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Locação de tablets no Paraná custa R$ 38 milhões e levanta suspeita de superfaturamento

A locação de cada aparelho sairá por R$ 1.519,99 em contrato com a Positivo, enquanto modelos semelhantes são encontrados no varejo (para compra) por valores entre R$ 800 e R$ 1.400

Locação de tablets no Paraná custa R$ 38 milhões e levanta suspeita de superfaturamento Créditos: Divulgação

O Paraná alugou tablets. Não os comprou, não os integrou ao patrimônio público, apenas os alugou. Em 25 de abril de 2025, a Secretaria de Estado da Educação assinou o Contrato nº 2147/2025 com a Positivo Distribuição, Importação e Comércio Ltda., no valor de R$ 38.060.549,60. O documento determina o fornecimento de 25.040 aparelhos que ficarão à disposição da rede estadual até setembro de 2028.

O cronograma de pagamentos prevê parcelas mensais de mais de R$ 1 milhão, resultando, ao final, em um custo unitário de R$ 1.519,99 por tablet. Importa destacar: esse valor não é pago todo mês por aparelho, mas sim o custo total de cada unidade durante os três anos de contrato. E aqui está a questão central — ao fim de 2028, mesmo depois de desembolsar R$ 38 milhões, nenhum desses tablets pertencerá à rede pública. Todos continuarão sendo da Positivo.

O edital exigia pouco: sistema Android 11, tela de 10,1 polegadas, 3 GB de RAM, 32 GB de memória expansível, bateria de 5.000 mAh, câmeras simples e acessórios básicos como capa, teclado e caneta. Nada além do padrão de entrada do mercado. E, ainda assim, o preço assinado é mais alto do que se encontra em prateleiras. O Positivo Vision Tab 10, com 4 GB de RAM e 128 GB de memória, aparece entre R$ 920 e R$ 1.370. O Tab Q10, mais modesto, custa R$ 750. Já o Vision Tab 7, de 3 GB de RAM, pode ser comprado por menos de R$ 500.

Mesmo assim, o Estado fechou contrato pagando quase o mesmo que se paga por um Samsung Galaxy Tab A8, vendido entre R$ 1.200 e R$ 1.800, com maior desempenho e reconhecida durabilidade (o que é estampado em sites destinados à avaliação e comparação de aparelhos tecnológicos). Em outras palavras: o Paraná decidiu alugar um Positivo pelo preço de compra de um Samsung — e, ao final, não ficará com nada.

 

O freio do Tribunal de Contas

Essa história quase não saiu do papel. Em dezembro de 2024, meses antes da assinatura do contrato, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) barrou cautelarmente o pregão eletrônico da SEED. O edital previa gastar R$ 75 milhões pela locação de 25.040 tablets, o que elevaria o custo unitário a quase R$ 3 mil por aparelho.

A 2ª Inspetoria de Controle Externo foi taxativa: com o mesmo valor, seria possível comprar mais de 68 mil equipamentos. Os inspetores compararam preços em sites de varejo, no Portal Nacional de Contratações Públicas e até no Nota Paraná. Em todos, tablets semelhantes apareciam entre R$ 1,1 mil e R$ 1,8 mil. Em alguns casos, menos de R$ 1,1 mil.

“Ora analisada, a administração pública jamais considerou alternativas de contratação, que não a locação”, dizia o relatório, acusando a SEED de adotar justificativas “extremamente simplistas” para defender a escolha. O conselheiro Maurício Requião acolheu o parecer e suspendeu o processo.

Ainda assim, a licitação seguiu adiante, foi ajustada e, em 2025, resultou na assinatura de um contrato pela metade do valor inicial. Não mais R$ 3 mil por aparelho, mas R$ 1.519,99. A dúvida, porém, permanece: se a própria corte de contas já havia mostrado que o mercado vende modelos similares por menos, por que pagar tanto para não ser dono de nenhum?

 

A compra dos Samsung

A comparação com decisões recentes torna o quadro ainda mais incômodo. Em junho de 2023, o governador Carlos Massa Ratinho Junior entregou o primeiro lote de 50 mil tablets da Samsung, adquiridos por R$ 79,7 milhões em parceria com o governo federal — média de R$ 1.594 por unidade.

Ao contrário do contrato atual, tratava-se de uma compra definitiva. Dois anos depois, esses aparelhos continuam em uso, com bom desempenho, em centenas de colégios estaduais. Estudantes do ensino fundamental e médio utilizam diariamente as plataformas de leitura, redação, matemática e idiomas. Professores relatam estabilidade, durabilidade e funcionalidade.

Na prática, o governo mostrou que era possível investir em equipamentos de qualidade reconhecida, que permanecem úteis anos após a aquisição. O contraste é inevitável: em 2023, Samsung comprados por R$ 1.594 e ainda em uso; em 2025, Positivo alugados por R$ 1.519,99 que desaparecerão ao fim do contrato.

 

O fantasma dos tablets amarelos

Mas a história da Positivo com a rede estadual do Paraná não começa em 2025. Volta ao menos treze anos no tempo. Em outubro de 2012, sob o governo Beto Richa, foram adquiridos 32 mil tablets Ypy, da Positivo, a preços entre R$ 276 e R$ 462. Destinados aos professores do ensino médio, foram anunciados como símbolo de modernidade: trariam livros e revistas digitais pré-instalados, permitiriam preparar aulas e até registrar a presença dos alunos em sistema eletrônico.

A realidade foi outra. Rapidamente ganharam fama de ineficientes e frágeis. Em grupos de professores nas redes sociais, a frustração se espalhou. “O aparelho trava tanto que chega a levar doze minutos para ligar”, relatou um docente. Outra professora contou que o seu funcionou apenas um mês: “Uma bomba que deve ter custado uma boa grana”. Muitos resumiram o destino dos aparelhos em frases curtas: “Esse tablet é uma porcaria. Não serve para nada, foi só dinheiro jogado fora”. Outros ironizaram: “Estão parados juntando pó”.

A memória desses tablets amarelos nunca desapareceu das escolas. Tornaram-se exemplo do que não deveria ser repetido. Mas em 2025, a mesma empresa retorna ao centro do palco, agora não para vender equipamentos baratos de baixa qualidade, mas para alugar por milhões de reais aquilo que, no mercado, custa menos da metade.

 

Um padrão que se repete

O fio que une 2012, 2023, 2024 e 2025 é mais do que cronológico: é a repetição de escolhas que desafiam a lógica. Em 2012, compraram-se tablets baratos da Positivo que logo se mostraram ineficientes. Em 2023, compraram-se Samsung duráveis, que seguem em uso e cumprem sua função. Em 2024, o TCE suspendeu um pregão que tentava alugar tablets por quase R$ 3 mil cada. Em 2025, firmou-se um contrato de R$ 38 milhões para pagar R$ 1.519,99 por unidade sem adquirir nenhuma delas.

Os documentos oficiais não estampam a palavra superfaturamento. Mas os números, os precedentes e as comparações com o mercado repetem essa palavra em silêncio. O Paraná alugou tablets da Positivo por preço de Samsung — e, junto com eles, alugou também a dúvida, a suspeita e a sensação de que, no fim das contas, o que mais se comprou foi descrédito.

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