Justiça garante fornecimento de energia elétrica e regularização de posse em área de assentamento
Também deverá ser feita a extensão da rede de energia elétrica

A 9ª Vara Federal de Porto Alegre determinou a regularização da posse ou da propriedade dos lotes comercializados no assentamento Itapuí, localizado no município de Nova Santa Rita (RS). Também deverá ser feita a extensão da rede de energia elétrica para prestação de serviço adequado, eficiente e contínuo às famílias residentes no local. A sentença, publicada no dia 3/10, é do juiz Bruno Brum Ribas.
O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com a ação contra a RGE Sul Distribuidora de Energia, o Município de Nova Santa Rita e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O objetivo era a conclusão dos processos de titulação ainda pendentes no Incra e efetivação da transferência de parte da área ao Município, caso fosse necessário para a regularização. Também estava nos pedidos que a RGE regularizasse o fornecimento de energia elétrica aos moradores.
O autor apresentou as diversas tratativas extrajudiciais estabelecidas com o Município e com o Incra feitas no inquérito civil, que foi aberto após comunicação de possível loteamento irregular de terras pertencentes à autarquia, relacionadas ao assentamento Itapuí.
A RGE Sul afirmou que nunca se negou a prestar os seus serviços e que só não procedeu ao fornecimento de energia no local por conta da irregularidade na ocupação do assentamento.
Já o Incra alegou que não há omissão nos processos individuais de titulação definitiva. Sustentou que a transferência de parte da área do assentamento ao Município é questão político-administrativa complexa e sensível que se insere no âmbito discricionário das respectivas entidades envolvidas. Pontuou ainda que Lei 8.629/93 não se aplica ao caso, por não mais se tratar de um assentamento em zona rural, e não obriga o órgão a promover estruturação urbana a munícipes, escopo que refoge completamente às suas finalidades institucionais.
O Município de Nova Santa Rita, por sua vez, argumentou que o encargo financeiro para regularização da área tornou inviável receber a doação, pois em decorrência das vendas irregulares em 2021 já havia mais de 200 famílias no local. Afirmou ainda que não se opõe a custear os postes de energia e a rede de iluminação pública.
Ao longo do andamento do processo, foi realizada audiência de tentativa de conciliação, na qual foi determinada a suspensão do processo para que o Incra e o Município efetuassem tratativas quanto à possibilidade de transferência da área. Como o acordo não foi concretizado, o MPF pediu o prosseguimento da ação.
Foi promovida audiência de instrução processual, sendo ouvido o depoimento do secretário Municipal do Desenvolvimento Urbano e de testemunha da RGE Sul.
Julgamento
Ao analisar o caso, o juiz Bruno Brum Ribas ressaltou que “o fornecimento de energia elétrica constitui serviço público essencial para a garantia do mínimo existencial e à dignidade humana, sendo condição necessária para saúde e bem-estar da população, que não pode ser tolhido por exigências regulatórias incapazes de serem cumpridas”. Ele pontuou que a RGE deve providenciar o atendimento temporário das unidades consumidoras situadas no assentamento, elaborando projeto e executando a extensão da rede até os pontos de conexão de todos os interessados, independente da regularização fundiária.
“O fornecimento pela distribuidora deve ser realizado como forma de reduzir o risco de danos e acidentes a pessoas, bens ou instalações do sistema elétrico, e de combater o uso irregular da energia elétrica, assim como a distribuidora deve arcar com os custos das obras, conforme determinam os artigos 506 e 507 Resolução Normativa ANEEL nº 1.000/2021”.
O magistrado destacou que a área é integrante de assentamento para fins de reforma agrária, que teve a realização irregular de parcelamento e venda de lotes destinados à moradia e não à exploração agrícola. Isso transformou o local em um assentamento irregular, de feições urbanas.
“Tratando-se de lotes de beneficiários que tinham apenas contrato de concessão de uso, o INCRA rescindiu os contratos em virtude da utilização com desvio da sua finalidade, sem ter providenciado a reintegração de posse em relação aos novos ocupantes, permitindo a descaracterização da vocação do local. Não tendo atuado de forma diligente, talvez por dificuldades técnicas e deficiência de pessoal, o INCRA permitiu a divisão e comercialização dos lotes resultando na consolidação da ocupação irregular do imóvel, cujo desfazimento implica maiores custos econômicos e sociais do que os benefícios que resultariam da reintegração de posse, não havendo benefícios diretos ao órgão público tampouco às dezenas ou centenas de famílias que seriam atingidas pela medida. Trata-se, portanto, de situação de difícil ou mesmo indesejável reversão”.
Ribas concluiu que compete ao Incra apenas implementar a regularização da posse ou da propriedade desses terrenos em favor dos atuais ocupantes ou daqueles que comprovarem terem obtido a cessão da posse, não sendo sua responsabilidade a disponibilização de infraestrutura habitacional ou de saneamento.
Ele ainda afirmou que “a transformação de área rural em área urbana ou de expansão urbana é da competência dos municípios e, no presente caso, seria possível mediante a doação com encargo da área irregularmente ocupada para o Município de Nova Santa Rita”, mas isso não pode ser determinado por sentença. “Não pode ser imposta ao Município por decisão judicial a obrigação de receber por doação o imóvel federal com o encargo de efetuar todos os procedimentos de Reurb, tendo em vista os custos que esses procedimentos implicariam, configurando uma decisão totalmente discricionária da Município, por seus Poderes Executivo e Legislativo, imune ao controle jurisdicional, tendo em vista que se tratam de decisões relativas a ações administrativas e realização de despesas e investimentos que devem ser tomadas segundo critérios de conveniência e oportunidade, decidindo a respeito daquilo que é melhor para a coletividade”.
O magistrado julgou parcialmente procedente a ação determinando que o Incra efetue a regularização da posse ou da propriedade dos lotes/terrenos comercializados em favor dos atuais ocupantes ou daqueles que comprovarem terem obtido a cessão da posse, apresentando, em 30 dias, o cronograma estabelecendo os atos e os prazos para conclusão do processo de regularização.
A RGE deverá proceder, no prazo de 120 dias, às necessárias instalações para a prestação de um serviço de fornecimento de energia elétrica adequado, eficiente, seguro e contínuo às famílias que ocupam o núcleo ou assentamento irregular junto ao assentamento Itapuí. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
