políticos ou de outros grupos que também fazem política, que também estão pensando as discussões dos espaços e políticas públicas." 'Nunca me vi em nada' Em entrevista ao g1, Carol Dartora destacou como o negro ainda é sub representado em diversos setores da sociedade, não apenas nos espaços de poder. "Sou preta, retinta, nasci aqui [Curitiba] e nunca me vi em nada. [...] Eu cresci assistindo televisão e vi a Xuxa fazer recrutamento de paquitas com critérios de ser loira dos cabelos lisos, olhos verdes ou azuis. Automaticamente eu descobri que jamais poderia ser aquilo. Essa invisibilidade, essa falta de representatividade, ela cria um vazio na alma, dificuldades para que a gente consiga ter uma autoestima consolidada e positiva, porque... onde a gente se vê?" Carol Dartora foi eleita deputada federal com mais de 130 mil votos Foto: Joka Madruga Menina posa para releituras fotográficas de mulheres negras: 'Que ela saiba que pode ser quem quiser', diz mãe Após racismo, misses negras usam visibilidade para conscientizar: 'Ter mais voz e ampliar o debate' Além de considerar urgente o avanço da representatividade no Legislativo, a petista defende a necessidade de combate à violência política. "Não é justo que depois de vencer tantas barreiras para ocupar esse espaço a gente tenha que viver todo dia pensando em ir embora, viver com medo, viver uma vida exposta à tanta violência. [...] Não é justo que é a democracia, espaço da tolerância, do diálogo, de construir alternativas e soluções, que nesse espaço a gente tenha ainda que lutar com esse tipo de violência sobre nós." Segundo ela, garantir a participação e a permanência na política são medidas que fazem parte do aperfeiçoamento da democracia. "Nossa democracia só vai ser efetiva quando qualquer pessoa puder ocupar o espaço público para fazer a discussão daquilo que é a sua experiência nessa sociedade, o que tem sido a sua experiência nessa sociedade, tanto individual quanto coletiva." Cota eleitoral Mecanismos de incentivo a candidaturas de negros em todo o país já existem, como a regra que determina que votos em candidatos a deputado federal negros e mulheres são contados em dobro no cálculo dos recursos públicos aos partidos. Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu pela aplicação imediata de cota proporcional de verba e tempo de televisão para candidatos brancos e negros. A cientista política Marivânia Araújo considera essas iniciativas fundamentais, mas considera que precisam ser acompanhadas por mecanismos de fiscalização. "Deve existir um acompanhamento, uma atenção para quando houver fraude, ela ser coibida e o partido punido. Porque tem que ter, se não é letra morta. Essas pessoas realmente são incluídas? Candidatos são apoiados? A medida deve ser melhor lapidada para ser efetiva. Candidatos que estão se autodeclarando negros, são? Uma vez sendo negros, eles estão recebendo apoio do partido para que sua candidatura seja verdadeira, para que tenha chance?", ponderou. Outro ponto a ser revisto, segundo a cientista, é a autodeclaração racial dos candidatos. "Negro no Brasil é se parecer com negro, não ter avô negro. Não se trata disso. Para abordar políticas públicas destinadas a negros, é preciso que se pareça, seja visto como negro", sugere. Um novo partido político Um grupo de ativistas discute a criação no Brasil de um novo partido político. A sigla deve ser chamar Afrobrasilidade e tem como foco aumentar a representatividade de negros na política. Weder Bueno é um dos articuladores do movimento e explica que há uma comissão nacional provisória trabalhando na montagem da legenda. Segundo participantes, 14 estados têm representantes atuando na criação do partido. "A importância de criar o partido é para aqueles que são menos vistos na sociedade possam ter poder de voz. Que o estado possa enxergar essas pessoas que sofrem qualquer tipo de discriminação, seja ela racial, religiosa ou social. São todas as camadas esquecidas pelo estado. Nossa pauta é essa. O partido cria esse sentimento da autoestima às pessoas", explicou Bueno. Para evitar retrocesso, debate não pode parar O primeiro deputado estadual negro do Paraná foi Justiniano Clímaco da Silva, também conhecido como Dr. Preto, eleito para a legislatura 1947/1948, conforme a Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). De acordo com a Universidade Estadual de Londrina (UEL), ele foi um dos dos primeiros médicos que trabalharam na cidade e "desempenhou um importante papel desde o início da colonização do município até o final da década de 1990". Quase 70 anos depois, o Paraná elegeu em 2022 cinco deputados estaduais negros. O número representa apenas 5,5% das 54 cadeiras da Casa. Na atual legislatura, o índice é ainda menor, de 3%, com apenas dois deputados negros em atuação. Após ser cassado na Câmara de Curitiba, Renato Freitas (PT) é eleito deputado estadual A representação negra na política e em outros espaços engatinha ainda que o estado seja pioneiro, por exemplo, na aplicação da política de cotas. Uma lei estadual de 2003 determina a reserva de 10% das vagas de concursos públicos para negros. A Universidade Federal do Paraná (UFPR) foi uma das primeiras a implantar a política de cotas, em 2004, depois da UERJ e da UnB. Oito anos depois, em 2012, foi criada a lei federal para cotas. "O Paraná realmente é pioneiro. Isso é fundamental, nos coloca na vanguarda, mas a gente precisa continuar. Esse é um processo contínuo. De cotas, de inclusão, de discussão da desigualdade racial. Porque se você para de falar, para de apoiar essas políticas, se o Estado tira alguns elementos que estão ajudando nesse processo de construção de uma sociedade, imediatamente a gente retrocede", frisou a cientista política. VÍDEOS: Mais assistidos do g1 PR Mais notícias do estado em g1 Paraná.