Ponto 14

Festival de Curitiba: Mostra de Solos leva temáticas do dia a dia para o palco a partir da perspectiva de artistas pouco conhecidos

Por Giuliano Saito


Casa Hoffmann será palco de cinco trabalhos concebidos e realizados online durante a pandemia, que foram adaptados para o Festival. Espetáculo 'Experimento concreto' Divulgação/Guto Muniz Arqueologias do Futuro; Experimento Concreto; O Grande Dia; Reencarnação Ao Vivo e Vienen Por Mí são os cinco espetáculos que integram a Mostra de Solos, parte da 31ª edição do Festival de Curitiba. Os trabalhos oferecem reflexões sobre temas do dia a dia, considerando um panorama estético e político de produções de artistas pouco conhecidos. São obras que evidenciam as demandas de representatividade e também ampliam a percepção estética do que pode ser teatro. As apresentações ocorrem na Casa Hoffmann, de 29 de março a 2 de abril, em dois horários alternativos, 17h e 22h. Confira a página especial do g1 sobre o Festival de Curitiba O g1 Paraná entrevistou uma das curadoras da mostra, a produtora, gestora cultural, pesquisadora de políticas culturais e fundadora da SIM! Cultura, Daniele Sampaio. Confira! Que temas abordam os trabalhos selecionados? Em “REENCARNAÇÃO AO VIVO”, assistimos a uma palestra-performance muito intimista, onde a atriz Larissa Siqueira disponibiliza uma série de referências - canções, peças de teatro, pessoas - que lhe foram caras ao longo de sua experiência/formação. Ela orquestra estes materiais enquanto desmonta o seu espetáculo anterior, cujo nome é “Aparição”, revelando aquilo que está por trás das escolhas de um processo criativo. Peça 'Reencarnação ao vivo' Divulgação/Guto Muniz Em “ARQUEOLOGIAS DO FUTURO”, o público se depara com a potência e pujança dos meninos do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. O ator Maurício Lima parte de uma arqueologia afetiva sobre alguns "artefatos" recolhidos na pesquisa para a criação do Museu dos Meninos, projeto autoral do performer. O performer evoca a figura de ator MC e nos presenteia com relatos e memórias - vividas e inventadas - enquanto abre questões sobre o que o corpo fala, quais corpos são vistos e ouvidos e quem tem direito de narrar suas próprias histórias. Peça 'Arqueologias do Futuro' Divulgação/Diogo Nascimento Em “VIENEN POR MÍ”, Fábia Mirassos parte do texto da dramaturga chilena Claudia Rodriguez, cuidadosamente dirigido por Janaina Leite, para relembrar as lutas e trajetórias de pessoas trans na América Latina. Misturando maquiagem e filosofia travesti, a performer joga com metáforas que incluem o corpo travesti em diferentes linguagens, como poesia, performance, monólogo e stand-up. Um “copia e cola” de narrativas com o intuito de construir uma biografia LGBTQIA+. Espetáculo 'Vienen por mí' Divulgação/Hugo Faz Em “O GRANDE DIA”, Reinaldo Júnior - atualmente indicado ao Prêmio Shell de Ator no Rio de Janeiro - e o diretor André Lemos colocam em cena 7 homens, 7 histórias, 7 lutas, 7 rounds em 7 circunstâncias de 7 realidades diferentes, promovendo uma releitura de momentos sublimes das lutas negras por igualdade racial. Espetáculo 'O Grande Dia' Divulgação/Jeff Fagundes Por fim, em “EXPERIMENTO CONCRETO”, somos convidadas por Laís Machado a defrontar, empiricamente, procedimentos supostamente científicos que amalgamaram fundamentos racistas no processo de construção da nossa identidade enquanto nação. O trabalho justapõe referências documentais e historiográficas, e elementos ficcionais acerca da recente história negra no Brasil. Espetáculo "Experimento Concreto" Divulgação/Guto Muniz Como surgiu a ideia da Mostra de Solos? Surgiu como proposta a partir da equação de duas questões fundamentais: espaços e circuitos. A nossa curadoria tem em sua equipe a atriz e produtora Giovana Soar, que é uma artista de Curitiba. E foi ela quem trouxe essa sugestão de curarmos a partir dos espaços. Isso de contarmos com uma agente local foi fundamental para este exercício, porque a Giovana antecipou uma série de limites, mas também de potências destes espaços. A partir deste consenso, abrimos diálogo com a direção artística do Festival para entendermos quais seriam os espaços que receberiam a programação desta nova edição. Uma vez definidos, começamos, então, uma pré-seleção das obras que poderiam integrar as suas respectivas programações. De um lado, os espaços nos provocaram a pensar sobre as suas vocações naturais de ocupação. E, de outro, nossa curadoria se interessou em problematizar outras formas de ocupação. Olhando para a Casa Hoffman, amadurecemos a ideia de concentrarmos ali, dada as suas especificidades históricas e arquitetônicas, uma Mostra de Solos. A segunda razão tem a ver com a dificuldade de circulação que muitos trabalhos solos enfrentam, seja porque os artistas ainda não estão inseridos em um certo circuito de festivais, seja pela dificuldade de contratantes em programar estes trabalhos em suas instituições, ou mesmo por conta de uma visão limitada acerca da potência desta modalidade. Qual é a proposta desta primeira edição? A primeira é reunir trabalhos solos consistentes de artistas ainda pouco conhecidas do grande público. Depois, oferecer uma experiência que, no conjunto, intersecciona marcadores sociais, raciais e de gênero. Por fim, possibilitar que o público encontre terreno fértil (e acolhedor) para o encontro, a aproximação e a reflexão acerca de temas contemporâneos que nos atravessam diariamente. Como se deu a seleção dos trabalhos e dos artistas? Primeiramente, a partir dos espaços. Quando escolhemos a Casa Hoffman para acolher esta Mostra de Solos, começamos a avaliar quais trabalhos seriam potencializados ali. Depois, iniciamos o processo de pré-seleção de possíveis obras. Aqui é importante dizer que muitos espetáculos interessantes acabaram ficando de fora, visto que a demanda é sempre muito superior ao que uma grade de programação tem capacidade de absorver. Diante desta primeira grande seleção, fomos chegando, a partir de debates internos da curadoria, a um segundo conjunto que poderia “dialogar entre si”. Esse processo se estendeu até chegarmos nas 5 propostas eleitas. A maioria das produções foi concebida durante a pandemia. A ampliação estética que os trabalhos trazem, na tua opinião, se deu por conta das restrições vividas na época? Certamente o contexto de confinamento atravessa algumas das obras, mas não de forma determinante ou explícita. As obras tangenciam os efeitos pandêmicos porque muitas delas foram criadas naquele cenário, então originalmente a “forma” era outra. Mas, essencialmente, estão ocupadas de temáticas atemporais e intimamente relacionadas a nossa própria história enquanto povos brasileiros, tais como o racismo, o sexismo, a transfobia e etc. Foram adaptados para o presencial especialmente para o Festival? Há dois trabalhos que estrearam na pandemia e que foram adaptados para o Festival. São eles o “Experimento Concreto” e “Arqueologias do Futuro”. A Mostra veio para ficar? A ideia é que seja um evento fixo da programação? Sim. Esta é uma intenção deliberada da nossa curadoria. A proposta agora é experienciar a iniciativa durante a realização do Festival e avaliar os impactos e vestígios da experiência para os artistas, os públicos, o Festival e, claro, para a cidade. Seria uma assinatura desta curadoria? Sim. Sem dúvida. Aqui podemos dizer que está a impressão digital do nosso trio na Mostra Lúcia Camargo 2023. Serviço Mostra de Solo Quando: De 29/03 a 02/04 de 2023 (sessões às 17h e às 22h) Onde: Casa Hoffmann (Rua Dr. Claudino dos Santos, 58 – São Francisco) Valores: Os ingressos vão de R$ 25,00 até R$ 50,00 (mais taxas administrativas). Ingressos: www.festivaldecuritiba.com.br e na bilheteria física exclusiva do Shopping Mueller. (piso L3), de segunda-feira a sábado, das 10h às 22h; domingos e feriados, das 14h às 20h. Antes de comprar verifique a classificação indicativa e orientações de cada espetáculo. Veja os vídeos mais assistidos do g1 PR: Mais notícias do estado do g1 Paraná.