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Peça da diretora Janaína Leite faz parte da 31º edição do festival, com apresentação em 28 e 29 de março no Teatro Zé Maria. Confira a entrevista. Diretora de teatro Janaina Leite leva 'Stabat Mater' para o Festival de Curitiba arquivo pessoal Onde está a fronteira entre a arte e a vida? A problematização do real na cena contemporânea é objeto de trabalho da diretora Janaina Leite que traz para a 31ª edição do Festival de Curitiba "Stabat Mater", espetáculo que coloca no palco os temas, historicamente inconciliáveis, maternidade e sexualidade. A peça "Stabat Mater" será apresentada em 28 e 29 de março, às 20h30, no Teatro Zé Maria. Janaína Leite é referência na pesquisa sobre o uso do documentário e da autobiografia no teatro brasileiro e conversou com o g1 sobre este e outros trabalho da carreira. Qual é o ponto de partida do espetáculo Stabat Mater? Convoca um olhar crítico sobre maternidade e sexualidade? "O Stabat Mater tem esse eixo temático entre maternidade e sexualidade, mas, na verdade, começa de um tipo de assombro, de uma obsessão pessoal. Tem relação com eu ter me tornado mãe, do primeiro, depois do segundo filho; tem a ver também com as heranças do imaginário feminino que carrego através das mulheres da minha família. Ao olhar e experimentar isso tudo, diversas questões eclodiram no campo pessoal e encontraram eco no espaço público. Na época vivíamos uma primavera feminista e as discussões sobre gênero eram pulsantes. Acrescento ainda o encontro com a obra da Angélica Liddell que perturbou meu imaginário sobre teatro e gênero. Na verdade, foi nesse caldeirão que encontrei o ponto de partida deste trabalho." Como foi a experiência de levar a tua mãe para a cena nesse contexto? "O teatro para mim não é sobre tematizar uma questão, mas tentar fazer do próprio processo, do próprio espetáculo um espaço de experiência. No caso do Stabat Mater, isso se deu por meio desse dispositivo performativo que é a ideia de realizar uma cena de sexo explícito, exibida em vídeo, convidando para estar no palco minha mãe e um ator pornô profissional. Era um enunciado, quase um programa de realização. Cada passo, cada decisão foi um exercício ético e estético. Esse é o ponto central do meu trabalho. A relação indissociável entre ética e estética. O teatro como território de uma prática, onde a dimensão dos limites, não no sentido do choque, por conta do trabalho com a pornografia, mas como práticas que tencionam o território, que criam trânsitos, que tencionam a linguagem e nossos campos de negociação simbólica. Foi por isso que a pornografia chegou. Ela era um campo que tencionava nossas práticas simbólicas, tencionava gênero, a ideia de teatralidade, de representação e performance. Ela chegou como um dispositivo para pensar teatro, gênero, mas depois se tornou um campo de investigação em si quando vi que era algo muito mais complexo do que imaginava." Confira a programação completa do festival Guia 2023: acesse a versão online Confira a página especial do g1 sobre o festival Além de apresentar Stabat Mater no Festival, você vai ministrar uma masterclass no evento Interlocuções, qual é a proposta desse encontro? "Dou muita palestra, oficina e orientação. É onde como pesquisadora posso compartilhar, dividir essa jornada. Gosto de compartilhar ideias, procedimentos, horizontes e ferramentas com o público. Gostaria de dividir neste encontro os fios desta trajetória e falar sobre o momento da minha pesquisa hoje e também de ouvir." O que espera do Festival de Curitiba? "Não é a primeira vez que venho ao Festival, já estive com Hysteria, trabalho do Grupo XIX de Teatro de São Paulo e foi uma experiência marcante, eu era muito jovem, ainda cursava a EAD (Escola de Arte Drámatica/USP). É a minha primeira vez que venho ao Festival com um trabalho autoral. Estou muito feliz porque é um trabalho muito importante na minha trajetória, um trabalho de encruzilhada, de abertura de caminhos. O Stabat Mater não é um trabalho fácil, mas é acolhedor. Não é um trabalho que provoca apenas o choque, é afetivo também. Ele constrói um espaço de partilha. Estou feliz de estar no Brasil, tenho feito muita coisa fora e tem sido mais difícil encontrar espaços e instituições que acolham o trabalho por aqui. Espero que reverbere no público de Curitiba." Atriz, diretora e dramaturga foi uma das fundadoras do premiado Grupo XIX de Teatro de São Paulo. Desde 2008 Janaina Leite vem desenvolvendo uma pesquisa sobre uso de documentário e da autobiografia no teatro brasileiro que resultou em outros trabalhos como: “Festa de Separação: um documentário cênico”, “Conversas com meu pai” e o mais recente: “A História do Olho – Um Conto de Fadas Pornô-Noir”. O último, inclusive, indicado ao Shell este ano pela direção. Há ainda o livro “Autoescrituras performativas: do diário à cena” publicado pela Editora Perspectiva. A pesquisa sobre o documental e o autobiográfico é a proposta base do teu trabalho. Neles o real atravessa o teatro. Como nascem teus projetos? Qual é a matéria prima das tuas criações? São frutos da autoinvestigação? "Basicamente eu trabalho com pesquisa e não excluo a pesquisa da autopesquisa, sempre sinto que é necessário estar profundamente, intensamente atravessada pelos temas e isso acaba encontrando uma ressonância, uma expressão mais autobiográfica. Mas nem sempre é assim, em A História do Olho – Um Conto de Fadas Pornô-Noir, meu último trabalho, não tem isso, por exemplo, mas ele só nasce, só vem ao mundo porque tem uma urgência dos temas, das questões trazidas por essa obra. Cada vez mais me coloco como uma diretora pesquisadora, uma diretora etnógrafa, documental. Gosto muito da pesquisa de campo, de ir em direção a pessoas, lugares e práticas. De aprender e pensar em modos de vida, de relação, sempre a partir do teatro. Esse é o ponto de partida principal do meu trabalho. Essa linha tênue entre arte e vida faz disso tudo uma experiência de autoinvestigação bastante profunda. Estou há 15 anos percorrendo esse caminho." Leia também: 31ª edição do Festival de Curitiba espera receber cerca de 250 mil pessoas e bater recorde de público Com mais de 280 peças, Fringe volta ao Festival de Curitiba em novo formato; descubra Gastronomix abre a cozinha e a panela de chefs renomados ao público do Festival de Curitiba Em que momento o feminino se encontra, na tua opinião? "Acho que vivemos um momento fértil sobre pensar o feminino, a gente explodiu muitos paradigmas, estamos tentando nos mover de outras maneiras, e isso é muito rico. Mas, o que eu busco é o território das ambiguidades, não tento fazer teatro para solucionar, trazer algum tipo de resposta sobre o que é ou não é o feminino. A ideia de um feminino abjeto, de um feminino em crise pauta a minha percepção. Esse conceito reporta o pensamento da filósofa e psicanalista Julia Kristeva. Me interessa transitar nessa discussão de gênero a partir das ambiguidades e não a partir das defesas. Entendo o teatro como uma prática sobre as incertezas e não o contrário. Dessa maneira, quero pensar o feminino em mim e em cena." Você começou como atriz e se tornou dramaturga e diretora, como isso se deu? Era um desejo? "Cada vez mais me entendo como uma pesquisadora, isso une todas as instâncias, sou atriz quando a cena necessita dela como articuladora; sou dramaturga porque parto de muita pesquisa, como tal sou mais uma montadora, editora onde vou coordenando essa série de materiais nessa estrutura; a direção vejo como espaço de uma regência da concepção. Me interessa muito o espaço de uma concepção autoral, de um exercício sobre a criação, a busca por um gesto autoral, criativo. As coisas foram acontecendo em decorrência da pesquisa, da minha curiosidade. Nada foi programado, sequer desejado, foi uma consequência dessas práticas e da necessidade de criar um gesto autoral sobre esses temas que me atravessavam." Serviço - Stabat Mater (Mostra Lucia Camargo) Dias: 28 e 29 de março, às 20h30 Local: Teatro Zé Maria (Rua Treze de maio, 655 – Centro) Classificação: 18 anos (*contém cenas de nudez, sexo e violência) Duração: 110 minutos Valores: Ingressos R$ 40,00 e R$80,00 (mais taxas administrativas). Ingressos: www.festivaldecuritiba.com.br e na bilheteria física exclusiva do Shopping Mueller (piso L3), de segunda-feira a sábado, das 10h às 22h; domingos e feriados, das 14h às 20h. Veja os vídeos mais assistidos do g1 PR: Mais notícias do estado do g1 Paraná.
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