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Jornalista preso pela ditadura aos 16 anos relembra período: 'Eu e meu pai fomos torturados juntos'

Por Giuliano Saito


Ivan Seixas hoje vive em Foz do Iguaçu. Há 59 anos, em 1º de abril de 1964, militares tomaram o Forte de Copacabana em momento crucial ao avanço da ditadura que durou até 1985. Ivan Seixas em sessão solene na Câmara de Vereadores de Foz do Iguaçu Arquivo pessoal As tristes lembranças da ditadura militar estão sempre presentes na memória do jornalista e escritor Ivan Seixas, morador de Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Defensor de ideais contrários aos defendidos pelos golpistas, ele, na época com 16 anos, e o pai, foram presos pelo regime em 16 de abril de 1971. "Durante dois dias seguidos, eu e meu pai fomos torturados juntos, na mesma sala. Depois de dois dias, o meu pai foi assassinado. A alegação é que ele teria resistido à prisão, trocou tiros e morreu fuzilado", relembrou Ivan. Há 59 anos, em 1º de abril de 1964, militares golpistas tomaram o Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, em um episódio considerado crucial para o avanço da ditadura militar, que durou até 1985. Veja linha do tempo do golpe. O período foi marcado por perseguição, tortura e assassinatos de opositores do regime. Os brasileiros não puderam votar para presidente da República, o Congresso Nacional foi fechado, e a imprensa, censurada. Compartilhe no WhatsApp Compartilhe no Telegram Além dele e do pai, a mãe de Ivan e duas irmãs dele também foram presas pelo regime - uma das irmãs, inclusive, foi abusada sexualmente. Ivan diz não reconhecer legitimidade no período e, portanto, não concorda com o termo "prisão". "Não fui preso, porque não reconheço legalidade, autoridade moral, legal para a ditadura, digo que fui capturado pelo Exército junto com meu pai", explicou. Ivan foi Coordenador da Comissão Estadual da Verdade de São Paulo Rubens Paiva e assessor especial da Comissão Nacional da Verdade. Ivan Seixas foi detido com 16 anos durante ditadura militar no Brasil Arquivo pessoal Preso por seis anos sob comando de Brilhante Ustra Ivan conta que ele e os pais eram mecânico e professora, respectivamente, viviam no Rio de Janeiro. O filho conta que os pais sempre defenderam pautas da classe trabalhadora e participavam do movimento sindical. Após anos morando no Rio, eles se mudaram para São Paulo diante das perseguições que vinham sofrendo na ditadura. "Quando houve o golpe de 64, meu pai era o contramestre de mecânica, na Refinaria Duque de Caxias, no Rio de Janeiro. Então, os militares pegaram todos os trabalhadores, sindicalistas aguerridos nas reivindicações e perseguiram", conta Seixas. Em São Paulo, eles passaram a compor o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT). Também envolvido na militância, Ivan foi preso junto com o pai, Joaquim Alencar de Seixas, e outros operários e estudantes do movimento que lutava contra o regime. "A gente era duramente perseguido. Quem fosse capturado seria, com certeza, torturado e, talvez, provavelmente morto também", contou o jornalista. Após a morte do pai, Ivan diz ter sido mantido no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) - órgão de repressão política existente durante a ditadura militar - onde foi brutalmente agredido, segundo a vítima, por ordens do então coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Justiça Federal de SP condena três delegados do DOI-Codi a pagar R$ 1 milhão, cada um, por tortura e mortes na ditadura militar Ustra chefiou o DOI-Codi, de 29 de setembro de 1970 a 23 de janeiro de 1974. No período foram registrados ao menos 45 mortes e desaparecimentos, de acordo com relatório elaborado pela Comissão Nacional da Verdade, que apurou casos de tortura e sumiço de presos políticos durante os governos militares. "Ele não me torturou pessoalmente, mas ele estava ali e dirigia as torturas, tenho uma vértebra quebrada. A tortura no pau de arara, foi sob o comando dele, assim como a tortura do meu pai na cadeira do dragão", afirmou Ivan. Ustra foi o primeiro militar brasileiro a responder por processo de tortura durante a ditadura. "Eu era um militante, sabia das possibilidades, dos riscos que a gente corria, que todos nós sabíamos, mas nós entendemos que era preciso fazer alguma coisa. E as consequências, obviamente que a gente encara elas também", explicou o jornalista. Ivan lembra que nos primeiros três anos de prisão, ele era levado a cada dois meses para uma nova prisão. "Não me deixavam estudar e me recompor psicologicamente", afirma. Após este período, por decisão do Juizado de Menores, usada como apêndice da Lei de Segurança Nacional, Ivan foi levado para a casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, presídio de segurança máxima existente até hoje na cidade de São Paulo. "Lá estavam todos os piores criminosos", descreveu Ivan. Após dois anos e oito meses, sem aviso prévio, ele foi solto sem responder a processo ou sem ser condenado. Morte de Vladmir Herzog foi motivo para soltura Considerado um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro, especialmente na área de direitos humanos, Vladmir Herzog foi assassinado em 25 de outubro de 1975 após se apresentar voluntariamente ao Centro de Operações de Defesa Interna, um órgão militar da ditadura. Sem antecedentes criminais e funcionário público na época, diretor da estatal TV Cultura, "Vlado" era acusado de militar no Partido Comunista Brasileiro (PCB), que na época funcionava na clandestinidade. O jornalista Vladimir Herzog Divulgação A morte de Herzog, segundo Ivan, foi o início de "abertura política" e o então presidente do Brasil, general Ernesto Geisel, começou a soltar presos políticos, priorizando os de maior repercussão. "Um dos casos mais denunciados era o meu, porque eu era um menino que foi preso junto com o pai, que viu o pai morrer e as irmãs e mãe presas. Alguns dias depois, foi solto o César Benjamin, no Rio de Janeiro, que também era menor, foi capturado e, em dezembro, soltaram Antônio Carlos de Melo Pereira, um companheiro que eles enlouqueceram na tortura", afirmou o jornalista. Perseguição após soltura Ivan conta que, após a soltura, continuou a ser perseguido nos anos seguintes do regime. "Eu estava solto, mas preso ainda", descreveu Ivan. Seixas conta que a última frase ouvida por ele antes de sair da cadeia ficou em sua mente por alguns anos. Um delegado jovem do Dops, afirmou, segundo o jornalista, que ele seria morto pelo regime. "Eu vivia com essa frase na cabeça. Aonde eu ia, eu sempre tomava cuidado. Ia com um olho na nuca, porque vai que eles resolvessem me matar?", explicou Ivan. Para não ser preso novamente, ele era obrigado a portar o salvo-conduto que deu liberdade a ele em 1977. Seixas era obrigada a portar salvo-conduto após soltura para não ser preso novamente Arquivo pessoal Cartas na cadeia e Anistia Internacional Uma das lembranças de Seixas após a soltura foi descobrir que recebeu cartas de diversos artistas e intelectuais da época, através de campanhas da Anistia Internacional pelo fim do regime. "O meu caso foi adotado por oito cidades importantes, inclusive Nova York e São Francisco, nos Estados Unidos, Paris, Roma, Londres, fora as outras cidades menores. Então, eles faziam campanha para salvar a minha vida, que não era uma coisa fantasiosa, havia um risco mesmo", frisou Ivan. Uma das cartas mais emocionantes, segundo ele, foi da cantora americana de folk Joan Boez. "Era fantástica e também tinha sido mulher do Bob Dylan, uma cantora folk americana, muito famosa. Ela mandou um cartão para mim. Eu tenho guardado com muito carinho", afirmou. A ministra da Cultura da França, na época, Simone Verney, também mandou correspondência. Parte das cartas recebidas por Ivan durante período em que esteve detido Arquivo pessoal Luta com a Anistia Internacional Mesmo correndo risco de vida, Ivan, após ser solto, participou da luta da Anistia Internacional pelo fim da ditadura no Brasil. "A ameaça não era só pra mim, era para o país. A anistia política foi em 1979, mas a ditadura acabou só em 1985, sete anos depois. A mesma coisa foi a reconstrução democrática, porque a anistia foi um dos passos importantes que a gente conquistou. Todo mundo estava empenhado em reconstruir o país dentro da ordem democrática", explicou Ivan. Recordar para não esquecer Ivan é mestre pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste). A tese de mestrado em Sociedade, Cultura e Fronteira, de Foz do Iguaçu, virou livro. Na obra, Ivan faz uma releitura do livro "‘Geopolítica do Brasil’, do general Golbery do Couto e Silva com críticas ao que chama de "cabeça dos fascistas até hoje". Para ele, ver pessoas exaltando o regime, o faz pensar em judeus, até hoje, vendo pessoas saldando Adolf Hitler. "É uma coisa que dói muito na gente. Ver pessoas jovens, por ignorância, e pessoas mais velhas, que viveram aquela época, dizer que a ditadura era uma coisa boa?", questiona Ivan. O jornalista e escritor pensa ser dever dele pedir às pessoas que reflitam sobre a "monstruosidade" que foi a ditadura. "A ditadura não é para alguns, a ditadura acaba sendo para todas as pessoas", completa. VÍDEOS: Mais assistidos g1 PR Veja mais notícias da região em g1 Oeste e Sudoeste.