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“Lobo em pele de cordeiro”: Padre é preso em Cascavel suspeito de abuso sexual

Delegada do Nucria afirma que líder católico tinha conhecimento dos fatos na época e fez os seminaristas assinarem um termo na época para não divulgar o abuso

Por Eliane Alexandrino

“Lobo em pele de cordeiro”: Padre é preso em Cascavel suspeito de abuso sexual Créditos: Polícia Civil

Eliane Alexandrino/Cascavel

A Polícia Civil, por meio do NUCRIA (Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes), realizou neste domingo (24) a prisão temporária de um padre de 41 anos que estava sendo investigado por denúncias de suspeita de abuso sexual contra jovens religiosos,  em Cascavel. A prisão foi deflagrada através da operação “Lobo em Pele de Cordeiro”, que aconteceu na casa da mãe do suspeito, onde também foi feita busca e apreensão. No local foram encontrados vários jogos infantis, videogame, uma moto de brinquedo. Também foram apreendidos computadores e um aparelho telefônico.

Ele havia sido afastado de suas funções no dia 14 deste mês pela Diocese de Cascavel. Até o momento, 11 pessoas foram ouvidas, sendo três vítimas confirmadas (uma menor de idade na época dos fatos e duas maiores de idade).

De acordo com a polícia, as denúncias tiveram início ainda em 2009, quando o suspeito era seminarista. A prisão foi decretada após o padre entrar em contato com testemunhas e possíveis vítimas, comportamento que poderia comprometer as investigações e representar risco de intimidação, afirma a polícia.

Ainda segundo as investigações, o padre possuía um “padrão de comportamento predatório” com as vítimas: aproximava-se de jovens e adolescentes em situação de vulnerabilidade. “As vítimas seriam jovens envolvidos em atividades religiosas e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, possivelmente atraídos por ofertas de dinheiro, viagens, presentes e convites para pernoitar na residência do padre”, afirma o NUCRIA.

O inquérito policial foi instaurado em 16 de julho de 2025, com base no Relatório Técnico nº 122417/2025, elaborado pela Agência Regional de Inteligência do 5º Comando Regional de Polícia Militar, que trouxe informações preliminares sobre possíveis ocorrências de abuso sexual contra menores de idade.

As investigações também identificaram irregularidades na gestão financeira da paróquia em que ele exerceu suas funções até o final de 2024. “Ele também exercia de forma ilegal ‘terapias complementares’ oferecidas em consultório próprio. Foi apurado ainda um histórico preocupante, incluindo tentativa de abuso contra outro seminarista em 2010, em município da região, demonstrando a reincidência no comportamento criminoso”, acrescenta o NUCRIA.

Delegada do Nucria afirma que líder católico sabia dos abusos

A delegada do NUCRIA, Thais Zanata, relatou à imprensa através de uma coletiva nesta segunda-feira (25) sobre o início dos supostos abusos e afirmou que a Igreja Católica tinha conhecimento do caso.

“Os fatos iniciaram entre 2009 e 2010, com uma tentativa de estupro de vulnerável, quando ele ainda era seminarista. O primeiro abuso aconteceu com outro seminarista. Apesar de a vítima ser maior de 18 anos na época, esse caso foi levado ao arcebispo da Igreja Católica quando ocorreu. Porém, nada foi feito. O arcebispo fez os seminaristas assinarem um termo para que não fosse levado às autoridades na época. O que causa estranheza é que há relatos de abuso desse arcebispo também. Ele morreu em 2021 e acabou ‘passando pano’ para os abusos cometidos por estes seminaristas, com quem tinha um vínculo bem próximo. Também chegaram informações para nós de que este arcebispo cometia situações de assédio contra seminaristas. O Seminário funcionava dentro da Cúria”, explicou a delegada.

Zanata também disse na entrevista que relatos de funcionários da Igreja afirmaram que o padre preso no domingo (24) oferecia bebidas alcoólicas e dormia com as vítimas em seu quarto.

“Entre 2013 e 2014, há relatos de que esse padre oferecia bebidas alcoólicas para coroinhas, adolescentes e crianças. Ele dava presentes e dinheiro para esses jovens, que até pernoitavam na casa do padre. Há relatos de funcionários da Igreja de que essas crianças e adolescentes dormiam na cama do padre”, acrescenta.

O caso mais recente, segundo a polícia, foi em 2019, quando o padre teria abusado de um ex-usuário de drogas. “Esse padre fez o acolhimento para ajudar a vítima a se recuperar das drogas. Porém, quando ele solicitou ajuda ao padre, em troca teria que pernoitar na casa e aceitar um remédio. Esse jovem foi dopado e, na terceira noite na casa do padre, ele teria cometido os atos contra o rapaz”, acrescenta Zanata.

Esse caso de 2019 veio à tona porque a vítima tentou suicídio em dezembro do ano passado e ficou com várias sequelas. A tia da vítima procurou a polícia para fazer a denúncia. “Esses fatos já tinham sido levados para a Igreja Católica em 2021, a outro arcebispo que assumiu após a morte do anterior. Porém, também fez pouco caso. Agora foram oferecidas três denúncias formais perante a Cúria. Foi então que o arcebispo atual resolveu afastar o padre”, finaliza.

Segundo a polícia, até o momento três vítimas foram identificadas, todas do sexo masculino. O padre segue preso na cadeia pública de Cascavel e será ouvido pela polícia. Os objetos apreendidos passarão por uma perícia nos próximos dias.

A polícia confirmou que as investigações prosseguem para a identificação de possíveis novas vítimas e o esclarecimento completo dos fatos. A Polícia Civil também orienta que outras vítimas ou testemunhas procurem o NUCRIA de Cascavel para prestar depoimento. Denúncias podem ser feitas através do telefone (45) 3326-4909 ou pelo Disque-Denúncia do Paraná, no 181.

O que diz a Arquidiocese?

Dom José Mário se pronunciou na manhã desta segunda-feira (25) sobre a prisão do padre e as suspeitas de abusos. Ele afirmou que, se o delito aconteceu, o acusado deverá responder, e comentou que todos os 74 padres da Arquidiocese de Cascavel recebem treinamento e orientações.

“A Igreja reage com muita consternação e sofrimento. O desejo sincero da Igreja é que a verdade venha à tona. Se o padre de fato cometeu delito, ele deve responder. É importante dizer que, quando cheguei em Cascavel, trabalhei com os presbíteros sobre a conduta. Todos os padres foram orientados sobre como deveriam se comportar. Esse tipo de acusação feita a este padre, a Igreja não aceita e não aprova. Há um desejo sincero de que a Justiça seja feita”, declarou.

Ele também disse, em vídeo divulgado à imprensa, que assim que recebeu a denúncia o suspeito foi suspenso de suas atividades.

“Assim que uma denúncia chegou à mesa do bispo, nós rapidamente suspendemos o padre e procuramos abrir um processo de investigação. Esse processo já está em andamento, temos um prazo de 90 dias e depois será encaminhado ao Vaticano, que fará o julgamento. Se confirmado, ele deixará de ser padre. Nós procuramos motivar os padres para que se mantenham alegres e, a cada sete anos, fazemos a troca nas paróquias para dar dinamismo aos trabalhos. O padre que está sendo investigado já estava há nove anos nesta igreja, ultrapassando o tempo da transferência, por isso julgamos por bem que assumisse outra paróquia”, disse.

Dom José Mário também pediu compreensão aos fiéis e à sociedade cascavelense.

“Sobre as possíveis vítimas, a Igreja sempre tem uma postura de ajuda para superar as dificuldades, de solidariedade e compreensão. Gostaria de considerar também que nós temos em nossa Arquidiocese 74 padres, homens bons e justos, que estão gastando sua vida pela palavra de Deus. Um deles deu problema, mas não seria justo que todos pagassem pelo erro de um. Se houver algum comportamento equivocado de outro padre, nos denunciem”, finalizou.

Foto: Nucria

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