Família denuncia execução de jovem durante operação policial em Cascavel
Parentes afirmam que Luís Fernando Mergulhão foi morto dentro de casa enquanto se preparava para o trabalho; mãe e irmão relatam agressões e pedem investigação do caso

Familiares de Luís Fernando Ferreira Mergulhão, de 25 anos, afirmam que o jovem foi morto por policiais militares dentro do próprio apartamento durante uma operação realizada em Cascavel, no dia 16 de outubro. Segundo os relatos, Luís tomava banho para ir trabalhar quando os agentes invadiram o imóvel. Os familiares alegam que ele estava desarmado, nu e não teve chance de defesa.
A mãe e o irmão do rapaz também afirmam que foram agredidos e ameaçados durante a ação. Até o momento, segundo a família, não foi apresentado o boletim de ocorrência nem qualquer mandado judicial que justificasse a entrada dos policiais no local. Luís Fernando, de acordo com os parentes, não tinha antecedentes criminais e trabalhava como ajudante de caminhão em uma distribuidora de bebidas.
O caso ocorreu por volta das 5h40 da manhã. A mãe da vítima contou que acordou os filhos para irem ao trabalho e, pouco depois, o apartamento teve a energia cortada. Nesse momento, os policiais teriam arrombado a porta sem apresentar mandado. A mulher, de 58 anos, relata que teve o braço ferido durante a invasão e que foi empurrada para fora do imóvel, enquanto tentava proteger o neto de 3 anos, que também estava na residência.
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De acordo com o relato, Luís Fernando foi retirado do banheiro e levado ao quarto. Ainda nu, ele teria sido mandado a se vestir, mas, ao virar de costas, foi atingido por um disparo na nuca. “Ele estava tomando banho. Como poderia ter havido confronto?”, questionou um familiar.
O irmão do jovem, de 33 anos, foi algemado e mantido debaixo da escada. A família acredita que ele também seria morto, caso a mãe não tivesse interferido. “Eles já tinham matado um e iam matar o outro. Só não mataram porque a mãe segurou o policial e implorou”, disse um dos parentes.
Segundo os familiares, as câmeras de segurança do prédio não registraram a ação porque a energia elétrica havia sido cortada momentos antes da invasão. Depois dos disparos, os parentes foram impedidos de entrar no apartamento. A mãe, em estado de choque, ficou do lado de fora, sentada no chão, e afirmou ter ouvido os policiais rindo e se cumprimentando após a morte do filho.
A equipe do Siate teria chegado apenas para confirmar o óbito. Mais tarde, os familiares foram chamados para acompanhar uma busca dentro do apartamento, mas só puderam observar da porta. Segundo o relato, foram apreendidos celulares, roupas e outros objetos. A família também acusa os agentes de terem deixado cápsulas de munição no local. “Um dia antes, a casa havia sido limpa. Ele nunca teve arma”, disse um dos parentes.
Luís Fernando trabalhava havia alguns meses na cervejaria Ambev e, segundo a empresa, havia sido reconhecido como colaborador destaque do mês. Ele sonhava em tirar a carteira de motorista e ajudar a mãe a reformar o apartamento. “Era um menino bom, trabalhador e querido por todos. Não merecia morrer desse jeito”, lamentou um familiar.
Sem condições financeiras, a família informou que pagou o enterro com ajuda de vizinhos e conhecidos. “Até agora não temos acesso a nada, nem boletim, nem mandado, nem explicação. Queremos justiça”, afirmaram.
O caso de Luís Fernando se soma a outras denúncias de violência policial registradas no Paraná. Os parentes pedem uma investigação independente e responsabilização dos envolvidos. “Eles entraram para matar, não para cumprir mandado. Queremos justiça e que ninguém mais passe pelo que passamos”, declarou um familiar.
Em outro bloco do mesmo condomínio, outro homem também morreu durante a operação: Maicon da Silva Castanho, de 32 anos. A família dele relatou que, antes dos disparos, a esposa e a filha foram retiradas do local. Segundo informações da Polícia Científica, duas armas de fogo, uma pistola e um revólver foram apreendidas durante as ações, mas não foi informado em quais apartamentos elas estavam nem a quem pertenciam.
A família de Luís Fernando defende que o uso de câmeras corporais por policiais seja obrigatório em operações desse tipo. “Se houvesse câmera, seria mais fácil esclarecer o que aconteceu. Todo mundo teria o direito de saber a verdade, tanto a polícia quanto a vítima”, disse um dos familiares.
Na Alep
Tramitam na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) diversos projetos de lei apresentados pelo deputado estadual Renato Freitas (PT) que buscam enfrentar a violência policial e aumentar a transparência nas ações das forças de segurança. Entre as propostas está o Projeto de Lei 448/2019, que prevê a instalação obrigatória de câmeras de vídeo e áudio nas viaturas e nos uniformes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. As gravações seriam transmitidas em tempo real para um sistema central e arquivadas por um período mínimo de seis meses.
Outro projeto, o PL 38/2024, amplia essa obrigação para vigilantes e seguranças privados. Segundo o parlamentar, a proposta reconhece que situações de violência não ocorrem apenas por parte do Estado, mas também em ambientes privados. Já o PL 929/2023 proíbe agentes de segurança de publicarem imagens e vídeos de operações em redes sociais, medida que pretende coibir a exposição indevida de pessoas e o uso de ações policiais como forma de autopromoção.
O deputado também é autor do PL 25/2024, que estabelece medidas imediatas após casos de letalidade policial, como o afastamento preventivo do agente envolvido e a abertura de investigação independente. Para Freitas, essas iniciativas são fundamentais para romper o ciclo de impunidade. “Se alguns agentes da segurança pública agem apagando provas e ameaçando testemunhas, é preciso garantir, por força de lei, que a sociedade tenha instrumentos para se proteger da violência policial”, afirmou.
Letalidade policial
De acordo com dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), o Paraná registra, desde 2019, uma média anual de cerca de 370 mortes decorrentes de intervenções policiais, quase o dobro da média verificada antes do início da gestão do governador Ratinho Jr.
Em setembro de 2022, a Corregedoria-Geral da Polícia Militar publicou a Medida 002/2022, que, segundo especialistas, limitava a atuação da Polícia Civil e do Ministério Público em investigações sobre mortes provocadas por policiais. O texto autorizava a própria PM a reter objetos e provas, negar acesso de outras instituições e até impedir a apresentação dos agentes envolvidos sem autorização prévia da Justiça Militar.
A medida foi suspensa após contestação do Ministério Público, mas, conforme apontam os críticos, o governo estadual manteve a intenção de alterar a forma como esses casos são apurados. No dia 12 de outubro de 2025, o secretário de Segurança Pública, Hudson Teixeira, publicou a Resolução nº 575/2025, que criou um grupo de trabalho interinstitucional para formular um protocolo conjunto sobre investigações de lesões corporais ou mortes decorrentes de ação policial.
O artigo 7º da nova resolução estabelece que as ações policiais serão consideradas legítimas até que se prove o contrário e prevê que não será lavrado auto de prisão em flagrante contra os agentes envolvidos. O grupo deverá concluir suas propostas até novembro deste ano.
As iniciativas do deputado Renato Freitas, segundo sua assessoria, buscam justamente garantir mecanismos legais de fiscalização, transparência e proteção de civis diante de casos de abuso de autoridade e violência policial no Paraná.
Nomes e parentescos foram preservados no texto.
Créditos: Gabriel Porta/Com Assessorias